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Grécia

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Grécia

Mensagem por Oráculo de Delfos Qua maio 17, 2023 12:00 pm

Grécia
⁘ Europa ⁘
A Grécia é um país localizado na Europa, possuindo várias ilhas nos mares Egeu e Jônico. A Grécia é considerada o berço da civilização ocidental.

OFF: Use este tópico para postar em qualquer lugar do país, no caso de falta de tópicos já existentes no RPG. Caso um lugar (como, por exemplo, uma cidade) em específico receba muitos posts neste tópico, criaremos tópicos referentes a este local no RPG.
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Re: Grécia

Mensagem por Angelina Schuyler Dom Jun 04, 2023 7:34 pm

Eu Ponho A Mão No Fogo Por Você
Vários lugares
XX:XX
PS01
Parte 1: Chamado Inesperado {Dia 1 - 15:23 - Ruas de Nova York}

A rotina de Angelina tinha se transformado bastante dos últimos dias para cá. Para falar a verdade, o seu mundo inteiro se transformou… Tudo por causa dela própria. Ela estava morando na casa de Makani, a naiade que tinha cuidado dela enquanto estava dormindo, absorta num mundo falso feito pela Névoa. A naiade agora estava morta, o que fazia Angelina a nova dona da casa praticamente. Na casa, ela encontrou coisas que a ajudaram a compreender toda a situação. A mais importante delas foi uma carta para ela própria, carta essa que ela nem sequer tinha lembranças de escrever até lê-la pela primeira vez. “Caso você, no caso eu, tenha acordado, não sei se vai se lembrar de tudo. Eu espero que não. Aqui vão algumas informações para você entender este mundo: deuses gregos são verdadeiros, toda a mitologia é, na verdade. Você é uma filha de Hades, o deus dos mortos, uma semideusa. Nós nos colocamos nessa situação, foi nossa escolha nos pôr num outro mundo, um mundo diferente. Um mundo sem…”. Terminava aí. Angelina se lembrava de quando escreveu, estava sonolenta, escreveu o que pode e dormiu. Provavelmente dormiu o sono que a levou para o outro mundo, o mundo onde a magia vinha de pedaços de madeira mágicos, varinhas. Só não sentia tanta falta da sua porque naquele mundo tinha dado ela para Owen, mas sentia muita falta dele. Angelina também o colocara no mundo falso. Ainda não sabia o porquê fez o que fez ao certo, mas sabia que tinha a ver com Poseidon, o deus dos mares. Ele tinha tentado matar o Owen, ele ia morrer, ela viu ele quase morrer diante de seus olhos, ela precisava protegê-lo, ela não suportaria que isso realmente acontecesse. Então ela criou um mundo sem deuses e se pôs nele junto com ele, esse era o final da carta incompleta. Além disso, também pôs ali Thora e Gaia, as pessoas que ela se importava. Teria posto Makani também, era uma boa amiga, mas alguém precisava ficar para cuidar de seus corpos reais e ela se prontificou ao serviço. Ela foi uma amiga fiel… E morreu por causa dela. Mais uma coisa para Angelina chorar. Ela tinha chorado muito recentemente. Se sentia sozinha, incompreendida… Abandonada. Porque Owen não entendeu que era uma questão de vida ou morte? Porque foi embora? De ter tudo que gostaria, Angelina passou a não ter mais nada. Então, ela se limitava apenas a cuidar daqueles que amava, mesmo que estes a odiassem. Cuidava dos corpos de Thora e Gaia, que ainda não tinham acordado do mundo da Névoa. Também, a cada dia, procurava por Owen e via se ele estava bem. Se ele estava vivo. Uma vez, até o tirou da prisão. Deixou a porta aberta enquanto ele estava dormindo e apagou os guardas. Como ele tinha se metido numa prisão? Ela não sabia, mas a fez dar um sorriso… Até lembrar que ele não queria mais nada com ela.

Em mais um desses dias em que Angelina tinha ido vê-lo e estava voltando para casa, alguém chamou-a por “filha de Hades”. Ela estranhou, mas sabia que era com ela. Ao virar-se para a voz que tinha a chamado, Angelina se deparou com um homem. Tinha algumas rugas no rosto, cabelo e barba ruivos e um semblante rígido. Também havia algo diferente nele, algo que Angelina não podia ver, mas sentir. Era como se ela estivesse diante de uma pessoa com muito mais poder do que ela, alguém que a reduziria a pó com um estalar de dedos. Era uma sensação diferente, considerando que, até então, em sua vida falsa, ela estava acostumada a maioria das pessoas não ter exatamente um poder inerente, mas sim um canalizador de magia. O homem, sem muitos rodeios, falou que tinha uma missão para Angelina. Ela sentiu uma pontada de dor de cabeça, ao mesmo tempo que se lembrava de alguém falar que “deuses passam missões”. Ela estava se acostumando com aquilo ainda, o fato de que toda memória da vida de verdade que ela tinha vinha acompanhada de uma dor de cabeça. Se deuses passam missão, aquele era um deus. Ela não sabia qual, mas tão pouco se importava com ele ou com a missão que ele tinha para passar. Porque se importaria? Não se importava nem mais consigo mesma. Sua aparência estava bem mal cuidada, inclusive, como se Angelina tivesse perdido aquela vaidade que possui naturalmente, a vitalidade em suas feições. Porém, claro, ela não iria desafiar um deus, então apenas deixou-o falar. Ele dizia que um grupo de monstros roubou o Fogo Celestial, que era uma relíquia sagrada. Este artefato era muito poderoso e tinha que ser reavido. Você é um deus, porque não pega você mesmo? Ela pensou com descrença. Porque, ao invés de ir logo pegar o que foi roubado, ele confiaria algo dito tão precioso nas mãos de uma mulher que nem sequer gosto pela vida estava tendo mais? Não fazia sentido. Contudo, ela ainda continuou quieta e, quando o deus pediu para ela prestar atenção, ela olhou para ele apenas para satisfazê-lo, dar a ele o olhar que ele queria, mas ela não podia estar mais desinteressada em suas palavras. Segundo ele, o tal Fogo Celestial estava escondido em um vulcão da Grécia, protegido pelos tais monstros que eram leais a Ares. Não estou falando com Ares. Foi tudo que ela pensou. Até então, Angelina só estava ouvindo e nem sequer pretensão tinha de realizar a missão, porém, ao ouvi-lo falar que “ela não teria mais com o que se preocupar”, um suspiro de interesse surgiu em seus olhos. Porém, esse suspiro logo se tornou pesar. Nem um deus teria como me ajudar. Pelo que Angelina sabia (o que não era muito confiável, mas era tudo o que ela tinha no momento), deuses são poderosos sim, mas não saem fazendo lavagem cerebral nas pessoas… Tão pouco queria que Owen a quisesse de novo por influência divina. Se não fosse verdadeiro… Ela nem sequer conseguia conceber este pensamento.

O homem disse que estaria de olho em Angelina, olhando para trás depois de ter começado a se afastar, então desapareceu no ar, como se o seu corpo tivesse se transformado no mesmo. - Zeus? - Ela perguntou para ninguém. Ele era o deus do atributo ar. O próprio Zeus, o senhor todo poderoso, veio dar uma missão logo para ela? Aquele mundo de deuses era realmente bem bizarro. Angelina voltou a fazer seu caminho, não se importando com o fato de que chegaria em casa toda molhada por conta da chuva que caía naquele momento na cidade. Ela ficou pensando no que deveria fazer e, por mais que fazer uma missão para um deus não lhe fosse nada atraente, as palavras dele sobre ela não precisar mais se preocupar martelavam em sua cabeça, não deixando-a simplesmente esquecer e cagar para a missão de Zeus. Quando chegou na porta da casa de Makani, agora sua, Angelina percebeu que não iria conseguir simplesmente ignorar a missão. Precisava tentar se aquilo dava uma mísera esperança de que as coisas se resolvessem, mesmo que ela nem soubesse como essa resolução poderia acontecer. Foi quando, subitamente, percebeu o que isso significava. Ir atrás de um negócio chamado Fogo Celestial… Que estava guardado em um vulcão ativo. Ela levou uma das mãos até a maçaneta da porta e percebeu que essa estava trêmula. Fogo. Tinha fogo demais naquela missão.

Parte 2: As Ilhas de Santorini {Dia 2 - 21:34 - Hotel em Atenas}

Na casa de Makani, Angelina também descobriu outras coisas sobre si mesma. Dinheiro não era um problema, ela descobriu uma conta no banco bem recheada e mais uma bela reserva de moedas diferenciadas que ela se lembrou tratarem ser dracmas, o dinheiro mitológico. Outra coisa que ela tinha era uma variedade de documentos e passaportes falsos. Algo a dizia que ela detestava tanta burocracia para ir e vir e, por conta disso, no mundo da Névoa, ela criou formas de se transportar com muita facilidade sem precisar disso. Porém, agora estava no mundo real outra vez e precisava se transportar com modos normais. Sendo assim, usando aquele mundo de documentos falsos e parte do dinheiro, ela pegou um avião para a Grécia, pousando na capital Atenas. Ela viajou no dia seguinte ao qual recebeu a missão, chegando no período da noite já que a viagem demorava cerca de dez horas. Antes de sair, naturalmente, deixou tudo preparado para Thora e Gaia, bem como deu uma última checada em Owen. Makani tinha sistemas para quando precisasse se ausentar por uns dias, não foi difícil aprendê-los. Enquanto viajava de avião, foi impossível não sentir uma estranha inversão de papéis. Angelina estava acostumada a delegar tarefas para as pessoas e não realizar missões para alguém. Não gostava da ideia de estar sendo uma pau mandada, mas também não podia negar que ela já não era mais líder de bosta nenhuma. Outra coisa que não gostou nem um pouco foi a viagem em si, ela logo descobriu que detestava viagens de avião realmente. A ideia de ficar muito longe de terra firme não a agradava, muito menos que essas viagens demorassem tanto e as explicações que ela tinha que dar quando passava pela aduana. Não foi uma tarefa fácil explicar um arco e flecha, ela teve que mostrar mais documentos falsos sobre praticar caça esportiva com aquele arco. Ela nem gostava de caça esportiva! Por sinal, aí estava outra coisa que Angelina descobriu sobre si mesma na casa de Makani: ela sabia atirar com arco e flecha. No outro mundo, sua arma era uma varinha, mas naquele mundo… Ela sentiu que não viveria mais sem um arco e flecha.

Depois de conseguir se livrar da aduana e do aeroporto, Angelina pagou o primeiro hotel que encontrou para se hospedar e passar a noite. É muito comum que hóteis contenham panfletos com destinos turísticos ou coisas sobre o país, e foi através desses que ela descobriu para qual vulcão deveria ir. Zeus tinha falado para ela que o vulcão era ativo e, pelo que ela leu, só podia ser um deles: o vulcão que ficava em Santorini. Santorini são algumas ilhas que ficam no Mar Egeu, antes era apenas uma ilha chamada de Thera, mas foi devastada por uma erupção daquele vulcão, terminando num amontoado de três ilhas e mais uma no meio, essa uma que, na verdade, se trata da boca do vulcão. Dizia o panfleto que foi uma das mais devastadoras erupções da história, pois acabou com toda a vida na ilha, fora transformar o formato da própria ilha em si. Nem preciso dizer que ficar lendo essas coisas foi um verdadeiro terror para Angelina, porque era justamente para lá que ela estava indo. Mentalmente, começou a xingar Zeus de tudo quanto era coisa, ao mesmo tempo que não conseguia nem pensar em como seguiria com essa missão.

Parte 3: A Descida {Dia 4 - 16:44 - Boca do Vulcão de Santorini}

No terceiro dia, Angelina ajeitou a viagem para Santorini em um roteiro turístico. No dia seguinte, no período da tarde, depois de uma viagem de navio, ela estava de pé diante da boca do vulcão de Santorini. A viagem tinha sido relaxante depois de passar horas num avião e lendo sobre vulcões. Logicamente, ela sabia que não deveria se sentir tão à vontade perto do mar, levando em conta que era o território de Poseidon e que ele tinha tentado matar o homem da vida dela. Mesmo assim, Angelina não conseguia evitar, ela gostava da água ao seu redor, gostava da brisa da maresia e se sentiu muito melhor naquela viagem de navio do que ficando enclausurada dentro de um avião. Os prazeres da viagem, contudo, morreram quando ela chegou em Santorini e terminou de pé na boca do vulcão junto de outros turistas. Eles estavam observando o vulcão com curiosidade, tirando fotos e selfies, agindo como turistas, é claro, mas Angelina… Ela nem sequer queria se aproximar e sabia que precisava. Foi um passo de cada vez até chegar na boca do vulcão e ver a escuridão lá dentro. O pior era saber que, ali dentro, existia um mundo de fogo e lava e que era justamente para lá que ela precisava ir para, ó, reaver um artefato que também se tratava de fogo. Parecia conspiração contra ela, parecia que Zeus a escolheu a dedo, para que ela passasse por essa provação. Porém, por qual motivo? Que Angelina soubesse, ela não tinha nada a ver com Zeus, tão pouco acreditava que o deus brincaria com um artefato sagrado.

Ninguém está vendo isso? Angelina se perguntou ao notar uma coisa circundando as laterais da boca do vulcão. Como se tivessem sido entalhadas, ali desciam os degraus de uma escada. Angelina conseguia notá-la perfeitamente, mas nenhum dos turistas achava aquilo estranho, sequer pareciam perceber o que estava diante de seus olhos. Névoa. Ela justificou. É claro que Angelina fuçou nas coisas de Makani para aprender um pouco mais sobre aquilo que ela própria tinha usado para fazer seu mundo falso. A Névoa era o que justificava aos mortais tudo o que acontecia em termos mitológicos, ou seja, um monstro era facilmente transformado em algo palpável para uma pessoa pela Névoa, que está circundando todos os lugares do mundo. A Névoa deveria estar fazendo, naquele exato momento, que todos aqueles turistas não vissem a tal escada bem diante de seus olhos, mas Angelina podia vê-la e tinha certeza que era por ali que deveria seguir. Deveria descer aquela escada e entrar na boca do vulcão. Até então, ela não tinha visto um sinal de fogo ou lava, mesmo assim, dar os primeiros passos foi difícil… E ela começou a descer a escada pé por pé, não se importando em ser devagar. Não vou mentir, em vários momentos desde que viajou para para Santorini ela pensou em desistir, simplesmente voltar para Nova York e parar de seguir aquela ideia estúpida de reaver o Fogo Celestial para Zeus. Porém, mesmo assim, ela seguia em frente, porque as palavras do deus ainda não tinha saído de sua mente, elas ainda colocavam ali uma ponta de esperança. - Você não terá mais com o que se preocupar… - E foi repetindo as palavras do deus para si que Angelina continuou a descer as escadas e entrar no vulcão de Santorini, ignorando os gritos dos mortais acima que deveria estar vendo, através da Névoa, ela cair no vulcão tragicamente e morrer.

Parte 4: O Mundo Dentro do Vulcão {Dia 4 - 17:32 - Dentro do Vulcão de Santorini}

A escada não terminava exatamente no fundo do vulcão de Santorini, na verdade, ela levava até uma caverna adjacente às paredes. Angelina, inclusive, sentia que já estava abaixo da linha do mar. O vulcão de Santorini não é alto em termos de altitude, então descer a sua boca era a mesma coisa que acabar descendo até ficar abaixo da linha do mar. Era uma sensação estranha. Sem grandes alternativas de caminho, Angelina entrou na caverna e passou a segui-la. Por puro instinto, ela acabou puxando o arco e flecha de suas costas e deixou ele preparado. Se sentia melhor sabendo que estava segurando uma arma, mas ainda não sabia o que esperar. Quanto mais ela entrava na caverna, mais escura ela ficava, a ponto de ser difícil se orientar. Mesmo assim, ela seguiu em frente e, depois de alguns metros, as paredes escuras começaram a ser pintadas por tons de laranja. Ela podia imaginar o que isso significava e só de pensar sentiu um frio passar por toda a sua espinha. - Você não terá mais com o que se preocupar… - Ela sussurrou para si própria a promessa de Zeus como se este tivesse virado o seu mantra de força. Então, ela seguiu em frente até encontrar uma saída daquela caverna e, ao chegar na abertura, o medo tomou conta de seu corpo. A abertura da caverna levava a uma escada que desvia para uma caverna ainda maior e colossal, onde rios de lava percorriam o chão vindos de uma cascata de lava que descia de uma abertura na parede oposta. Vivendo entre estes rios de lava estavam vários seres humanoides grandes cujos cabelos e barba eram chamas puras. Suas roupas e adornos eram feitos de metal, Angelina presumiu que era justamente por exalarem fogo na cabeça, poderiam queimar roupas se fossem de tecidos. Eles viviam ao redor de enormes fogueiras, muitas delas que estavam cozinhando algum tipo de carne ao qual… Tinha um estranho formato de ser humano. Observando um pouco mais, ela percebeu que algumas daquelas criaturas mexiam com objetos muito específicos, como câmeras fotográficas, mochilas de viagem e outros afins. Eles comem os turistas. Ela percebeu. Traduzindo, eles gostam de comer pessoas. Aquela era a tal tribo de monstros que Zeus falou, uma tribo de gigantes de fogo.

Automaticamente, Angelina se abaixou, deitando no chão. Como estava numa posição elevada em relação aos gigantes lá embaixo, ela conseguiria ficar escondida desde que se mantivesse deitada. Foi bem neste minuto que um gigante ainda maior do que os que ela tinha visto apareceu vindo da entrada de uma outra caverna na parede oposta, próxima a cascata de lava. Ele usava bem mais adornos metálicos em seu corpo, que era todo tatuado. Inclusive, próximo aos seus cabelos de chamas, estava o que parecia ser uma coroa ao redor de sua cabeça. Em uma de suas mãos, ele segurava a maior lança que Angelina já viu em toda sua vida. Aquele, com certeza, era o líder da tribo. - O Fogo Celestial está pronto! - A voz do gigante retumbou pela caverna e chamou a atenção de todos os seus súditos. - No amanhecer de amanhã, nós vamos jogá-lo no vulcão e a humanidade assistirá a maior erupção vulcânica que já viu em sua existência. Eles serão dizimados pela lava e pela fumaça, reduzidos a meros pedaços de carne ao qual iremos nos banquetear. Esse mundo será nosso, não viveremos mais nas sombras. Amanhã, a nossa raça triunfará, bem como o nosso senhor Ares, que nos concedeu os meios de roubar o poderoso Fogo Celestial. Amanhã, seremos os novos donos da Terra! - O gigante rei ergueu a sua grossa lança para o alto e, junto dele, todos os outros gigantes ergueram armas e braços para o alto, ovacionando o discurso de seu líder. Em seguida, o povo gigante começou a festejar. Eles começaram a comer as carnes preparadas, fazer quedas de braço uns com os outros e conversar sobre o dia glorioso que seria o amanhã. Enquanto isso, Angelina continuava deitada no chão pensando em para onde deveria seguir. Seus olhos foram para a caverna de onde o líder dos gigantes tinha vindo… Possivelmente era ali que o Fogo Celestial estava sendo guardado, porque era óbvio que ele não estava junto a tribo e, pelo que Angelina conseguia perceber, aquela era a única saída da grande caverna fora a qual ela tinha chegado até ali. Isso levava a outro questionamento: como ela iria chegar. A outra entrada de caverna estava na parede oposta, ela iria ter que passar por toda a tribo de gigantes de fogo… E não iria ser na força, primeiro porque não conseguiria enfrentar tantos e, segundo, ela sequer estava com forças para pensar em uma batalha com tanto fogo para todos os lados.

Subitamente, a cabeça de Angelina começou a doer e ela se lembrou de uma coisa. Ela olhava para as próprias mãos e delas saía uma fumaça negra que, no entanto, não parecia ser algo corpóreo… Porque de fato não era. Era escuridão, escuridão pura capaz de apagar qualquer luz, capaz de terminar com a visão dos que nela estivessem impregnados. Ao lembrar-se disso, Angelina olhou de volta para as suas próprias mãos, dessa vez sem estar numa memória. Ela era uma semideusa, uma filha de Hades que possuía também os seus próprios poderes… E um deles era justamente esse, ela sabia criar escuridão quando quisesse. Aposto que gigantes de fogo nunca experimentaram o que é ficar no escuro. Ela pensou, considerando que os cabelos e barbas deles eram chamas, ou seja, os arredores deles deveriam estar sempre iluminados. Esse seria o seu plano para chegar até o outro lado da grande caverna. Ainda deitada, Angelina estendeu a palma de suas mãos para frente, apontando na direção da tribo de gigantes lá embaixo. Ela imaginou a escuridão saindo de suas mãos e, tão logo, o que ela imaginou se tornou realidade. A escuridão saiu de suas mãos como pequenas ondas que, em poucos segundos, se tornaram duas cachoeiras de sombras que inebriaram a tribo lá embaixo, inundando suas fogueiras, seus corpos, seus rios de lava, tudo se tornou uma área completamente tomada pela mais pura escuridão onde nada poderia ser visto. Angelina deixou apenas uma pequena fresta rente às paredes livre de seu poder para que ela conseguisse contornar a tribo e chegar na outra entrada do outro lado. Lá embaixo, na tribo, gigantes começaram a gritar desesperados. A teoria dela estava certa: ninguém nunca tinha “apagado a luz” deles. Gritavam sobre estarem cegos e Angelina ouvia barulhos de baques que certamente eram os gigantes batendo em si próprios na tentativa de dispersar a escuridão ou conseguir sair dela. Ela não perdeu tempo, se levantou e correu, descendo as escadas, aproveitando da algazarra que eles estavam fazendo para não ser ouvida. Pela fresta que deixou sem escuridão, ela passou rapidamente, contornando toda a tribo. Aquilo foi bom, considerando que ela não queria passar perto das fogueiras e dos rios de lava deles. Porém, não pode evitar chegar perto da cascata rente a entrada da caverna que objetivava. Quando avistou essa e se viu próxima, sentindo o calor que emanava dali, ela congelou. Não posso ficar aqui. Ela pensou, considerando que bem ao seu lado tinham mais de uma dúzia de gigantes de fogo desnorteados. Era só dar sorte para o azar e um deles poderia acidentalmente bater em Angelina. Vai, vai… Vai! Ela falou para si própria e forçou-se a correr, passando ao lado da cascata de lava e conseguindo alcançar a caverna, ao qual ela entrou e correu o mais rápido que pode para se afastar da tribo de gigante atrás de si e daquele maldito calor.

Quando cansou de correr, o que demorou pelo menos uns quinze minutos, Angelina ainda se encontrava naquela “subcaverna”. Sua extensão era enorme e, embora o seu caminho fosse único, sem bifurcações, era tão serpenteado que ela tinha perdido a noção de onde exatamente estava dentro do vulcão. A quantos metros abaixo do mar ela estava agora? Porém, voltar não era uma opção, então ela foi seguindo em frente, adentrando aquela passagem que, tal como a primeira, ia ficando cada vez mais escura. Era engraçado como Angelina pouco se importava com a escuridão, com ser capaz de ver muito pouco de onde estava indo, tendo que se orientar mais pelo teto de suas pernas e braços nas paredes e chão do que com os seus olhos. Mas ela sabia que ali dentro a luz significava fogo, então o escuro era o seu melhor amigo, o local onde ela se sentia segura. Por ela, poderia ser assim o restante da missão, mas é claro que não seria, pois novamente, depois de muitos metros de caminhada, as paredes começaram a ficar em tons alaranjados, indicando a luz que vinha de um possível final do túnel. Dito e feito, Angelina logo se viu no final daquela passagem e se encontrou com mais uma grande caverna, uma muito pior do que a da tribo de gigantes. Aquela passagem se abria, ficando cada vez mais longa até revelar uma nova grande caverna. Seguindo em frente, havia uma passagem de terra mais estreita, que servia como uma ponte para uma área circular que ficava à frente, ao qual era circundada por todos os lados por cascatas de lava ardente. Angelina arriscou chegar perto da ponte de terra e olhou para baixo, encontrando uma piscina de lava borbulhante metros abaixo. Ela soltou um gritinho e caiu para trás, seus olhos indo para o que ia para lá da ponte, na área circular. Bem no centro, em cima de um pedestal da altura dos gigantes, estava o que parecia ser um globo de metal feito com vários aros, com uma chama bruxuleante roxa dentro. A chama parecia querer sair daquele globo de metal, mas não conseguia, por mais que ele fosse feito de aros, ou seja, existissem várias aberturas para o que estava dentro sair. Aquele globo deveria ser mágico… E aquela chama deveria ser o Fogo Celestial aprisionado… E é claro que ele estava na área circular que era circundada por cascatas de lava cuja única forma de alcançar seria passando por uma ponte de terra estreita que, caso Angelina caísse, se veria caindo para uma piscina de lava borbulhante alguns metros abaixo. - O que eu não faço por você Owen Ziani… - Ela se levantou, resmungando e batendo as mãos nas suas roupas para tirar a poeira. Talvez a única coisa que ainda não tivesse a feito travar fosse isso, porque estava fazendo por ele, para se livrar de suas preocupações com ele… E também porque aquele fogo, por mais que fosse abundante, estava longe dela, caindo em cachoeiras que ela poderia muito bem evitar de chegar perto.

Angelina respirou fundo e deu o primeiro passo na direção da ponte estreita, mas parou assim que ouviu uma voz atrás de si. - Não tão rápido, semideusa. - Angelina virou-se e olhou para trás, vendo saindo da passagem o próprio rei dos gigantes. - Você pode ter paralisado a minha tribo com o medo da escuridão, mas eu venci as suas sombras. Você não vai recuperar o Fogo Celestial. - Angelina engoliu seco e precisou de todas as suas forças mentais para manter a compostura diante de um monstro que tinha o dobro do tamanho dela, usava uma lança enorme e, pior, tinha chamas ao redor da cabeça. - Prepare-se para a sua morte. - Disse o gigante empunhando a lança contra ela. - Eu não queria estar aqui! - Foi o que Angelina falou no calor do momento, o que fez a testa do gigante ficar enrugada. - Eu não queria! - Ela continuou. - Esse mundo é só fudido, okay? Fudido. Eu estou dentro de um vulcão com um gigante de fogo… Eu… Logo eu… Porque Zeus me passou uma missão. Isso tudo é fudido. - Enquanto falava, Angelina gesticulava os seus braços arduamente, sem se importar que um deles estivesse segurando o arco. - Eu só queria estar no meu mundo! Ele era mais simples! Não tinham deuses que te mandam fazer coisas bizarras, não existem gigantes de fogo… E… Eu estava feliz com ele. Poseidon não ia tentar matar ele! Nem ameaçar as pessoas que eu amo! Eu não estaria fazendo missões, eu estaria passando elas! Mas tudo aquilo era mentira! Eu me coloquei numa mentira! - Sim, ela estava desabafando… E o gigante de fogo continuava a olhar para ela com a testa enrugada, porque claramente nunca tinha visto um humano ter tal reação em sua frente antes. Ele deveria estar acostumado com surtos de pânico, gritos e pessoas correndo tentando se salvar… Mas não com alguém desabafando sobre sua própria vida, falando sobre coisas que ele nem entendia, nem eram de sua conta. - Porque eu não consigo ter um pouco de paz?! - Os olhos dela começaram a ficar marejados e, acredite ou não, ela perguntou aquilo para o gigante como se ele tivesse alguma resposta. - Esse mundo não tem paz… Porque tem deuses! E eles fazem o que querem! Eles… Matam… - Angelina colocou uma das mãos na cabeça, tapando metade de seu rosto e puxando para cima um pouco dos seus cabelos, os bagunçando. - Eles matam… Eles nos mandam para os piores medos… - Ela olhou para trás, vendo as cascatas de lava ao redor da área circular após a ponte de terra. Em seguida, voltou a olhar para o gigante, para seus cabelos de fogo. - Porque? - Quando parou de falar, Angelina percebeu que estava ofegante. O gigante se manteve calado, ainda estava tentando entender o que tinha acabado de acontecer na sua frente. Deveria estar achando que Angelina era uma lunática.

Após respirar profundamente várias vezes, Angelina retornou daquele breve surto. Estava em uma missão, precisava recuperar o Fogo Celestial, o gigante de fogo a sua frente era o rei deles… E ele estava visivelmente distraído tentando entender a semideusa a sua frente. Era uma oportunidade. Uma grande oportunidade. Eu odeio tudo isso. Ela pensou e deixou uma lágrima cair ao mesmo tempo que empunhava rapidamente o seu arco na direção do gigante e, com velocidade, começou a atirar flecha após flecha, puxando-as rapidamente da aljava em suas costas. Na casa de Makani, para passar as várias horas sozinha, Angelina pegou gosto por usar o arco e lembrar algumas das coisas que tinha aprendido a fazer com ele. Ela sabia que conseguia disparar o dobro de flechas se quisesse, mirando rapidamente, também sabia que conseguia esquivar e logo em seguida soltar uma flecha certeira e, pasme, ela até sabia usar flechas incendiadas, por mais que evitasse isso. Naquele momento, ela estava usando o artifício da mira rápida. Ela conseguiu acertar três flechas no gigante, uma no ombro, a segunda também e uma terceira bem em um de seus olhos. O gigante urrou de dor e ficou furioso com Angelina. Ele retirou a flecha de sua órbita ocular e atirou-a no abismo que levava à piscina borbulhante, o que fez Angelina sentir arrepios pelo corpo. Em seguida, o monstro correu na direção dela com tudo, obrigando a jogar-se para o lado para conseguir desviar. A boa notícia foi que conseguiu se livrar da investida, a má notícia foi que o gigante estava longe de terminar. Por puro reflexo, ainda deitada, Angelina rolou para o lado e viu a lança dele fincar o chão bem onde ela estava anteriormente. Logo depois, uma grossa mão veio em sua direção e ela não conseguiu evitá-la, porque seu espaço de esquiva tinha terminado. A extensão da abertura da caverna até a ponte estreita não era muita, tornando a luta concentrada demais para uma pessoa como Angelina, que sempre se atém mais aos tiros de longa distância e esquivas ao invés de defesas ou contra-ataques. Naquele lugar, o gigante claramente estava em vantagem, mesmo sendo um gigante e, portanto, o local parecer ainda menor para ele. O monstro pegou Angelina pelo pescoço, englobando-o facilmente com uma força que iria fazê-la desmaiar em menos de um minuto se ela não se livrasse. A sorte de Angelina é que ela já tinha sido enforcada tantas vezes que sabia controlar a respiração, então… Talvez ela tivesse dois minutos para bolar um plano de fuga. Porém, ela logo descobriu que o gigante não iria matá-la por asfixia, ele queria empalar ela, pois segurou a lança e, sem muitas cerimônias, aproximou-se da cachoeira de lava mais próxima e mergulhou a ponta da arma ali, deixando a lâmina incandescente. Em seguida, ele virou a ponta na direção da barriga de Angelina. Eu não quero morrer. Sua cabeça doeu e vieram mais lembranças. Ela se lembrou de quando foi atingida por uma lança envenenada na barriga. Lembrou-se de estar olhando para Owen quando o objeto ultrapassou o seu corpo, quando ela olhou para baixo e viu o que estava acontecendo, quando ela pensou essa mesma coisa, que não queria morrer. Naquela ocasião, ela tinha sido pega de surpresa, um ataque pelas costas. Aquela memória foi verdadeira, tanto no mundo da Névoa quanto no real, tudo aconteceu da mesma forma. Só tinha uma coisa de diferente, um único pensamento a mais… Ela sabia que se fosse de frente, não teria a acertado… Porque ela sabia deixar o seu próprio corpo fantasmagórico se quisesse.

Angelina fechou os olhos bem na hora que o gigante fez a lança ir contra ela, porém, ela não sentiu a lança transpassar o seu corpo, ao invés disso ela sentiu o seu corpo caindo no chão. Ela usou mais um de seus poderes, fez o seu corpo se tornar um fantasma, o que fazia ela poder atravessar objetos, portanto, a lança não a atingiu e o gigante também não conseguiu mais segurá-la, fazendo com que ela caísse. Pouco antes de atingir o chão, Angelina devolveu o status corpóreo para o seu corpo, cancelando o poder. Ela não demorou em reaver o seu arco e flecha, que também caiu no chão porque, num corpo fantasma, obviamente ela não seria capaz de segurá-lo. (Não me pergunte como as roupas ficam fantasmas junto com o corpo, mas as armas não). O gigante ficou aturdido com aquilo, momento em que Angelina aproveitou para pegar uma flecha de sua aljava (que ainda estava no chão) e mirar bem no pescoço da criatura, disparando-a. O objeto fincou a região sensível, fazendo o gigante levar a mão livre até o pescoço e dando vários passos para trás, desequilibrado por estar começando a afogar no próprio sangue. Ele era um gigante, demoraria um pouco mais para morrer do que um humano acertado na mesma região, ainda assim, era uma região fatal. Contudo, o rei dos gigantes de fogo não era o rei à toa, mesmo com uma das mãos no pescoço, ele ainda empunhou a lança contra Angelina, preparando para arremessá-la na direção da mulher como um alento final de sua vida, uma última vingança. Ele morreria, mas queria levar sua assassina com ele. Tomada pelo instinto de seus poderes, ela largou o seu arco, espalmou as mãos e agachou-se para colocar as duas no chão da caverna. Ela sentiu a estrutura do local e fez toda se abalar, causando um mini terremoto ali. O gigante, mesmo assim, lançou a sua lança, mas errou feio a mira por conta do terremoto. Além disso, já desequilibrado de antes, ele acabou dando mais passos para trás até não encontrar mais chão, caindo no abismo de lava borbulhante lá embaixo aos gritos. Em segundos, a caverna ficou silenciosa. Angelina agradeceu pelo seu pequeno terremoto não tê-la feito desabar completamente. Então, ela olhou em frente, para a ponte de terra. Estava na hora de pegar o Fogo Celestial.

Andar na ponte de terra já era um terror à parte. Mesmo sendo estreita para os parâmetros de um gigante, ou seja, caber bem um ser humano, não deixava de ser uma experiência assustadora saber que dois passos em falso e você acabaria caindo num abismo de lava ardente… Que muito provavelmente era fundo, porque Angelina olhou para baixo e não viu nem rastro do corpo do gigante por lá, sinal de que tinha afundado por inteiro na lava profunda. Passo por passo, com todo cuidado, Angelina avançava na ponte… Até que uma enorme lâmina em chamas saiu de uma das paredes entre duas cascatas de lava e quase acertou-a. Tão logo, outras duas lâminas em chamas também desceram, formando três pêndulos mortais de onde ela estava até o restante da extensão da ponte de terra. Armadilhas… Armadilhas um tanto arcaicas, mesmo assim eficientes. Se não fosse a boa percepção dela, certamente aquele poderia ter sido o seu fim. Por longos minutos, Angelina precisou ficar ali, parada, respirando para se recuperar do susto de uma lâmina de chamas passar bem rente aos seus olhos. Ela estava quase chegando ao limite do seu próprio terror naquela missão, mesmo assim, sentia que já tinha percorrido um longo caminho para simplesmente retornar. Até mesmo o rei dos gigantes de fogo ela conseguiu matar. Sendo assim, Angelina começou a olhar para os pêndulos e passou a calcular o tempo deles mentalmente. Considerando que ela era uma pessoa que gostava de quebra-cabeças, não foi um desafio complicado descobrir o momento exato em que poderia passar correndo onde nenhuma das três lâminas fosse alcançá-la. Ela fez uma contagem regressiva em sua mente e, quando chegou a zero, correu e atravessou o restante da ponte de pedra, passando ilesa pelas lâminas em chamas. Angelina olhou para trás, pensando no caminho que iria ter que retornar depois que pegasse o Fogo Celestial. Iria ter que passar por aquelas lâminas de novo e pela tribo de gigantes ao qual ela torcia ainda estarem envoltos de escuridão. - Uma coisa de cada vez, Angelina… - Ela sussurrou para si própria, mas a sua respiração estava descompassada, indicando que ali havia um nível de ansiedade associado. Ela, então, girou o corpo e olhou para o pedestal onde estava o globo com a chama roxa dentro. O pedestal era para o tamanho de um gigante, porém, analisando-o, ela percebeu que esticando o braço conseguiria alcançá-lo, afinal, o pedestal estava mais ou menos na altura da cintura de um gigante para que ele conseguisse pegar o globo com conforto. Sendo assim, ela se aproximou do local e, novamente se não fosse pela sua percepção, ela iria ter sido queimada, porque várias colunas de fogo surgiram ao redor do pedestal, deixando-o inteiramente protegido numa espécie de gaiola de chamas.

Na mesma hora, Angelina pensou em deixar o seu corpo fantasmagórico de novo, mas ao tentar percebeu que não tinha energia o suficiente. Aquele poder não era para ser usado com banalidade, gastava energia demais. Ela ficou ali, parada, observando as colunas de chamas, pensando no que fazer para conseguir tirar o globo dali. Aquela era mesmo a armadilha perfeita para os gigantes de fogo guardarem algo. Eles, obviamente, pareciam ser imune às chamas (a não ser que caiam numa piscina de lava borbulhante, mas também ninguém faz milagres, não é mesmo?), porém qualquer outro ser que tentasse roubar o Fogo Celestial muito provavelmente não seria imune, ou seja, para pegar o globo… Tal ser iria precisar se queimar. Para alcançar o globo, Angelina precisava pôr a mão e parte do braço no fogo. Seus olhos se arregalaram à medida que ela ia percebendo essa conclusão mais e mais. Sua cabeça doía junto com as memórias que vinham de quando ela inventou de se atirar nas chamas para saber se o amor dela por Owen era real. No mundo da Névoa, ela não soube justificar isso muito bem, mas no mundo de verdade… Agora ela se lembrava, Afrodite abençoou o amor dela e evitou que ela morresse queimada, assim, ela saiu do fogo ainda mais bonita do que quando tinha entrado, como se fosse uma fênix morrendo e ressurgindo para uma nova vida. Deve ter sido a única vez nessa vida que um deus grego tratou Angelina bem, ajudando-a. Porém, agora, ela não poderia usar o poder do amor para reaver o globo, por mais que sua motivação para passar por tudo aquilo tinha sido Owen, para livrar-se de suas preocupações, essas que eram… Justamente a ausência dele. Angelina começou a estender a mão para perto das colunas de fogo, o calor lambendo a ponta de seus dedos, flertando com as suas unhas afiadas. - Eu não quero fazer isso. - Ela falou. Sua mão começou a tremer e travou. - Porque os deuses brincam com a gente? - Ela perguntou, mesmo sem obter resposta. - Porque eu tenho que fazer isso? Porque não me deixam em paz? - Aqueles pensamentos se tornaram uma frustração grande que ela usou como combustível para meter a mão de vez no fogo e alcançar o globo. Ela gritou de dor e nem conseguiu pegar o globo, mas conseguiu dar um tapa forte no mesmo que o fez cair do pedestal e rolar pela área de terra circular, parando pouco antes de cair no abismo de lava borbulhante, bem na beirada. Não que Angelina tenha sequer percebido isso, ela estava ocupada demais em sua própria dor e olhando com o mais puro terror a sua mão e braço queimados. Até então, ela só estava gritando de dor… Mas quando observou a sua carne à mostra toda chamuscada, ela gritou mais alto, mais estridente, o grito mais agoniado de toda a sua vida. Angelina perdia o fôlego, mas logo voltava a gritar, ainda olhando para a sua própria mão, no mais puro terror. Não existiam mais pensamentos bem formados em sua cabeça, sequer dúvidas do porque o mundo dos deuses é tão injusto, existia apenas aquele braço queimado, o horror daquela imagem, o terror de saber que era a sua própria mão, de saber que ela fez isso consigo mesma, de sentir a dor, de estar esgotada mentalmente com tudo aquilo.

Por quanto tempo Angelina ficou ali, gritando? Eu não sei dizer, nem mesmo ela. Podem muito bem ter sido minutos ou horas… Ela nem sequer percebeu o momento em que os seus gritos começaram a vir acompanhados de lágrimas. O que a tirou desse estado catatónico foi quando algo no ambiente que ela se encontrava mudou. Ela começou a ouvir barulhos diferente de seus gritos, nos momentos em que pausava eles para respirar… Barulhos que pareciam como se uma manada estivesse vindo para aquele lugar, inúmeros passos se aproximando cada vez mais vindos de uma única direção, a entrada daquela caverna. Poucos segundos após ouvir os barulhos, ela percebeu vários gigantes de fogo surgirem ali e verem que o Fogo Celestial estava prestes a ser roubado com sucesso. Os gigantes, então, começaram a fazer uma fila indiana para atravessar a ponte de terra, sendo atrasados apenas pelas lâminas que ainda estavam balançando no ritmo do pêndulo. Porém, isso não iria mantê-los longe por muito tempo, foi a tribo que instalou as lâminas, eles sabiam o tempo certo para passar delas. Por mais terror que Angelina estivesse sentindo, ela ainda não queria morrer. O instinto de sobrevivência gritou alto dentro de si, se tinha uma forma que ela não queria morrer era por qualquer coisa que tivesse correlação com o fogo. Não, só não. Porém, como sair? A única saída estava por onde os gigantes estavam vindo, a ponte de pedra. Por todo o redor da área circular que Angelina estava, tinham apenas cascatas de lava e o abismo com a piscina de lava borbulhante. Era impossível… Mas não para uma filha de Hades. Ela se levantou e, com a mão boa, colocou o arco ao redor do corpo e correu na direção do globo, segurando-o. Em seguida, ela deixou o seu corpo cair para trás, mas ela sabia perfeitamente que ele não bateria contra a terra, porque ela estaria entrando nas sombras. Uma caverna é um lugar lotado de sombras, já que é um lugar coberto. Com a luz das cascatas de lava, as sombras daquele lugar ficavam ainda mais evidentes, então ela poderia usar viagem nas sombras em qualquer lugar dali. O lugar que ela objetivou como ponto de destino? Qualquer sombra existente na boca do vulcão de Santorini. Dito e feito, ela apareceu nas penumbras de uma grande pedra rente à boca do vulcão, observando, lá em cima, que o céu tinha escurecido. Estava de noite.

Parte 5: Você Não Terá Mais Com O Que Se Preocupar {Dia 5 - 00:34 - Boca do Vulcão de Santorini}

Não havia mais turistas em volta da boca do vulcão de Santorini. Não estava só de noite, já deveria estar de madrugada. Angelina podia ter forças físicas para encontrar um lugar para ficar até o dia amanhecer e ela conseguir pegar um barco para retornar ao continente, mas ela não tinha forças mentais. Quando viu-se na boca do vulcão sem nenhum gigante de fogo por perto, ela só deixou seu corpo cair ali mesmo, deitado no chão. Ela levou o globo a altura de seus olhos com a mão boa e evitou a todo custo olhar para a sua mão queimada. Percebeu que os aros do globo tinham fechos, então, um a um, ela foi abrindo esses fechos. Quando abriu a todos, o globo abriu-se por completo e a chama roxa voou para cima, desaparecendo no horizonte. Lá se foi o Fogo Celestial, esperava Angelina que retornando para o seu lugar, o Monte Olimpo. Depois disso, ela ficou ali deitada, as lágrimas saindo de seus olhos, dessa vez um choro silencioso sem gritos, sequer resmungos. As lágrimas apenas fluíam de seus olhos como se fossem pequenas cachoeiras seguindo o seu fluxo. Se ao menos soubesse que voltaria para a casa e encontraria ele… Ou quem sabe se soubesse que Thora e Gaia acordariam… Ou que Makani, na verdade, não tinha morrido… Qualquer coisa boa… Mas não, ao voltar para a casa, ela voltaria para a mesma solidão. O mesmo abandono. As consequências de sua escolha. A total incompreensão. Nada de bom, tudo de ruim.

Angelina teria ficado por mais tempo ali, se não fosse avistar uma águia vindo ao longe e, prestes a pousar no chão ao lado dela, se transformar em um homem de expressões rígidas, rugas no rosto e cabelos ruivos. O mesmo homem que a fez estar ali, o rei dos deuses, Zeus. Angelina lançou um olhar para ele, mas depois deixou o seu rosto cair no chão, ela não estava com paciência para encará-lo, estava fraca de mente, estava exausta, chega de lidar com seres mitológicos por aquele dia. Observando apenas os pés de Zeus, Angelina percebeu quando ele se agachou. Ouviu-o falar, em seguida. - Você não terá mais com o que se preocupar. - Logo após ouvir isso, ela sentiu o toque de dois dedos na sua testa e, subitamente, ela caiu no sono.

Parte 6: Não Foi Um Pesadelo {Dia 6 - 12:00 - Casa de Makani}

Angelina acordou num sobressalto, sentada na cama e olhando em volta e percebendo que estava em sua casa. Quer dizer, na casa de Makani, mas que agora era sua. Ela estava deitada em cima de sua cama, tudo parecia na mais perfeita ordem. Esse pesadelo foi horrível. Ela pensou, passando uma das mãos nos cabelos e percebendo que a textura do toque estava bem diferente. Angelina, então, olhou para aquela mão e percebeu que ela estava toda enfaixada desde os dedos até o cotovelo. Aquela era a sua mão queimada, a mão direita. Além disso, também tinha uma inscrição nas faixas em grego antigo. Ela demorou uns vinte minutos para conseguir ler a mensagem completamente, ainda estava treinando aquele negócio de sua visão estar mais acostumada a ler o grego do que os algarismos látinos. “Uma dose de ambrosia por semana e em cerca de dois meses você estará curada. Aquelas chamas não eram comuns, teriam-na queimado mesmo na forma fantasmagórica”. Os olhos de Angelina se arregalaram… Aquilo não tinha sido um pesadelo, foi real, tudo foi real. Zeus deveria só ter feito o favor de trazê-la para casa depois dela ter recuperado o Fogo Celestial dele. Ela deixou o seu corpo cair na cama de novo. Não, não queria se levantar no momento, não queria viver, queria descansar, queria… Nunca mais ter que ficar perto de fogo de novo.
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Re: Grécia

Mensagem por Draven Akvhart'oz Qua Jul 12, 2023 12:24 am


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Tempos de calmaria costumavam ser dúbios. A julgar pela sequência de acontecimentos, era complicado ficar relaxado em uma noite na fogueira. No entanto, era ali que estava, no meio de outros campistas que talvez estivessem com essa mesma dificuldade em simplesmente aceitar que era uma noite normal. Ou talvez, quisessem mesmo desfrutar de apenas um momento pra poderem relaxar a mente, e não acabarem enlouquecendo.

De minha parte, não conseguia me deixar levar. Minha mente percorria diversas realidades, o que me fazia estar presente apenas corporalmente ali na fogueira. E foi durante essas divagações que senti uma sensação diferente. Em um primeiro momento achei que era mais uma das viagens da minha mente, porém a brisa pareceu bastante real. Sem contar o cheiro de maresia. Virei meu olhar na direção de onde a brisa passou, e de repente, senti uma estranha vontade de seguir até lá. De alguma forma, parecia que havia algo lá que eu não conhecia ainda, o que me atiçou a curiosidade. E parando pra pensar, eu não estava fazendo nada muito interessante mesmo…

Decidi seguir o caminho sem muita pretensão, mas ainda curioso. E ao chegar perto do pequeno lago, a água se mostrava diferente do seu habitual. Ela brilhava de forma até bem intensa, com uma coloração bem azul. Não era comum, não naquele lago. Pensei que pudesse haver alguma fonte de luz ali por perto que causasse o efeito, mas ao que tudo indicava, era a própria água mesmo que brilhava. Resolvi então me aproximar um pouco mais, tentando enxergar onde era a fonte da luz. Foi quando minha curiosidade pagou seu preço. Senti como se uma corda invisível me puxasse para dentro do lago, e tudo foi tão rápido que eu nem tive muito tempo para prender a respiração.

E diga-se de passagem, eu já estava profissional nessa coisa de ser lançado para dentro d’água.

Antes que pudesse me debater buscando a superfície, senti uma nova espécie de calmaria. Diferente da fogueira. A água parecia ser naturalmente calma e até silenciosa, muito diferente da superfície. Fiquei surpreso até mesmo que eu não precisava de fato ter prendido minha respiração. Ali eu conseguia milagrosamente respirar.

E só então, antes que pudesse me perguntar sobre o que de fato estava acontecendo, foi que a figura do deus dos mares se projetou em minha frente, imponente, segurando seu tridente, enquanto eu fazia essa rima em minha mente. - Ah. - respondi em uma expressão de quem entendeu finalmente o que estava rolando. - E aí. - saudei o deus da maneira mais errada possível, mas se eu já não me prostrava lá na superfície, como é que faria isso ali, embaixo da água? O deus pareceu não se importar, apenas disse meu nome, dando aquela sinalizada de que ele sabia muito bem quem eu era. Depois, disse que Anfitrite havia voltado para ele. Óbvio que ele não demonstrou nada disso, mas eu tive a leve impressão que havia um toque de gratidão em sua voz, o que acabou me pegando de surpresa. Eu esperava dizer alguma coisa em resposta, mas acabei me mantendo em silêncio, até porque o próprio Poseidon cortou o assunto e passou a explicar qual era o problema da vez. Sempre havia algum.

Ele disse que havia sido roubado, e dessa vez era um item pessoal bastante importante não apenas para ele, mas de acordo com suas palavras, para o bom equilíbrio do Oceano, uma vez que continha segredos dos mares. Não vou mentir, com essa propaganda, até eu fiquei interessado no artefato.

O deus me disse que eu teria sua bênção para poder seguir a missão com tranquilidade. Usou as palavras “depois do que fez por mim” o que novamente acabou sendo uma surpresa. Eu jamais esperaria gratidão vinda de um deus, nem mesmo velada em suas palavras. Mas Poseidon sabia as palavras que escolhia. De tal forma que eu não sentia a menor vontade de ser rude com ele, como fiz da outra vez. Antes de me enviar para a missão, disse que eu não devia confiar em ninguém, o que eu achei até meio dramático, mesmo vindo dele. Disse também que o destino do oceano estava em jogo, o que confirmou mais uma vez o drama, mas não disse nada. Como já citado, Poseidon sabia as palavras que escolhia, e talvez ele quisesse mesmo dar uma ênfase maior ao que realmente acontecia pra que eu levasse a sério o que precisava fazer. Por fim, o deus me desejou boa sorte seguido do meu sobrenome, o qual ele pronunciou de forma tão declarada que cheguei a pensar que ele me conhecia mesmo. - Pera aí, por acaso não é você o meu pa… - comecei a dizer, mas fui ejetado do lago, e me vi novamente no acampamento. É. Não seria hoje que eu teria minha resposta. O jeito era seguir com a missão mesmo.

Segui até o chalé para que pudesse me equipar. Minha KéDra (Kérato Drákou) ficava sempre comigo, mas ainda assim, acho que era necessário usar alguma roupa mais adequada. Optei por uma camisa básica mesmo e uma calça um pouco mais justa pra que não dificultasse minha mobilidade na água. Ainda não sabia como eu chegaria até a Grécia, mas se Poseidon havia dito pra não me preocupar com essas coisas, era porque talvez tivesse alguma sorte com o transporte. Depois de vestido e equipado, segui até a praia. Fazer isso à noite tinha suas vantagens, e uma delas era conseguir seguir pra lá sem ser visto. Haviam as rondas e tudo mais, mas com certa paciência e prática você aprende a passar por elas. E caso fosse pego, a maioria dos campistas tinham um preço até bem baixo pra fazer vista grossa. Mas enfim, isso é assunto pra outra história. Nessa, eu agora chegava na praia e não encontrava nenhum transporte preparado por Poseidon ou Tritão dessa vez. Mas tudo bem, seria esperar demais essa facilidade. As canoas ainda estavam ali, e já seriam melhores do que nada. Sem fazer muito luxo, coloquei a canoa na água e passei a remar. Depois do ocorrido no caso de Ceto, remar não se tornou mais um problema. Dei sorte que a noite não era muito escura. A lua e as estrelas iluminavam a água de forma que não era necessário acender nenhuma luz ali. E eu também não pretendia remar até a Grécia, de qualquer forma. Foquei em apenas encontrar um ponto favorável longe da margem a algumas centenas de metros, e quando por fim me dei por satisfeito, soltei os remos. - Bom, lá vamos nós. - disse a mim mesmo antes de mergulhar naquela água gelada.

A surpresa foi que os efeitos de Poseidon me afetaram imediatamente. Além de conseguir respirar ali, vi que tinha pouca dificuldade para enxergar embaixo d’água. Era uma sensação diferente e até encantadora. Mesmo à noite, era possível enxergar a profundidade em uma distância considerável, assim como as criaturas que habitavam ali. Àquela distância da margem, nenhuma muito diferente de peixes e seres comuns.

Submergi um pouco mais e passei a nadar mais perto do solo. Sabia que as criaturas mitológicas habitavam o profundo, e eu só esperava não demorar muito para conseguir encontrar a minha carona. E vi que a sorte estava mesmo do meu lado quando, depois de alguns minutos procurando, a figura de um hipocampo se mostrou graciosamente ali, a alguns metros. Meu primeiro instinto foi nadar em sua direção, mas lembrei que eu conseguia me comunicar com as criaturas ali embaixo. - Ei! - minha voz acabou saindo com certa imprecisão, porque meu corpo lutava para acreditar que aquilo era possível. Meu organismo de defesa me dizia que se tentasse falar submerso, acabaria me afogando. E não foi o que aconteceu. O hipocampo olhou para mim tão surpreso quanto eu. Talvez nem ele tivesse esperando alguém que se comunicasse com ele naquela noite. Pelo menos não um campista. - Eu preciso de uma ajuda. - economizava as palavras porque ainda era incômodo falar dentro da água, ainda mais do que respirar. - Preciso de uma carona para a Ilha de Creta. Você consegue me levar até lá? - tentei ser calmo na voz, mas a verdade é que não sabia bem como devia usar as palavras. Toda essa experiência estava sendo muito estranha. Porém, quanto eu já achava que havia sido estranho o suficiente, a voz do hipocampo em resposta mostrou que eu não vira nada ainda. - É claro! Eu não estava fazendo nada de interessante aqui mesmo. Sobe aí - Suas palavras saíram como se fosse da sua própria mente, afinal, não usava a boca para falar como humanos. De alguma forma, ela se comunicava com palavras audíveis, que saíam de algum lugar. Quanto a mim, simplesmente não podia acreditar que havia sido tão fácil, mas não esperei para confirmar. Me posicionei sobre o lombo do hipocampo em direção à Ilha de Creta. Viagem essa que eu esperava que durasse boas horas.

E para encurtar a história, de fato, levou. Não tanto quanto eu esperava. O trajeto pelo mar provou ser muito mais rápido do que uma viagem comum, e se eu fosse comparar, diria que era quase como voar. O atrito da água não impediu que o hipocampo atingisse uma velocidade muito alta, e volta e meia ele conseguia uma carona nos fluxos de água que vem das placas tectônicas, coisa que facilitou e muito a agilidade da viagem. Nesse tempo, aproveitei o dom que Poseidon temporariamente havia me dado para poder conversar com o hipocampo, o qual eu logo descobri primeiro ser uma fêmea, e se chamar Echonyx. Eu estava encantado por ouvir histórias vindas dela mesma, e o quanto ela podia ser comunicativa. Echonyx me contou diversas histórias sobre o oceano, e o que ali habitava, o que fez com que eu acabasse por muitas vezes esquecendo o que devia fazer, e desejar ficar ali pra sempre. Eu sei que “pra sempre” era um tempo muito longo, mas a calmaria do mar parecia ser muito mais convidativa do que o caos da superfície.

- Bom, aquelas são as Ilhas Jônicas, último arquipélago antes da Grande Grécia. - Echonyx apontou um monte de terra submerso, e fiquei impressionado por esse conhecimento todo. Eu nunca encontraria, afinal, todo o meu conhecimento geográfico era acima do nível do mar. Jamais encontraria uma ilha por baixo d’água. - É só a gente contornar por aqui, e logo chegamos no Mar Egeu, e por fim, seu objetivo. Mas você não me disse ainda o que está procurando por lá. - e era verdade. Desde o início da nossa viagem o máximo que eu abri a boca pra falar foi pra saber mais coisas sobre Echonyx e as maravilhas do oceano. Porém, antes que pudesse contar para ela a minha missão, lembrei das palavras de Poseidon, dizendo que não devia confiar em tudo o que me diziam. Portanto, hesitei um pouco. - Poseidon me pediu para que verificasse uma coisa. - Vi o quanto minha frase acabou ficando vaga, então acrescentei - Um item pessoal dele. - Echonyx ficou em silêncio pela primeira vez, por alguns segundos, antes de me responder calmamente - Entendo. Eu mesma não costumo interferir nos assuntos do meu pai, então confio no que você me diz. - e foi isso. O restante da viagem não houve muito mais conversa, o que me fez pensar que talvez a hipocampo tivesse ficado chateada com o que eu disse. Mas não quis voltar no assunto, de qualquer forma. - Chegamos. Aquela é a Ilha de Creta. - ela me disse por fim, depois de mais algum tempo de viagem. - Obrigado. - respondi a ela. - De verdade, eu não teria conseguido chegar aqui sem você. - disse com sinceridade na voz. Ela pareceu compreender, e fez um gesto com a cabeça que pensei ser um agradecimento, e disse - A gente se vê por aí - apenas. Eu sabia que não era uma verdade, afinal, o oceano era gigantesco, e eu não pertencia a ele, mas ainda assim, assenti com a cabeça, antes de ver Echonyx seguir seu caminho e me deixando ali.

Agora, minha missão era encontrar o tal Olho de Poseidon. Como minhas possibilidades eram próximas ao infinito, eu decidi começar pelo mais óbvio: procurar por alguma pista dentro da caverna onde o olho precisava estar. Logo, comecei a procurar alguma fenda que pudesse ser a caverna que procurava. Interessante que com os olhos humanos talvez demorasse uma vida, mas com a bênção de Poseidon, muitas cores novas ressaltaram em meu espectro, o que era quase um mundo novo esse que eu experienciava. E tampouco foi difícil encontrar a caverna. Não era pomposa como eu já supunha, mas ainda assim não foi muito difícil de encontrar. Talvez fosse mais protegida em tempos comuns, mas como o objeto fora roubado, não havia mais nada para se guardar. Eu só esperava encontrar alguém por ali que soubesse me dar alguma informação. Ou então alguma pista pelo local, mas essa opção seria mais complicada.

Foi quando ouvi uma certa movimentação através da água. Vinha de dentro da caverna, e parecia que não fazia muita questão de ser ouvida. Instintivamente tirei a KéDra do coldre pela primeira vez, pois não sabia o que encontraria ali. Tentei ser o mais silencioso possível, e quando encontrei o autor do barulho, descobri ser, para mais uma surpresa, uma sereia. Não quis dar tempo para que ela me visse e acabasse me hipnotizando, portanto parti pra cima dela com o melhor impulso que consegui. Só que é claro que eu não tinha nenhuma destreza no mar, não como ela. A sereia se virou e ao me ver, ao invés de me atacar também, recuou com um grito de - ESPERA! - antes que eu pudesse investir com a faca pra cima dela. Mais uma vez, a sensação de ouvir a voz de uma sereia que não era através do canto foi estranha o suficiente para me desestabilizar, e vendo isso, a sereia aproveitou - Você está aqui por causa do Olho? Eu também estou, mas estou do seu lado, semideus. - Eu bem sabia que sereias conseguiam ser tão convincentes quanto filhos de Afrodite, mas a forma com que a criatura pronunciou “semideus” sem muita ironia, me fez dar uma chance. - Uma sereia a trabalho para Poseidon? Essa é nova. - Disse a ela, baixando a guarda, mas ainda mantendo minha arma na mão. Não duvidava que se guardasse, ela acabasse pulando pra cima de mim. - Eu também não esperava um semideus que não é filho dele, e olha onde estamos. - ela rebateu, e devo dizer que foi certeira. Fiquei em silêncio. - Bom, era um chute, devo dizer. Havia a chance de eu estar errada, mas nunca vi esse rostinho bonito por aqui, então ou era carne nova, ou era um semideus qualquer. Estou satisfeita em ter acertado de primeira. - a sereia falava enquanto continuava procurando por algo, e de forma rápida. Mas sua voz era cativante, talvez devido à sua natureza. Decidi colocar a minha arma no coldre mais uma vez, mas ainda não estava cem por cento confiante. Mesmo assim, decidi fazer o que me fora solicitado. - Algum progresso na busca? - perguntei, esperando que fosse retórico, mas a sereia respondeu - A julgar pelo estado da caverna, quem entrou aqui sabia bem o que procurava, o que indica que é alguém da região. Meu palpite é que tenha escondido o olho perto daqui. - olhei para ela meio incrédulo. - Tá zoando né? Como alguém pegaria um artefato tão importante e esconderia aqui perto? - me parecia meio irracional. Ela, porém, sorriu pela primeira vez. - Alguém que queira que procuremos longe daqui. - aquela criatura parecia estar mesmo a um passo em minha frente, o que me incomodava um pouco. Ou seria o seu sorriso que me incomodava?

Sacudi a cabeça para não me deixar levar por sentimentos. A sereia ali tinha um caminho, e era melhor do que nada. - Como é seu nome? - me obriguei a perguntar. Ela respondeu um simples - Ariel. - “Nossa, que original.” pensei, mas não disse nada. Vai saber, podia mesmo ser um nome comum ali. - Draven. - respondi, e depois me toquei que ela nem havia perguntado, mas talvez fosse bom ter o mínimo de educação, já que trabalharia com uma sereia. Parando pra pensar, só o fato de trabalhar ao lado de um ser ao qual eu havia matado algumas de sua espécie em uma missão anterior era bem estranho. Mas na cota de estranhezas, essa era apenas mais uma. - Aqui. - Ariel mostrou algum item que havia encontrado. - Essas pedras aqui. Só existem em uma caverna. Eu sei onde o Olho está.

Segui a sereia sem dizer nada, ela parecia confiante o suficiente pra que eu dissesse algo contra, então só me deixei levar. Se ela ia ficar com o mérito no final da missão por encontrar o artefato, pra mim não importava muito. Senti falta de Echonyx pra me ajudar a nadar, mas fazer o que. Era difícil acompanhar Ariel, por motivos óbvios, mas eu dava meu melhor. - Quer uma carona? - ela me disse como se visse minha dificuldade, e por mais que sua voz fosse incrivelmente convidativa, eu me esforcei pra não aceitar. Acho que isso demandou muito mais energia do que eu imaginava, mas não podia me deixar levar por ela.

Depois de alguns minutos que me pareceram horas, chegamos em uma caverna muito discreta submersa entre alguns corais. - Espera. - Ariel para de repente e me impede de seguir também. - Ali, vê as serpentes? - ela aponta com a cabeça mas não era muito difícil ver a quantidade de monstros marinhos. Imediatamente tirei a KéDra do coldre mais uma vez, e Ariel riu. - Tá querendo bancar o herói mesmo, não é? Tenha calma, lindinho. - a maldita conseguia entrar dentro da minha mente com a sua voz. E eu estava me encantando por uma sereia. Se ela não estivesse atrás do Olho, como eu, já teria me devorado, com certeza. E eu não tinha nenhuma cera pra tapar os ouvidos dessa vez. Por sua vez, ela usou seu canto. Não me senti hipnotizado, pelo contrário, era como se o canto fosse um chamado, mas não para mim. E o chamado funcionou. Do nada, ou de algum lugar, um enorme tubarão branco surge e abocanha umas três serpentes de uma vez. - Agora. - Ariel me diz, e eu noto que realmente é o momento oportuno. As serpentes ainda atordoadas pelo ataque nem me viram se aproximar, e consegui atacar duas com certa agilidade, cortando a cabeça da primeira, e atingindo o dorso da outra. Era óbvio que a água me limitava um pouco, mas eu não podia deixar isso ser um empecilho. Ariel me ajudou também, e o tubarão voltou algumas vezes pra atacar novas serpentes. Em menos de cinco minutos todas as serpentes estavam mortas, e devo ser sincero ao dizer que poucas foram por minhas mãos. - Formamos uma bela equipe. - a voz que eu ouvi não era a graciosa de Ariel, mas uma muito mais grave e até um pouco desajeitada. Olhei pros lados tentando entender de onde vinha. - Esse aí é o semideus que Poseidon mandou? - a voz continuou, e quando me dei conta, custei a acreditar que era real o que estava acontecendo. Mas sim, a voz vinha do enorme tubarão branco que ostentava sua cicatriz cortando toda sua boca.

Definitivamente eu estava em um filme da Disney agora.

Ariel viu minha expressão, e limitou-se a rir, antes de dizer com certa firmeza - Vamos logo, temos um artefato para conseguir. - e começou a nadar em direção da entrada. - Espera. Ele vai junto? - não resisti em perguntar. Eu só estava custando a acreditar em tamanha loucura. Até mesmo em um mundo de mitologia que eu vivia. - Algum problema? - os dois perguntaram juntos, o que seria cômico, se não fosse assustador. - Nenhum, eu acho. - respondi de forma meio idiota.

Seguimos adentro da caverna, e o que eu achei que seria simples, mostrou-se mais complexo do que as serpentes. Essa caverna daria inveja à caverna anterior, onde o Olho deveria estar guardado. Para começar que logo no início o local já era escuro o suficiente para dificultar até mesmo minha visão abençoada. - Não toque em nada. - foi o que ouvi da sereia, e mesmo que não tivesse dito, eu mesmo não ousaria. Os breves feixes de luz que passavam pela entrada da caverna e rapidamente iluminavam as saliências na parede denunciavam que era bem fácil perder um braço se fosse desavisado. Isso apenas no começo. Conforme seguíamos adentro, o local se mostrava um verdadeiro labirinto. E não raro, alguns deslizamentos de pedras aconteciam ali, facilmente me matariam rapidamente. Era necessário olhar para todos os lados e forçar a visão. Queria eu ter alguma fonte de luz ali dentro, mas me esforçava o quanto podia. O que me ajudava vez ou outra eram as fontes de lava que ferviam a água, mas ajudavam apenas com a luz mesmo. Porque o calor não compensava, e olha que eu passava longe. Um pouco mais perto, e talvez acabasse derretendo.

Em resumo, o lugar mataria qualquer um que não tivesse a bênção do Deus dos Oceanos.

Foi quando chegamos em uma bifurcação. Dali, era impossível saber qual era o caminho correto. - Acho que vamos ter que nos separar. - mais uma vez, por mais perigosa que a ideia fosse, a voz da sereia parecia fazer tudo ser muito mais convidativo. - Eu posso seguir sozinha, vocês vão por ali. - e apontou o caminho da direita. Eu hesitei. Não confiava no tubarão a ponto de ficar sozinho com ele. - Tem certeza? - tentei dizer, mas ela sorriu mais uma vez. - Está com medo de um tubarão, semideus? Fica tranquilo, eu confio nele com minha própria vida. - e vendo que eu não tinha muita escolha, vi que precisaria seguir. Deixei que ele fosse na frente, porque não era idiota, e seguimos pela abertura. O local era ainda mais escuro que as câmaras anteriores, e eu precisei forçar muito a visão para enxergar alguma coisa. E enxerguei. O tubarão acabou sendo decepado ao meio com uma pedra que parecia estar colocada lá estrategicamente para o primeiro que passasse.

E deuses, nunca agradeci tanto por ter deixado o tubarão seguir na frente.

Em um impulso recuei, na tentativa que outra pedra caísse e dessa vez sobre mim, e ao virar o corpo, apenas vi Ariel lá na entrada da bifurcação ainda. - Bom, eu precisava chutar qual era a entrada correta, não é? Estou satisfeita por ter acertado mais uma vez. Tenha uma boa morte, semideus. - e finalizou deixando alguma coisa na frente da entrada, que tapou a luz por completo. Maldita. Eu lutei tanto para não me deixar levar pelo “canto da sereia” e no fim, caí como um patinho na sua lábia. E agora estava para morrer ali, naquela câmara escura.

Fiz força para tentar desobstruir a passagem, mas sem ter onde firmar o corpo, a força fazia o efeito contrário. Procurei algo para conseguir tatear com os pés, com cuidado para não me cortar. E quando consegui, forcei a obstrução que não era tão pesada assim. Por sorte, sereias não eram os monstros mais fortes do mar. Mas pelo visto, eram os mais ardilosos. Segui pela outra entrada, onde Ariel havia seguido, e ouvi mais algumas pedras rolarem. Parecia que a caverna estava prestes a ruir. Não sei se fora alguma armadilha ativada, ou a própria sereia havia conseguido tirar o Olho de Poseidon ali de dentro que desencadeou um terremoto, mas também não estava com vontade de ficar para tirar a prova. Nadei como um condenado e na primeira fenda de parede que surgiu, eu me coloquei para fora, vendo todos aqueles corais ruindo. Não tive tempo de prestar qualquer tipo de luto, apenas vi, ao longe, um rabo de sereia com algo brilhando. Parti em sua direção mesmo sabendo que não a alcançaria, mas daria um jeito. Nadei com todas as minhas forças até sentir minha mão tocar algo que parecia ser uma crina de cavalo, e antes que me desse conta, já estava no lombo novamente de Echonyx que me carregava magistralmente na direção da Ariel - O que? Como você… - tentei dizer, mas a criatura me interrompeu. - Sem conversa agora. Apenas pegue aquela sereia. - e continuou nadando, aumentando a sua velocidade. Ariel viu que estávamos nos aproximando, e pela primeira vez, senti um leve toque de medo em seu semblante. Mesmo assim, ela nadou o mais rápido que podia, e passou a nadar por entre outros corais, na tentativa de nos dispersar. Porém, no momento que desceu em uma espécie de buraco, eu mesmo pulei de Echonyx, e a segui, completamente tomado pelo ódio, e mais uma vez com a sorte a meu favor, vi a sereia encurralada. Não perdi meu impulso, apenas me choquei contra ela, o que a fez derrubar o Olho de Poseidon, artefato que segurei o mais rápido que pude, mas ainda assim mantive minha KéDra em seu pescoço. - Poseidon me alertou. E eu não dei ouvidos. - falei, com a voz carregada de ódio. Forcei a faca um pouco mais contra o pescoço da sereia. - ESPERA! - mais uma vez ela berrou como haviam sido suas primeiras palavras. - Não quer que eu explique o que aconteceu? Quem roubou o artefato? O que fez eu saber onde ele estava? - mais uma vez ela usou sua voz encantadora. De fato, era curioso como tudo aquilo aconteceu. Talvez eu tivesse alguma resposta para dar a Poseidon, mas… - Não. Eu não quero saber. - foi o que respondi antes de cravar a faca no pescoço da sereia, que deu um novo grito, dessa vez completamente estridente, desafinado e breve, como era para ser. - Ninguém é confiável. Nem mesmo semideuses. - Disse a ela enquanto ainda via o pouco de luz em seus olhos ficarem opacos. O seu sangue se misturou com a água e não manchou minha mão dessa vez, mas senti o cheiro de sua vida se esvaindo, e aquilo era bom. Pela primeira vez nessa noite, fui eu que me senti satisfeito. Terminei o trabalho de tirar sua cabeça do corpo. Eram sempre essas minhas oferendas aos deuses, e não seria diferente com a sereia. Com a cabeça em uma mão e o Olho de Poseidon na outra, encontrei Echonyx mais uma vez. - Eu nunca fui com a cara dela mesmo. - foi o que ouvi quando ela viu a cabeça da sereia em minha mão. Enquanto montava mais uma vez no lombo da hipocampo, perguntei - Você conhecia a Ariel? - mas ao invés de responder com sim ou não ela me devolveu outra pergunta. - Ela disse que seu nome era Ariel? - em um tom que mais parecia um deboche. - Sim, ela disse. - respondi sem entender muito o que ela queria dizer. - E você acreditou? - seu tom agora era definitivamente um deboche. Poderia estar ficando louco, mas ouvi Echonyx rir. - Ah cala a boca. - rebati. Definitivamente, todo mundo tinha o seu dia de ser feito de trouxa, e esse fora o meu. Que quase custou minha vida, mas isso são detalhes. - Ok, e como você me encontrou? - estava curioso de verdade. E ela não fugiria da pergunta. - Digamos que eu seja um tanto curiosa. E uma caverna desmoronando não é algo que a gente vê todo dia né? - e foi a minha vez de rir. Finalmente ri para conseguir extravasar toda a tensão que eu nem me dera conta que havia sido tomado. Não foi uma gargalhada nem nada do tipo, apenas um riso de alívio por estar vivo.

A viagem até a Ilha de Creta foi bem mais rápida, onde eu deixei o Olho de Poseidon no local de onde nunca devia ter saído, bem como a cabeça da sereia Sabe-Se-Lá-Que-Nome-Tinha próximo a ela. Se Poseidon conhecia ela ou não servia para mostrar quem havia roubado o olho, ou pelo menos uma das responsáveis. Talvez, se ele quisesse iniciar uma busca, seria um bom início. Mas de minha parte, não queria saber de mais nada disso. Sabia que no momento que deixei o Olho em seu lugar, Poseidon saberia, e logo mandaria uma guarda mais firme para proteger o artefato. Ou trocaria para um lugar mais seguro.

Por fim, Echonyx me levou mais uma vez até o acampamento. A viagem de volta foi bem mais longa, e eu só não dormi sobre o lombo da hipocampo porque acabaria caindo. Nossa viagem foi regida por uma conversa de qual era de fato meu objetivo, e algumas teorias doidas sobre quem podia mesmo ter roubado o olho. Tudo bem que minha conta de loucuras havia extrapolado todos os limites, mas acho que é isso que consiste uma real aventura. E enfim, depois de algumas horas, Echonyx me deixou na praia mais uma vez. O dia já começava a amanhecer. No momento que tirei o rosto para fora da água senti a bênção de Poseidon ir embora, e respirei o oxigênio real como se fosse o cheiro mais gostoso do mundo. Porém, eu sabia que com isso, outras coisas legais haviam ido embora, como poder me comunicar com Echonyx, por exemplo. Mesmo assim, eu não podia deixar de me despedir. - Já te agradeci uma vez, mas não foi o suficiente. Então, obrigado. Te devo a minha vida. - Quem dera eu pudesse ouvi-la mais uma vez. Se a hipocampo respondeu com palavras, eu jamais saberia. Pisei sobre o chão firme mais uma vez e cambaleei. Quase esqueci de como se andava. - Não ri. - falei para a criatura que com certeza viu a cena ridícula. Ela se virou para sair, mas a impedi. - Ei. - ela se virou para mim - A gente se vê por aí. - e dessa vez fui eu a dizer. Sim, o oceano era gigantesco. Mas por alguém confiável de verdade, a busca valia a pena.


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Re: Grécia

Mensagem por Rhea Pietra Brasov Seg Jul 17, 2023 10:17 pm

Rescuing the muse from the labyrinth
Segurando o mapa que Zeus havia me dado, eu caminhava por entre as esquinas das ruas de Creta. Já haviam se passado pouco mais de algumas horas desde que havia chegado à Grécia. A ideia de que o próprio rei dos deuses havia me requisitado para achar Clio, ainda me passava pela cabeça. Eu não tinha a autoestima tão baixa assim para desconfiar de alguma coisa, eu me sentia muito bem preparada para fazer algum serviço para o grande e poderoso Zeus. Aliás, agora eu tinha mais certeza ainda de que ele enxergava a minha capacidade. Talvez eu pudesse usar isso de artifício para jogar na cara de outras pessoas. Mas bom, o trabalho me confiado era um grande desafio. A musa da história havia sido raptada. Nos traçados do mapa, Grécia era um dos lugares que mais sinalizavam para algum tipo de pista - EI, OLHA POR ONDE ANDA, IMBECIL! – ralhei assim que trombei com alguém. Eu estava na área popular da cidade, onde facilmente encontravam-se grupos de turistas. Eu havia dado de cara com o guia, que por sua vez, apenas me lançou uma cara feia e discreta. Segundos se passaram, mas meus ouvidos captaram o que ele dizia aos estrangeiros. Ao que parecia, estávamos perto do famoso Labirinto de Creta. Eu voltei os olhos ao mapa, verificando algumas áreas demarcadas ao redor do Palácio de Minos. Franzi o cenho à minha súbita cogitação de que Clio poderia estar por aquelas redondezas. Me parecia um tanto previsível, mas nem perdi tempo ao adentrar o final da fila de turistas. Pouquíssimos minutos se passaram, e já estávamos na entrada do grande palácio, contudo, eu deixei de seguir o tumulto para finalmente me dirigir ao jardim aberto do lugar. Ainda haviam alguns transeuntes, mas não existia tanto movimento por ali. O labirinto se encontrava no subsolo daquela arquitetura, mas havia uma entrada por fora e foi dessa forma, sendo guiada pelo mapa, que eu consegui achá-la. Descendo alguns degraus, eu guardei o pergaminho no bolso da calça e retirei o Dákrya Aímatos do suporte das costas. Felizmente, embora eu tivesse percebido o olhar curioso e assustado das pessoas assim que viam a arma presa a mim, nenhum policial ou guarda havia me notado.

À medida que eu descia, mais o campo de luz do dia se afunilava e o escuro se fechava. O labirinto havia se tornado um lugar de atração, mas até por uma pequena placa presa a parede, era possível entender que adentrá-lo não era permitido - O cacete – cuspi as palavras, enquanto flexionava os joelhos para pular. Eu tinha chegado num ponto sem saída, onde o concreto de uma parede bem desagastada se localizava. Parecia uma das extremidades do labirinto, eu só precisava passar para o outro lado. Assim que me impulsionei, consegui me agarrar à parte de cima e fiz força para subir. Era apenas uma pequenina escalada até ser capaz de me infiltrar enfim no labirinto. O silêncio então dominou. Agora, a luz do dia era um pouco mais escassa. Conforme eu caminhava, mais o escuro ia tomando conta. Ao redor do labirinto, ainda havia uma concentração de árvores altas, o que ocasionava esse apagão da claridade. O clima era pesado e pavoroso, como se fosse ocorrer qualquer coisa a qualquer minuto. As paredes ao meu redor eram sujas, mas até que não pareciam tão mal cuidadas assim. Talvez algum funcionário cuidasse dessa parte, o que me intrigava era saber como eles não se perdiam por ali. Fechei os olhos - Merda – silvei. Como eu iria sair daquele lugar? - Merda, merda, merda, merda – com raiva, eu quase soquei uma das paredes, mas inspirei profundamente e tentei manter a calma. Foi nesse momento que o silêncio se quebrou. Um ruído estranhou perfurou meus ouvidos e eu forcei a audição na esperança de algum som a mais. Como se eu mesma tivesse cocriado aquela manifestação, o barulho se repetiu. Era um instrumento... uma trombeta, talvez. Eu continuei o passo, sendo guiada pelo volume até finalmente apressar e começar a correr reto. Eu havia entrada por uma das pontas do labirinto e agora me dirigia até a outra extremidade. Eu sentia que assim que contornasse a entrada no final dela, eu fosse dar de cara com o que seria aquele som. Conforme eu me aproximava, mas ele se tornava mais alto. Porém, nada surgiu. A trombeta seguia ruindo numa sequência com intervalos, mas eu ainda estava sozinha e sem sinal do instrumento. Quando eu menos esperei, o silêncio pairou outra vez - Não – resmunguei. Tombei a cabeça para trás impaciente, avistando o céu ainda bem claro, mas meu nome foi chamado num sussurro e eu me virei em direção a ele rapidamente. Atenta, eu tinha levantado a guarda por completo. Aguardei até que algo a mais acontecesse. Ao meu lado, uma rosa se desabrochava.

Dessa vez, não foi meu nome e sim um pedido de socorro. Era uma voz aguda e tão baixa que eu até demorei para entender que alguém precisava de ajuda. Quando eu abri os lábios para responder, meu nome soou pela segunda vez. Com ele, se deu o som da trombeta - Clio? – era o som do instrumento musical da ninfa, só poderia ser - Onde você...? – olhei de um lado para o outro. Eu ainda continuava sozinha por ali, até algo me surpreender. O som passou a tremer como se algo estivesse se aproximando... algo grande e pesado. Eram passadas de um elefante. Da terceira ponta do labirinto, a metros de distância, surgia um Minotauro. Nos encaramos por milésimos de segundos antes de ele vir com tudo na minha direção. Eu apertei o cabo da minha arma e a girei na minha mão, pronta para me defender. Não era a primeira vez que eu confrontava um monstro obviamente, mas eu não nego que um Minotauro era coisa de outro mundo. Assim que ele se aproximou, eu senti minhas pernas fraquejarem levemente, mas nada era capaz de me fazer ser contaminada pelo medo. Eu esperei o momento certo para passar correndo por entre suas pernas e lançar uma das faces do machado em sua perna. A criatura urrou de dor, mas logo se virou para me encarar. Não se tratava de uma arma qualquer, eu sabia que seu efeito era bem pior do que um machado comum, mas pelo meu inimigo ser um Minotauro, talvez eu fosse precisar de mais intensidade nos golpes. Vi sua mão pesada e bruta se mover, mas desviei, tomando impulso para pular contra a parede ao meu lado. Pela velocidade do movimento, eu fui capaz de me equilibrar assim que o fiz, na esperança de tomar um salto para abatê-lo mais alto. Contudo, ele foi mais ágil e me envolveu assim que eu estava no ar - Você é nojento – ele estava abrindo sua boca de touro, enquanto me levava até ela. Com força, eu gritei, empunhando a arma e enfiando a lâmina do machado em seu rosto. O som que se seguiu foi quase ensurdecedor, no que eu finalmente fui solta. Entretanto, eu me prendi no cabo do Dákrya Aímatos que ainda se mantinha bem firme na entrada da boca larga do monstro. Ele se remexeu e o balanço me fez perder o equilíbrio, caindo rolando no chão.

A voz de Clio se repetiu, mas eu mantive os olhos no Minotauro. Dessa vez, eu estava mais ferrenha e dominada pela raiva. Eu estava frustrada, não apenas pela questão de ter que derrotar a criatura, mas por aquele mistério em relação a musa. Onde exatamente ela estava? - POR QUE NÃO ME AJUDA?! – mas logo eu gritei e corri em direção ao meu inimigo, o ódio beirando meu olhar. Assim que me aproximei dele, eu me joguei no chão, deslizando por suas pernas e firmando o machado com toda força em uma de suas pernas. Sangue jorrou. Quando me virei para vê-lo, estava manco. Meu rosto estava manchado de vermelho, mas eu não me abalei, muito pelo contrário. Com mais determinação, eu aproveitei de seu momento repentinamente vulnerável e arremessei minha arma em sua cintura. Meu berro se misturou com o dele. O monstro caiu, mas fui levada com ele. Eu senti sua força exorbitante ao redor do meu pescoço. Minha respiração se tornou falha, enquanto eu me chacoalhava desesperada. Foi então que eu me vi sendo lançada com toda violência possível. Meu corpo bateu contra uma das paredes do labirinto e eu senti as minhas vértebras. A porrada foi tão grande que eu caí no chão inconsciente. Meus olhos se abriram calmamente e foi aí que eu percebi que tinha desmaiado de fato. Eu mexi a cabeça, sentindo uma dor na parte da nuca, mas a imagem do Minotauro em agonia me lembrou do que eu precisava fazer. Ao que parecia, eu não havia estado desacordada por muito tempo. A voz da musa soou baixo em meu ouvido novamente, mas eu a ignorei, me levantando. Mesmo com dificuldade, consegui ficar de pé e resgatar meu machado no chão. Eu senti um gosto metálico na boca, provavelmente proveniente de uma ferida no meu nariz. Cuspindo sangue, eu balancei a cabeça de um lado para o outro, sentindo meus ossos estalarem com força. A gana me subiu e assim continuava à medida que eu fitava o Minotauro a minha frente. Sem uma perna e com um grande ferimento na coluna, ele soltava fumaça de suas narinas, mas era claro o quão fragilizado estava. O som da trombeta badalou quase como uma trilha sonora para aquele momento. Clio cantarolou meu nome, mas assim como antes, ela não continuava. Não havia nada mais a ser dito. Será que ela estava sendo impedida? Como eu conseguia ouvi-la? Diferente de deuses, eu não a escutava dentro da minha mente. Eu, literalmente, estava ouvindo-a. Era como se a musa estivesse ali, mas não naquele plano.

Com voracidade, comecei um caminhar lento e pesado na direção do monstro. As veias da minha mão estavam saltando conforme eu apertava o cabo do machado. Ele rosnou assim que eu cheguei perto, mas não foi capaz de me conter. Eu estava dominada, incondicionalmente enfurecida e sem sentimentos. Como filha de Ares, com o passar dos anos, eu passei a entender como eu funcionava. Sempre tinha tido um gênio forte e complicado, mas eu também era humana e tinha meus momentos de sensibilidade. Porém, quando eu era tomada pela ira, dificilmente eu sentia coisa diferente. Era como se apenas aquele sentimento fosse capaz de cegar e abater os outros. Eu tinha sangue nos olhos. Avistei o Minotauro avançar, praticamente jogando seu corpo gigantesco em cima do meu. Num ataque irracional, eu fui levada pela minha natureza selvagem e estiquei a arma para cortar o pescoço da criatura. Eu senti o chão tremer com o peso da queda de seu corpo. Sua cabeça voou, ensanguentando quase todo aquele ambiente. Eu me encharquei com aquilo, sentindo pingos rolarem da ponta dos meus cabelos até meu colo. Com a respiração ofegante, eu me mantive quieta pelo máximo de tempo, tomando consciência e acalmando os nervos. A voz de Clio me perturbou outra vez e eu gritei, me virando inconscientemente para reclamar - CALA A BOCA! – mas agora eu a via. Ela estava ali a minha frente, seu olhar num misto de serenidade e medo. No entanto, ela me agradecia. Antes de eu responder, fui interrompida com uma explicação. A musa realmente estava em outro plano. Sua mãe Mnemósine, em busca de aprimorar seus poderes usando a energia de sua filha, a prendeu naquele labirinto, porém numa dimensão paralela. O Minotauro estava ali como um grande e tenebroso obstáculo, mas que assim que foi morto, fez quebrar o encanto. Minha respiração estava voltando ao normal, enquanto eu teimava em encará-la como se estivesse numa espécie de transe. Eu gostaria muito de saber o que Zeus faria assim que descobrisse que Mnemósine tinha raptado a própria filha - Eu não tenho tempo para isso – tomei a mão da musa e a puxei para que corrêssemos até a extremidade pela qual eu havia conseguido entrar.

No meio do caminho, ela confessava seus medos de nunca conseguir ser salva ou como ninguém imaginava do que sua mãe era realmente capaz - Você vai precisar pular, ninfa – assim que chegamos no ponto crucial, um clarão se fez. O escuro das árvores já não alcançava aquela ponta do labirinto. Guardando meu machado nas costas, eu fiz menção de pular para conseguir me pendurar e passar para o outro lado. Contudo, um pigarro de Clio me fez hesitar - Não é tão alto, acha que consegue? – avaliando como faria aquilo, ela se pôs ao meu lado e fez sua primeira tentativa. Com suas mãos alcançando o topo da parede, eu a ajudei a se reerguer e finalmente ela pulou para o outro lado. Eu também não demorei muito para segui-la e assim que nos vimos do lado de fora do labirinto, corremos. Agora era hora de levá-la para o Olimpo. Atravessamos o mar de gente perto da entrada do palácio, chamando atenção. Eu a segurava pelo pulso, para que nos adiantássemos, mas um chiado esganiçado nos fez cessar os passos. Algo voava no céu, atraindo olhares de toda a população na cidade. Clio rapidamente sinalizou ser uma Harpia - Merda – a puxei outra vez pelo pulso, mas a soltei para retirar o machado outra vez das minhas costas. Eu não sabia o que fazer, não poderia simplesmente arremessá-lo enquanto haviam mortais por ali. A criatura começou a nos seguir, mas ainda se mantinha no alto. Uma calamidade poderia acontecer e eu era a única que teria chance de evitá-la. Desacelerando o passo, eu me virei para encontrar a criatura mais uma vez. Suas asas enormes provocavam arrepio nos cidadãos que, assim que notaram do que se tratava, começaram a correr e se dispersar em pavor. Eu avistei seus olhos rumarem de mim até Clio e, sem demora, ela voou de encontro a musa - SAI, SAI, SAI! – gritei para um casal de mortais que ainda se encontrava sentado na mesa do lado de fora de uma cafeteria. Assim que os espantei, eu subi nas cadeiras, rodando a arma em minhas mãos e mirando o ponto em que a acertaria - FOGE! – a Harpia estava bem mais próxima, no que foi a minha deixa para alertar Clio.

Quando a musa adentrou o estabelecimento, era um pouco tarde para a meia ave de rapina se esquivar. Eu a notei pender para trás, como se estivesse freando o vôo, mas a lerdeza do movimento me permitiu atingi-la em cheio. Eu lancei a arma em sua direção, rasgando parte de uma de suas asas. O berro agudo ecoou e eu corri para pular em cima dela, porém, dessa vez, era tarde demais. Eu me vi caindo por sobre o restante de mesas e quebrando alguns pés de cadeiras. Àquela altura, a criatura já havia conseguindo alçar vôo, mas não para me atacar logo mais. Eu resgatei meu machado e me levantei, notando que a Harpia estava tendo dificuldades para se manter estável. Meu ataque havia a ferido, impedindo-a de voar cem por cento. Talvez tivesse sido por isso que abandonou o plano de me atingir e saiu dali apressada e com raiva. Recuperando o fôlego, agora era hora de ouvir a população ainda temerosa. Meu ombro estava dolorido, eu tinha sangue por todo meu corpo e partes das minhas roupas estavam rasgadas. Virando o rosto, eu encontrei a musa saindo com cautela do estabelecimento - Anda – a tomei pelo pulso e nós duas corremos para fora dali. Agora era só questão de tempo para sair de Creta e ir para o Olimpo.
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Re: Grécia

Mensagem por Mary Betsy Ross Qui Ago 31, 2023 10:27 pm

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PS07/1
Parte 1: Sonhando Com Ela {Dia 1 - 06:05 - Dentro de um sonho}

Às vezes, Mary tinha aqueles sonhos… Onde o mundo era feito de água. Tudo era normal, existiam casas de tijolos, pessoas andavam, mas em vez de ar ao redor, era água. Se você me perguntar o porquê, não vou saber te responder. Os sonhos são assim, nem sempre eles têm sentido. Naquele sonho em questão, Mary estava explorando o Acampamento Meio-Sangue submerso. A maioria dos campistas andavam normalmente, mas alguns nadavam um pouco mais acima. Vantagens de um mundo de água ao invés de ar: a gravidade não é tão atuante, “voar” se torna algo que qualquer um pode fazer. A filha de Hermes estava andando, tinha acabado de sair de seu chalé e se dava de cara com a fogueira. Isso mesmo, fogo acendendo dentro da água! Poucos metros a frente, ela viu o único rosto que realmente prestou atenção naquele sonho. Você sabe como são os sonhos, como os “figurantes” sequer possuem rostos que lembramos. Porém, quando uma pessoa especial está nos nossos sonhos, nós sabemos quem é ela, nós podemos emular o seu rosto. Ali, um pouco a frente, também tendo acabado de sair de seu chalé, estava Evanora. Em seus sonhos, Mary nunca precisava reprimir sentimentos ou agir conforme a sociedade, então suas bochechas ficaram coradas. Como de costume… Elas ainda não tinham conversado sobre a missão anterior. Elas nunca conversavam sobre as coisas que aconteciam entre elas, um péssimo hábito. O breve beijo depois da saga do Coração do Oceano pareceu tornar-se uma muralha entre as duas, impedindo que conversassem, que convivessem. Porém, isso não é verdade nos sonhos! Nos sonhos, Mary não tinha problemas em conversar com Evanora. Não existiam esses problemas, sequer existia problema em ficar envergonhada e deixar isso evidente. - Eva! - Mary chamou-a alegremente, acenando com a mão e indo em sua direção. Andar num mundo de água é ótimo, o corpo é tão mais leve! Nos sonhos comuns de Mary, Evanora conversa com ela de volta. Dessa vez, porém, Evanora não disse nada… E foi a partir daí que Mary começou a notar os sinais de que aquele não era um sonho qualquer. Como se sua mente tivesse sido puxada fora de um mundo de fantasia, ela olhou com mais atenção para os “campistas figurantes”, percebendo que eles estavam segurando objetos muito peculiares. Uma campista usava o Coração do Oceano junto ao pescoço, outro passou andando segurando o machado de Crusto, um terceiro praticava tiros com o arpão de Theodore, arpão este que Mary tinha espatifado no pedregulho do fundo do mar de Atlântida. - Não estamos em um sonho comum. - Mary murmurou para Evanora… E foi neste momento em que, do nada, apareceu um semideus de roupas antiquadas derrotando o minotauro.

As coisas estavam confusas para Mary, mas ficaram um pouco mais claras quando uma voz familiar soou atrás dela. A garota virou-se, junto de sua companheira de sonho, e ali as semideusas encararam Poseidon. O deus dos mares simplesmente disse que precisava dos restos mortais da criatura. - Lá vem. - Ela sussurrou para Evanora, não querendo ser tão desrespeitosa com o deus. Veja bem, não que Mary realmente respeita os deuses, mas ela tenta não dar motivos para eles quererem a transformar em pó num estalar de dedos. Só pela fala inicial de Poseidon e pelo sonho esquisito, estava óbvio que o deus queria os serviços das duas semideusas juntas novamente. Aquilo era o princípio de mais uma missão. Como toda missão, Mary deveria não estar feliz por ela, porém, ao contrário do comum, ela ficou contente. Na última missão que teve com Evanora, aconteceu um beijo. O que aconteceria nessa? Fora que uma missão era ótimo para finalmente quebrar o novo gelo entre elas. Resgatar os restos mortais do minotauro não parecia um preço alto a se pagar por isso. Poseidon informou que detestava ser enganado, algo que Mary não entendeu bulhufas. Suas aulas de grego antigo estavam deixando a desejar. Segundo Poseidon, os restos mortais do minotauro nunca tinham sido encontrados, ainda estavam no labirinto, este que continha grandes poderes mágicos, bem como os próprios ossos do monstro. Espólios nunca recolhidos… Mary pensou. Basicamente, o que as garotas tinham que fazer era ir até o labirinto, no caso, o labirinto original em Creta, achar os restos mortais do minotauro e os levar até Poseidon. Parecia fácil, mas Mary tinha certeza absoluta que não seria exatamente assim. Nunca é assim, nunca é fácil. Mary cruzou os braços e ouviu Poseidon falar que conhecia as duas. Aquelas palavras não faziam muita diferença para Mary, mas logo depois de ouví-las, foi como se a garota piscasse os olhos e tudo mudasse. O mundo de água se tornou um mundo de ar. A área de fora do acampamento se transformou no lotado chalé de Hermes. Mary havia acordado.

O que fez Mary levantar e sair na mesma hora? Ela não sabia, apenas o fez, como se estivesse sendo carregada por uma forte intuição. O sol estava raiando no céu, era de manhã cedo. Seus meio-irmãos e campistas não reclamados estavam dormindo, mas ela não se importou muito em atrapalhar o sono de alguns para chegar até as portas do chalé e sair dele. Como se estivesse num déjà vu de seu sonho, Mary viu Evanora na frente do chalé de Hades. Aquela era a sua forte intuição, de alguma forma ela sabia que Evanora também não ficaria simplesmente deitada na cama depois daquele sonho, depois de saber daquela missão, de saber que as duas estariam juntas novamente para uma nova aventura. Missões são perigosas, difíceis, às vezes traumáticas, gerando novos medos… Mas Mary ainda não conseguia lamentar em ter aquela. Diferente do sonho, no mundo real Mary precisa manter suas máscaras sociais, mesmo com as pessoas mais próximas. Ela não foi até Evanora com acenos e animação, mas andou na direção dela lentamente. Uma estranheza a acometia ao fazer isso, as duas finalmente iriam conversar de novo, conviver de novo… Obrigadas pelos deuses de novo. Aquilo estava se tornando um padrão. Ao colocar-se frente a frente com Evanora, Mary não a cumprimentou… Preferiu dizer algo sobre a missão. - Que bom que hoje em dia existem aviões… Eu detestaria ter que ir até Creta de navio. - Um avião é perigoso para semideus no quesito: Zeus pode fazer ele cair. Ainda assim, você evita muitos monstros pelo caminho!

Parte 2: A História do Minotauro {Dia 2 - 09:21 - No avião a caminho de Creta}

A viagem de avião não estava sendo nada pacífica… Mas também não tinha como esperar que ela fosse diferente disso. As passagens, obviamente, tinham sido pagas pelo acampamento. Não houveram problemas na hora do detector de metais ou raio-x, a Névoa distorcia as armas de Bronze Celestial para alguma outra coisa que os mortais acreditavam não serem perigosas. O problema só estava sendo na viagem mesmo. “Só”. Durante todo o caminho, turbulências e mais turbulências aconteciam. Mary tinha perdido as contas de quantas vezes o piloto mandou a mensagem de “senhores passageiros, afivelem os cintos, estamos passando por uma zona de turbulência”. Apesar da viagem “com emoção”, a filha de Hermes não estava com medo. No fim das contas, viagens estão no seu sangue. O mesmo, no entanto, não podia-se dizer de Evanora, que estava visivelmente incomodada com aquilo. - Se o avião cair, eu saio voando com você. - Ela disse de forma descontraída, apontando para a mochila que estava no chão, entre suas pernas e um pouco abaixo do banco da frente. Naquela mochila estavam todas as suas provisões para a missão e também a arma que tinha escolhido para a viagem. Trouxe sua besta, Agapiménos, ao qual, se colocada nas costas, fazia o portador ter asas douradas. Evanora já tinha visto Mary usar o item dessa forma. Com um ar um pouco rabugento, como era de seu costume, Evanora respondeu que Mary precisava se preocupar um pouco mais com sua própria sobrevivência do que com a dela, considerando que as duas deveriam ter comprado passagens separadas, já que viajar com um filho de Hades é sempre um risco. É por isso que elas já sabiam que a viagem iria ser turbulenta, Zeus não gosta de filhos do submundo em seus domínios. Por fim, Evanora completou que não era para Mary estar correndo aquele risco. Aquilo surpreendeu Mary de uma forma que ela não conseguiu evitar de fazer uma piada que possuía um fundo de verdade. - Minha nossa. Evanora Volkova tem um coração! - Mary deu uma risadinha. - Você está sonhando se pensa que eu deixaria você fazer a viagem sozinha. - E isso não era somente para uma viagem de avião, valeria para qualquer viagem. Todas as viagens são perigosas para semideuses, os perigos apenas mudam dependendo do meio de transporte que você escolhe. Evanora era a única pessoa do acampamento que Mary teve algum contato a mais… Nossa, teve até um beijo! Não, deixá-la fazer uma viagem sozinha sabendo dessa jornada e fazendo parte dela não era uma opção.

Mary esperou uma resposta rápida de Evanora, mas outra vez foi surpreendida pelas feições pensativas da filha de Hades. Mary não sabia o que ela estava pensando, mas concluiu que deveriam ser alguns de seus segredos, pois logo depois Evanora quis afirmou que não tinha um coração, que nunca soubera o que é ter um. Se Mary visse tudo o que tinha ali dentro, com certeza iria se assustar. Muitos poderiam de fato ficarem assustados com uma conversa tão mórbida e tensa, mas o contrário acontecia com Mary, ela ficava intrigada ao invés de assustada. - Talvez eu queira me assustar. - A filha de Hermes falou olhando fixamente para a sua companheira de missão, logo depois dela ter feito uma breve provocação usando o apelido que Mary ainda não sabia o que significava. Isso em breve mudaria… Mary ainda só não tinha tido tempo para verificar, mas ela já tinha os meios. Enfim, após o seu claro flerte com a outra, Mary decidiu cortar aquela conversa propositalmente. Ela não daria todo o flerte que poderia oferecer em apenas um momento, não mesmo, Mary iria fazer Evanora querer mais. - Como vamos encontrar um labirinto numa ilha inteira? Creta é bem grandinha. - Como se não quisesse parar de surpreender Mary, Evanora falou que tinha uma ideia sobre isso. A filha de Hermes não pode conter seu olhar arregalado. - Sou toda ouvidos. - Ela apoiou a cabeça sobre uma das mãos, cujo braço estava escorado no encosto de seu banco, e tornou a ouvir. Evanora contou sobre o mito do minotauro. Começava com três príncipes disputando o trono de Creta após a morte do pai deles, Minos, Radamanto e Sarpedão. Minos conseguiu o trono depois de fazer uma promessa a Poseidon, em troca do trono ele deveria sacrificar um touro especial dado pelo próprio deus dos mares a ele. Obviamente, o sacrifício deveria ser feito em honra a Poseidon. - Preço baixo a se pagar por um trono. - Mary comentou rapidamente, não querendo atrapalhar a história. Minos, porém, não honrou o combinado com Poseidon e se tornou muito vaidoso. Além de guardar o touro para si, também perseguiu seus irmãos e os expulsou de Creta. Poseidon ficou furioso e pediu para Afrodite lançar uma maldição contra a esposa de Minos, Pasífae. A deusa concordou porque Pasífae com frequência dizia ser mais bonita do que ela. A maldição foi Pasífae se apaixonar pelo touro. Ela, então, pediu para Dédalo e Ícaro, artesãos exemplares, para construírem a ela uma vaca de madeira que ela pudesse entrar dentro e enganar também o touro de Poseidon. Assim, ela conseguiu satisfazer a sua luxúria com o touro e disso ela acabou dando luz ao minotauro. - Nojento. - Disse Mary com cara realmente enojada. É incrível como os mitos gregos possuem de tudo um pouco, vejam só um pouco de necrofilia nessa história!

Nos primeiros anos de vida de Astério (o nome que Pasífae deu ao minotauro), ela até conseguiu cuidar dele, mas quanto mais ele crescia, mais agressivo e cedendo por comer seres humanos ele ficava. Sem muitas alternativas, Minos chamou Dédalo e Ícaro para construir o labirinto abaixo de seu palácio, onde o minotauro ficaria preso. O olhar de Mary cresceu um pouco ao ouvir sobre o labirinto. Até então, não tinha parado para pensar que iria até ele… E labirintos sempre soaram interessantes para ela. São espaços fechados, com poucos caminhos para se decidir quando você se encontra numa encruzilhada. Eles podem até ser desafiadores e deixar uma pessoa maluca por não conseguir encontrar a saída, mesmo assim, não a despertava qualquer sentimento de repulsa, pelo contrário, ela ficava interessada. Agora, voltando a história, no meio da construção desse labirinto, Minos também tratava uma guerra com Atenas depois dos atenienses terem matado um de seus filhos. Creta conseguiu derrotar Atenas e como indenização, os atenienses deveriam mandar ao castelo de Minos sete moças e sete rapidez, como se estivesse pagando uma indenização ao rei todos os anos. Essas sete moças e sete rapazes eram colocados no labirinto, servindo de alimento e divertimento para o minotauro. Depois disso, tem a história de Teseu matando a criatura, mas Evanora não quis contar essa parte, porque ela já tinha contado tudo o que as duas precisavam saber. Mary pensou sobre isso e não demorou a perceber o que ela quis dizer. - Então a localização original do labirinto não é um segredo, é conhecida. É o palácio do Rei Minos. - Evanora confirmou e também informou que o palácio do Rei Minos era chamado de Palácio de Cnossos, local existente até hoje, se tratando de um dos maiores sítios arqueológicos existentes na ilha de Creta, inclusive aberto para visitação. Elas, basicamente, iriam turistar. - Quem diria que seria tão fácil. Depois de Atlântida, isso foi fichinha. - Não precisar capturar um velho deus e pegar carona com uma baleia de vez em quando é bom.

Parte 3: A Entrada do Labirinto {Dia 3 - 10:30 - Palácio de Cnossos}

Até então, Mary Betsy nunca tinha tido uma missão tão tranquila e, posso dizer, até proveitosa. Tudo bem, teve uma viagem de avião turbulenta e dormir no aeroporto também não é a coisa mais divertida do mundo, mas o terceiro dia delas naquela missão estava sendo bem interessante. No dia anterior, as duas chegaram ao aeroporto da cidade de Heraclião, a capital de Creta, no período da noite. Seria loucura tentar achar o labirinto de noite, então elas decidiram que passariam aquela noite no aeroporto, ninguém as incomodaria por lá, mesmo que fossem duas adolescentes sozinhas. A noite no aeroporto, no entanto, não foi desperdiçada. Elas foram em alguns terminais de turistas e conversaram com os atendentes (no caso, Mary conversou, já que Evanora não gosta muito de socializar), elas ganharam vários panfletos turísticos, mapas e informações interessantes sobre Cnossos, berço da Civilização Minoica (sim, o nome foi dado graças ao rei Minos, o cara realmente entrou para a história além de ser uma figura mitológica). No dia seguinte, no caso, o dia atual, de manhã elas já saíram do aeroporto e foram até Cnossos, que de forma muito conveniente fica perto de Heraclião, praticamente nas extremidades da cidade. Quando é que se tem uma sorte dessas? É muito raro. Uma vez no sítio arqueológico de Cnossos, Mary ficou verdadeiramente interessada em ver cada coisa. Algumas partes do palácio estavam bem conservadas, com alguns desenhos ou cores nas colunas. Para ela, também era um trunfo conhecer lugares novos, ver coisas diferentes. Era uma aventura… E aquela estava sendo uma aventura que ela estava desfrutando, pois até então, nenhum monstro apareceu para as atrapalhar. Era quase como se Mary e Evanora estivessem tendo um passeio comum, podiam observar as coisas em paz até porque, se quisessem encontrar a entrada do labirinto, teriam de observar tudo mesmo. Foi assim que os minutos se passaram em um passeio agradável pela manhã até que as duas encontrassem algo que parecia um forte indício. Entre as ruínas de um conjunto de colunas, duas delas, uma ao lado da outra, tinham gravuras de um pequenino labirinto entalhadas na pedra. A princípio, só pareciam duas colunas quaisquer que davam para um novo corredor do palácio, mas as garotas insistiram naquilo e descobriram que aquilo era um truque de Névoa. As colunas bagunçavam a percepção de espaço dos que as atravessavam, as pessoas acreditavam que estavam entrando em um corredor em frente a elas, mas na verdade tinham andado também vários passos para o lado, desviando do que a Névoa escondia: escadas que desciam chão adentro. Não é fácil enxergar através da Névoa, até semideuses podem ser confundidos, mas uma vez que o truque é percebido, mesmo que por uma pequena fração de segundos, ele perde a sua magia. O que antes estava confundindo Mary e Evanora agora era claro como a água, as escadas estavam ali e era estranho pensar que todos os visitantes mortais desviavam dela como sequer existisse. O mais estranho era pensar que elas também desviaram da escada algumas vezes, mas insistiram até quebrar o efeito da magia, porque sentiam que tinha algo de diferente ali. - Pasífae deve ter sido uma feiticeira poderosa… Imagino que ela tenha feito esse feitiço… E perdura até hoje. - Mary comentou, olhando para as escadas, agora muito aparentes aos seus olhos. Durante as horas no aeroporto, Evanora contou um pouco mais de mitologia para Mary. Pasífae não era só a esposa de Minos, era também uma grande feiticeira, irmã da conhecida Circe. Mary estava descobrindo que gostava de escutar Evanora falando sobre mitologia, bem melhor do que qualquer aula de grego antigo. Ela pediria algumas aulas particulares quando retornassem ao acampamento.

Mary e Evanora desceram as escadas calmamente. Nenhum mortal pareceu se incomodar com duas garotas “entrando na terra”. A Névoa deveria estar disfarçando o sumiço delas também. À medida que desciam, cada vez menos luz entrava naquela passagem subterrânea, o que obrigou Mary a puxar sua mochila e tirar dali de dentro uma lanterna. Ela aproveitou também para pegar a sua besta e prendê-la no cinto que usava ao redor da cintura. - Filhos de Hermes estão sempre preparados! Ela é a prova de água! - A lâmina de Evanora já era um bom iluminador, todo Bronze Celestial brilha, ainda assim, uma lanterna dá um foco de luz maior a longa distância. As garotas continuaram a descer as escadas até se encontrarem num longo corredor. O chão era revestido por pedras lapidadas, bem como as paredes e também o teto. As pedras já estavam bem gastas pelo tempo. Um quadrado perfeito em forma de corredor, Mary diria. O espaço fechado não a incomodou em nada, pelo contrário, ajudou em seu foco. Compenetrada, ela seguiu em frente, andando com Evanora vários metros até chegarem numa bifurcação. A escolha de por onde seguir foi feita de forma arbitrária, infelizmente não tinha uma forma concreta delas encontrarem os restos mortais do minotauro se não procurando da forma mais banal possível. Se ao menos tivesse uma forma de localizar espólios de monstros! Nos primeiros minutos que as garotas andaram pelo labirinto, já nem sabendo mais por onde entraram, o labirinto pareceu normal. As paredes continuavam sendo apenas pedras polidas e às vezes elas encontravam bifurcações ou encruzilhadas, até mesmo alguns caminhos sem saída, que as obrigavam a retornar de onde vieram e pegar um novo caminho. Porém, as coisas começaram a mudar quando, ao invés de encontrarem uma bifurcação, elas encontraram um buraco quadrado no chão. Junto às paredes de pedra que faziam a descida, estava uma escada rústica, mas ainda funcional. - Me parece promissor! - Mary falou com falso entusiasmo. Era algo diferente, ao menos. Mary apoiou a lanterna na boca e desceu primeiro. Evanora veio logo atrás. O que as duas encontraram ali? Bom, mais corredores e, agora, mais fossos e também tinham escadas e corredores que subiam. O labirinto não era mais horizontal, ele também tinha se tornado vertical, aumentando a sua complexidade, seus caminhos possíveis, dando um verdadeiro nó na cabeça de qualquer um. Mary nem conseguia conceber como foi a construção daquele lugar… Com certeza teve que ter magia envolvida. Com certeza Pasífae ajudou, não podia ser apenas uma obra do rei Minos. Sem grandes alternativas do que fazer, as duas continuaram a caminhar pelo labirinto. Com o tempo, aquilo tornou-se tedioso e Mary sentiu vontade de conversar. - Então… Vamos conversar sobre aquilo que você me prometeu falar dias atrás. - Muitos dias atrás. O combinado era que as duas falariam no dia seguinte após a missão do Tesouro do Oceano. Essa conversa nunca aconteceu. - Devo eu te capturar, te amarrar e começar a fazer ameaças pela sua transgressão? - Mary falou levantando uma sobrancelha, olhando fixamente para Evanora por alguns segundos antes de voltar a seguir em frente. Foi exatamente aquilo que Evanora tinha feito com Mary depois de ver a filha de Hermes xeretando as coisas dela. Pois é, antes que você julgue Mary, ela estava apenas devolvendo ao favor. Ela, no entanto, não conseguiu dar um passo, por foi segurava por Evanora por um de seus pulsos. Um sorriso faceiro brotou em seus lábios. De alguma forma, Mary conseguiu atingir a outra o suficiente para ela tomar aquele tipo de atitude, era o que Mary gostava de fazer, causar somente com suas palavras.

Evanora puxou Mary para perto e falou, em desafio, que a filha de Hermes tentasse, complementou também com uma voz um pouco ameaçadora que seria divertido assisti-la tentar. De forma rápida, enquanto Mary imaginava planos para possivelmente capturar Evanora, a filha de Hades pegou o seu outro pulso e segurou ambos atrás das costas de Mary. Era como se Evanora estivesse a englobando, a prendendo em um abraço que não era terno, era provocador e perigoso. Seus corpos ficaram próximos e seus rostos também, as duas se encaravam quase como se estivesse desafiando uma à outra. Atenta, Mary ouviu Evanora dizer que quem gostava de ser amarrada era a própria Mary, ela não deveria se enganar sobre isso. Soltando-a e se afastando, Evanora acrescentou que ainda não sabia o porquê de Mary ter invadido o seu quarto antes. Por mais que Mary gostasse muito de rebater frases com outras palavras ainda mais afiadas, ela não pode negar que aquele argumento foi muito bom. Pelo visto, Mary também estava tendo alguns problemas de comunicação. Que foi? Ela é filha do deus da comunicação, não da deusa do amor! Comunicação com um possível crush é diferente! De toda forma, Mary estava muitíssimo inclinada a aceitar o desafio e certamente gastaria tempo futuro pensando em formas de capturar Evanora, mas é claro que ela não confirmou nada para a outra, queria ter o fator surpresa ao seu favor. Quando Evanora menos esperasse, seria o momento em que Mary iria agir. Sendo assim, ela nada respondeu e Evanora logo tornou a falar novamente. Ela fez uma provocação, dizendo que Mary deveria tê-la feito jurar pelo Rio Estige, assim seria obrigada a cumprir a promessa de conversar sobre o assunto. Mary soltou uma curta risada e balançou a cabeça negativamente, considerando já ter pensado neste tipo de argumento antes. Ela está andando tanto comigo que está aprendendo a rebater falas muito bem para uma garota que não gosta de se comunicar. Mary pensou de forma bem humorada. Porém, surpreendendo a filha de Hermes (sinceramente, Evanora realmente não parava de surpreender), ela começou a falar sobre não saber o que dizer, sobre como aquilo não era fácil para ela, comunicação não era um de seus fortes. Mary olhou para Evanora de uma forma profunda, mas breve, não queria encarar por muito tempo. Ela nunca tinha sentido Evanora tão sincera e aberta antes como naquele momento. Era como se finalmente Mary estivesse conseguindo abrir uma fresta naquela armadura que a filha de Hades usava. Era um feito, um evento. - A comunicação não é só feita de saber o que dizer… Às vezes, o não saber diz muito mais. - Sim, naquela pequena confissão de Evanora sobre não saber o que dizer, Mary viu muita coisa que antes nunca tinha visto. Ela sentiu que era importante para Evanora de alguma forma mais profunda, porque a outra quis se abrir, mesmo que minimamente. Aquilo valia mais do que muitas palavras, era mais esclarecedor do que um texto inteiro. Evanora, porém, não pareceu acreditar muito nisso, perguntou se Mary ficaria satisfeita caso as duas se sentassem em algum canto do Acampamento Meio-Sangue e não dissessem uma só palavra uma para a outra. - Se você for tão sincera e genuína quanto foi ao dizer que não sabia o que falar, então sim. - Mary respondeu com sinceridade. - Poderíamos até repetir o que você tanto não consegue falar sobre… Beijar não requer uma única palavra. - Mary piscou na direção de Evanora. Não se engane, por dentro o coração de Mary estava batendo acelerado de falar sobre aquilo, de fazer um flerte como aquele, tão objetivo. Ainda assim, ela sabia disfarçar bem quando o assunto era jogo de palavras… E sentiu-se bastante satisfeita ao perceber que Evanora não conseguiu respondê-la. Ela ficou sem palavras.

Parte 4: Proximidade {Dia 3 - XX:XX (Tarde) - Labirinto do minotauro}

Seria interessante desfrutar do silêncio triunfante, mas Mary teve que quebrá-lo alguns segundos depois. - Isso aqui é novo. - Ela falou assim que entrou num lugar completamente diferente do que tinha visto no labirinto até então. Parecia que quanto mais elas andavam ali, mais complexo o labirinto ficava, agora estava até mudando seu aspecto! O local onde Mary entrou era como se fosse um novo cômodo, as paredes não eram mais revestidas de pedra polida, mas sim de algum material que a deixava bem lisa. Duas dessas paredes, opostas uma à outra, eram gravadas com inúmeros símbolos entalhados, todos muito variados e tão perto uns dos outros que quase invadiam o traço do “coleguinha”. Tinha representação de tudo por ali: animais, objetos, partes do corpo humano, monstros, símbolos de deuses, árvores. Eram tantos os desenhos que eles sequer pareciam ter relações uns com os outros. Mary não conseguia pensar em nenhum motivo para existirem duas paredes opostas numa sala como aquelas. Enquanto analisava os desenhos, Mary foi surpreendida por um forte barulho de pedra contra pedra. Ela rapidamente olhou para a direção do barulho e percebeu que a passagem pela qual elas tinham entrado foi completamente selada por uma grande porta de pedra lisa. Assim que a porta selou, outro tipo de barulho começou a ser ouvido, como o soar de muitas engrenagens pesadas. As paredes cheias de desenhos, segundos depois, começaram a se mover lentamente, se aproximando uma da outra, diminuindo o espaço daquela sala gradativamente. Aquele cômodo era uma armadilha. - Tudo bem, pelo visto o minotauro não era a única coisa mortal desse lugar. - Mary falou numa calma espantosa. Sim, as paredes estavam se fechando, sim, não tinha saída, e sim, ela estava correndo um sério perigo de ser esmaga. Mesmo assim, aquilo não a assustava. Seu mundo agora era aquele pequeno espaço que cada vez se tornava mais fechado… Um espaço pequeno tem poucos detalhes, é mais fácil de entendê-lo, de aprender seus segredos… É bem menos assustador que um campo aberto onde existem várias informações, onde tudo pode acontecer sem qualquer tipo de previsão. Não, espaços fechados não assustavam Mary, eram convidativos, mesmo que continuassem se fechando segundo após segundo. Acho que eu mereço ter sido enviada para um lar de lunáticos. Ela pensou ao perceber sua surpreendente calma. Lar de lunáticos era como ela costumava chamar o Acampamento Meio-Sangue. O lugar nunca lhe pareceu tão certo para ela quanto naquele momento… E olha que ela estava a muitos e muitos quilômetros dos Estados Unidos.

- Esse labirinto foi feito por Dédalo. - Mary falou olhando para Evanora, que confirmou com um pouco de delay. É, diferente de Mary, a maioria das pessoas não fica tranquila num lugar fechado cujas paredes continuam se fechando. - O cara projetou isso aqui, construiu este lugar. - Ela falou, olhando para as paredes diferentes. - Ele era um gênio… Ele não faria uma armadilha que não pudesse ser desativada… Até porque, o próprio rei Minos e Pasífae deveriam usar o labirinto também. - Bom, Mary imaginou que os dois deveriam pelo menos ver como estava o filho de vez em quando, por mais que ele tivesse cara de boi e fosse uma espécie de homicida meio-canibal. - Essas paredes são o segredo. Elas se fecham… Porque elas podem ser desativadas para parar de fazer isso. - Mary estava parecendo uma filha de Atena, mas era estranho como aquele lugar, aquele pequeno mundo, lhe fazia tanto sentido. - Toque nelas, tenta encontrar alguma coisa! - Mary ficou com uma das paredes e Evanora com a outra. De forma apressada, Mary foi tentando tocar em cada uma das figuras das paredes, mas foi Evanora quem teve o primeiro sucesso. Ela chamou a filha de Hermes, que virou-se para olhar o que ela tinha conseguido. Evanora tinha acabado de tocar e empurrar uma das gravuras na pedra, aquela que retratava um touro. - É claro! - Mary falou, lembrando-se de todo o mito do minotauro. Era uma referência clara ao touro de Poseidon, a vaca que Dédalo construiu, até ao próprio minotauro. Uma resposta que o rei Minos e Pasífae nunca esqueceriam caso precisassem passar por aquele lugar. Porém, aquela única gravura não era a resposta, porque as paredes continuavam a se fechar. Mary olhou de volta para a sua parede e não demorou a encontrar uma gravura bem similar a que Evanora tinha achado. Rapidamente, a filha de Hermes levou a mão ao local e percebeu que a gravura parecia deslizar na pedra da parede, podendo ser empurrada. Ela assim o fez, ouvindo um estalar metálico abafado como se estivesse atrás da parede. Mesmo assim, ainda não era a resposta completa, as paredes seguiam se mexendo, deixando o espaço cada vez menor. Já tinha diminuído pela metade! Mary olhou para a parede outra vez e, um minuto depois, encontrou outro touro desenhado. Ela não perdeu tempo em tentar empurrá-lo, conseguindo e ouvindo um novo clique detrás da parede. - Temos que encontrar todos! - Ela falou, entendendo tudo. O touro não era a única resposta, era saber exatamente onde estavam e quantos eram todos os touros. Era realmente uma armadilha engenhosa, por mais que a resposta fosse óbvia para os que conhecessem a história do minotauro e do labirinto, ainda haveria o desafio de saber onde estavam todos os touros desenhados… Isso leva tempo, justamente o que qualquer um preso naquela armadilha não tinha de sobra.

Os minutos seguintes foram Mary e Evanora procurando mais touros desenhados e os empurrando como se fossem os botões daquela parede. Quantos eram? Tinham vários! As paredes já estavam ficando muito próximas de forma que as duas garotas começaram a bater uma na outra enquanto andavam de um lado para o outro, procurando mais touros, cada uma em sua parede. Ao perceber que sua mobilidade estava sendo restringida e que aquilo estava caminhando para um desfecho trágico, o medo de morrer ali começou a superar o conforto que Mary sentia em ambientes confinados. Ela começou a ficar desesperada, sua respiração descompassou e seu coração bateu forte. Quantos touros mais restavam? Ela encontrou mais um bem rente ao chão e o apertou. As paredes ainda não pararam. Elas estavam muito próximas, estavam roçando nos ombros de Mary… Em ambos, ou seja, o espaço daquela sala tinha reduzido a largura do corpo de uma garota. A partir dali, só iria apertar cada vez mais. Evanora e Mary acabaram ficando frente a frente uma com a outra. As paredes diminuindo o espaço obrigaram elas a colarem seus corpos, praticamente se abraçarem. Em outra ocasião, Mary poderia ter ficado feliz com tamanha proximidade, mas agora ela estava com real medo de morrer, olhando para todos os lados, procurando uma saída até onde não existia, porque certamente não tinham touros desenhos no teto! As duas mal conseguiam se mexer e seus corpos começaram a ser apertados ainda mais uma contra a outra. Mary começou a pensar que não poderia ser assim que sua história iria terminar, num lugar esquecido como aquele… Foi quando Evanora falou que tinha encontrado outro touro. Com os olhos, Mary acompanhou a mão dela apertar um touro na parede de Mary, que agora estava tão próxima que ela conseguia alcançar sem problemas. Ela empurrou a gravura, um novo clique foi ouvido e as paredes pararam. Aquele tinha sido o último touro, todos os botões foram apertados. Mary respirou fundo, um alívio a percorreu de uma forma que ela nunca tinha sentido antes. Era uma mistura muito maluca de adrenalina com “eu não morri”. Era inebriante, parecia um vício que a deixou em euforia. Ela permitiu que seus olhos encarassem os de Evanora e então descessem, observando o quanto elas estavam próximas uma da outra. Nunca estiveram assim, tão juntas, ainda presas. As paredes tinham parado de se mover, mas também não tinham feito o movimento reverso para soltá-las. Elas ainda estavam ali, juntas, corpo com corpo, pele com pele. Mary tinha acabado de quase morrer, de sentir o desespero disso… E agora estava desinibida, cheia de adrenalina no corpo e outros químicos que estavam a deixando mais corajosa que o comum. Você já tomou um susto e, depois de passar por ele, sentiu o alívio te relaxar? Te fazer rir? Era isso o que Mary estava sentindo, só que multiplicado mil vezes. Ela se perguntava agora porque perdeu tanto tempo com Evanora, porque não foi logo conversar com ela, porque não disse antes a ela coisas que imaginou, coisas que queria. Porque não estava dizendo ali, agora? Ela ainda estava correndo risco de morte, melhor aproveitar enquanto tinha tempo. Mary aproximou seu rosto de Evanora lateralmente, chegando perto de seu ouvido. - Eu imagino coisas com você. - Ela falou como se estivesse contando um segredo. - Desde aquele dia no arsenal… Você não sai da minha cabeça. Quero que você faça coisas comigo. - Não, Mary não falou que coisas eram, mas para um bom entendedor, aquela palavra bastaria.

Mary voltou a olhar para Evanora depois de sua confissão, observando a filha de Hades ficando pensativa. Junto de sua euforia do momento, começou a crescer em seu peito uma ansiedade pela resposta da outra. Ela não demorou a vir, Evanora primeiramente relembrou o que tinha acontecido no arsenal, os detalhes de suas ameaças e como elas não eram da boca para fora. Mary apenas desviou o olhar levemente ao ouvir a outra mencionar “deixar seu sangue escorrer”, mas ela se manteve firme e logo voltou a encarar. Evanora continuou, dizendo que era aquilo que era ela, que se satisfazia em fazer aquele tipo de coisa e que já tinha feito piores. Também confessou que se mantinha distante de Mary porque não sabia se numa próxima vez ela iria se controlar caso se irritasse com a filha de Hermes. Mary nada dizia, apenas continuava a escutar. Tal como Betsy, Evanora confessou que também não conseguia parar de pensar nela, embora tentasse lutar contra isso. O semblante dela parecia ter traços de preocupação, junto de suas falas seguintes, quando ela lembrou do que Hades tinha lhe falado quando as duas estiveram no Mundo Inferior, que Evanora tinha “nascido do pior”. Que eu me lembre, ele também disse que você poderia escolher o seu caminho. Ela pensou, mas nada disse, Evanora ainda não tinha finalizado. Por fim, ela disse que Mary afirmava as coisas que gostaria que ela fizesse, mas não sabia de verdade que coisas seriam essas, que coisas Evanora realmente queria fazer. Agora sim ela tinha terminado. Mary deu um sorriso que facilmente se transformou numa risada. Será que Evanora, em algum momento, percebia o quanto ela sempre era controversa? O quanto contradizia a si própria? Como dentro do arsenal, Mary ainda não duvidava de nenhuma das palavras de Evanora, mas também não duvidava do inverso delas. Ela sabia que Evanora poderia fazer todas as coisas horríveis que dizia, mas também não duvidava que ela era capaz de não fazê-las com Mary. E até agora, Mary não acertou? No fim das contas, Evanora nunca tinha a machucado, mesmo tendo muitas oportunidades para fazer isso. Parecia que Evanora só enxergava um mundo onde ela faria as coisas horríveis e não enxergava o mundo que Mary conseguia ver, aquele em que ela não precisa ser “nascida do pior”. Na verdade, até Hades via isso, foi o que ele tentou passar para ela naquele dia (de uma forma nada paternal, por sinal), só Evanora que ainda não enxergava isso… E tudo bem, Mary não iria desistir por um motivo tão pequeno quanto este. - E por acaso essas pessoas que você já fez pior também receberam avisos tão cuidadosos? - Ela falou enquanto controlava a própria risada. Mary aguardou pela resposta, mas assim que Evanora começou com as primeiras palavras, ela a cortou. - Cala a boca. - Tomada pelo momento, pela euforia, pela sua própria ansiedade de tanta proximidade, Mary beijou Evanora… Mas não foi como o outro beijo, um beijo breve, apenas com os lábios… Não, Mary quis mover a sua língua, quis invadir a boca de Evanora. Mary nunca tinha beijado antes daquele jeito, mas naquele momento, ela soube o que fazer. Pareceu natural, pareceu revigorante, pareceu o que ela sempre quis fazer e tanto se reprimia por conta de inseguranças. Ao fazer aquilo, Mary percebeu o quanto realmente queria fazê-lo, se perguntou porque não tinha feito antes. O beijo apenas parou quando o barulho das engrenagens junto das paredes começou a se fazer presente. Mary sentiu seu corpo menos comprimido e soltou Evanora, olhando em volta. O ambiente estava voltando ao seu tamanho original… Não, mais do que isso, as paredes se retraíram ainda mais do que no início, deixando a sala ainda maior do que antes e também revelando um novo corredor. Era a saída. Mary olhou alegremente para Evanora, cheia de energia por causa do beijo. - Vamos… Ainda temos alguns restos mortais para encontrar! - Quase aos saltitos, Mary seguiu a nova passagem.

Parte 5: Segredos Revelados {Dia 3 - XX:XX - Labirinto do minotauro}

Mary ainda estava nas nuvens, mas quando mais o tempo passava enquanto as duas andavam pelos corredores do labirinto, mais toda aquela euforia e adrenalina iam se dissipando em seu organismo. Ela ia se lembrando do que tinha feito minutos atrás e começava a corar sozinha. Não se arrependia em momento algum, mas nossa, nunca tinha pensado que tomaria tanta atitude para beijar outra pessoa. O labirinto parecia diferente desde que elas encontraram a sala anterior. Os caminhos eram mais fechados, com corredores pequenos que logo ganhavam uma bifurcação, curvas ou encruzilhadas. Mary podia sentir que estavam chegando em algum lugar, que aquela era uma sessão especial da construção. Mas o que poderia ser? Porque sequer ter um lugar especial ali, se o labirinto funcionava meramente como a prisão de um monstro? Ela não entendia, mas continuava seguindo em frente, seguindo a sua intuição… E foi assim que as garotas pararam em um corredor um pouco mais longo cuja extremidade não se tratava de uma parede sem saída, mas sim de uma grande porta dupla. Mary olhou para Evanora brevemente, então as duas seguiram na direção da porta, no intuito de verificá-la. Contudo, antes mesmo de alcançarem a porta dupla, ouviram um grande estrondo atrás delas que veio acompanhada de uma nuvem de poeira que subiu do chão. Tossindo e abanando o ar à sua frente, Mary virou-se e percebeu que uma enorme pedra tinha acabado de cair do local onde elas vieram, bloqueando qualquer possibilidade de voltarem o caminho. De início, Mary acreditou que aquilo tinha sido um acidente, afinal, aquele labirinto era bem velho e ela não duvidava de nenhum risco de colapso, porém, as garotas logo perceberam que a queda da pedra era algo premeditado, porque inscrições começaram a brilhar nela, gravadas em sua superfície. As inscrições estavam numa linguagem que Mary não entendia, com certeza não era inglês e nem grego antigo. Os símbolos sequer eram latinos ou gregos. - Você reconhece? - Mary perguntou para Evanora, que de forma irritada informou que não conseguia ler. Mary reparou que Evanora realmente parecia incomodada com isso… Mais do que o normal. Ela estranhou isso, mas não quis perguntar, até porque ela tinha as soluções dos problemas delas em sua mochila. Felizmente, nenhum dos incidentes que as duas tinham passado até agora foi o suficiente para ela perder o equipamento. Na sala das paredes que se fechavam, ela já tinha deixado o objeto no chão quando começou a verificar as figuras. Agora, fazia o mesmo, pousando a mochila no chão para tirar dali de dentro um livro. Na verdade, era um dicionário. - É um dicionário feito pelo meu pai. Nele tem traduções para todas as línguas e códigos do mundo. Até figuras ele traduz, como os hieróglifos. Comprei ele na loja um dia desses. - Mary percebeu que o interesse de Evanora pelo objeto estava muito grande. - Aah… Você pode usar. - Ela entregou o dicionário para Evanora e deixou que ela folheasse as páginas, procurando a língua correspondente aos símbolos gravados nas paredes.

Enquanto Evanora fazia o trabalho com o Dicionário Hermenêutica, Mary observava a pedra melhor e percebeu que havia vários desenhos nela, um pouco mais abaixo da inscrição. Os desenhos não brilhavam e pareciam mais painéis, conjuntos de pinturas. Cada conjunto era dividido por uma grande linha reta vertical, ou seja, eram dois conjuntos de pinturas diferentes ali. Mary observou o primeiro. O desenho era um pouco rupestre, mas dava para entender bem. A primeira pintura mostrava uma pessoa em volta de um monte de outras pessoas perto de uma casa, a segunda mostrava essa primeira pessoa agora com outras duas maiores numa outra casa. Dava para notar que era a mesma por causa dos traços. O que significava? Mary não tinha ideia. Ela ia passar para a terceira pintura daquele conjunto quando ouviu Evanora chamá-la. Ela tinha conseguido usar o dicionário e traduzir a mensagem. Ela explicou que a linguagem utilizada era bem particular, uma espécie de linguagem feita para a feitiçaria. - Se antes eu tinha dúvida, agora eu tenho certeza que Pasífae tem um dedo metido na construção desse labirinto. - Mary comentou. Evanora disse que a mensagem significava o seguinte: “Seu segredo é o meu segredo, o meu segredo é o seu segredo”. - Ah não, eu sou péssima com charadas! Prefiro mais paredes que se fecham! - A filha de Hermes retrucou, frustrada. - Deve ter algo a ver com essas pinturas aqui embaixo, mas é claro que eu não faço ideia da resposta. - Ela cruzou os braços, verdadeiramente incomodada. Tudo menos enigmas! Só servem para uma pessoa se sentir burra! Evanora começou a observar as pinturas também e, sem grandes alternativas, Mary fez o mesmo, voltando a acompanhar o conjunto de pinturas de antes. A terceira pintura mostrava a mesma pessoa das outras agora no meio de uma cidade suja. Mesmo naquele desenho rupestre, os detalhes eram evidentes e mostravam que a pessoa estava em péssimas condições, magra e suja. Mary entendia o que era isso… Aquela pintura parecia mostrar alguém morando na rua. Ela, como alguém que morou na rua, sabia reconhecer. Ela nunca chegou a ficar desnutrida ou doente, por algum motivo, sempre sabia onde ir para satisfazer alguma necessidade, sempre sabia que esquina virar, que caminho seguir. Hoje em dia ela entendia o porquê, ela era uma filha de Hermes, uma filha do deus dos viajantes e da comunicação, ela tinha um instinto natural para achar caminhos e para se comunicar. Ela sempre encontrava o lugar certo para pedir alguma comida, o lugar certo para dormir sem sofrer muito. Ainda assim, ela emagreceu vários quilos quando ficava na rua… Fora a sujeira de seu corpo pela falta de um banho. Quando Mary olhou a quarta e última figura, ela ficou assustada e deu um passo para trás. A quarta figura mostrava mais uma casa com várias pessoas desenhadas, a protagonista dos desenhos dessa vez estava atrás de uma pano… Um pano cujo desenho era a bandeira dos Estados Unidos. O conjunto de figuras fez sentido em sua mente na mesma hora. Primeiro, um orfanato. Segundo, uma família adotiva. Terceiro, morar na rua. Quarto, outro orfanato com uma bandeira dos Estados Unidos onde ela se escondeu. Aquilo não era a porra de um enigma… - É sobre mim… É sobre quando eu… AAAAH! - Mary não conseguiu terminar de falar, ela foi arrastada por uma forte enxurrada de água que entrou com tudo naquela câmara fechada vinda de uma abertura do teto. Na mesma hora, claro, as pernas de Mary viraram uma cauda de sereia. A força da enxurrada foi tanta que Mary se perdeu de Evanora e só foi vê-la de novo quando ambas bateram com tudo na porta dupla. O fluxo da água então se apaziguou. Evanora se levantou, dolorida. A água estava um pouco acima de sua cintura. Quanto a Mary… Bom, não tinha sentido nenhum ela tentar ficar em pé, preferiu se manter nadando naquela espécie de piscina que tinha se formado. Seu corpo também estava dolorido.

- Como eu ia dizendo… - Mary começou assim que as duas se recuperaram por completo e foram na direção da pedra da charada, mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, a mão de Evanora fechou a sua boca fortemente. Uma mistura de indignação com um sentimento a mais preencheu Mary com aquela atitude. Que pegada! Evanora, claro, não fez aquilo com quaisquer segundas intenções, ela afirmou que se Mary tentasse falar de novo, provavelmente aconteceria outra coisa com elas mais perigosa do que apenas água em alta velocidade. Aquilo tinha sido uma punição do enigma, ela explicou a Mary que a charada era sobre uma descobrir o segredo da outra, segredos estes que estavam gravados nas pinturas da pedra. O lugar não deixaria que cada uma delas contasse o próprio segredo, ou o enigma seria desfeito. Aos poucos, então, Evanora foi soltando a boca de Mary. - Como esse lugar sequer sabe os nossos segredos? - Mary perguntou, sentindo sua privacidade violada. Só havia uma resposta: feitiçaria. Ela não gostou nada daquilo. - Bom, você primeiro. - Evanora não contestou e olhou as gravuras que falavam sobre a vida de Mary. De início, Mary não enxergava a sua história como um segredo, mas parou para refletir enquanto Evanora pensava e, de fato… Ela não contava o seu passado por aí. Não conseguia citar uma só pessoa que sabia sobre ele por completo. Nem mesmo as cuidadores do último orfanato sabiam… Nem mesmo Héstia sabia. Ninguém… Porque Mary nunca teve ninguém de verdade nesta vida, ela era do mundo… E o mundo não é um bom ouvinte, porque ele já presenciou tudo e não se surpreende com nada. Depois de sua reflexão, Mary preferiu se distrair e foi olhar as pinturas do segredo de Evanora. A primeira pintura retratava o desenho de duas pessoas. Uma era menor que a outra, mas elas tinham traços muito parecidos entre si. Eram duas mulheres… E a menor delas estava ateando fogo na outra. - Caramba, que maquiavélico este segredo. - Ela brincou, olhando de relance para Evanora. A filahde Hades não pareceu curtir a piada, era algo sério para ela. Chega de brincadeiras, Ross. Mary se advertiu mentalmente, então olhou para a segunda pintura. Mais uma vez estavam ali as duas mulheres, a menor matando a maior de novo, mas dessa vez por estrangulamento. Assustador. Ela pensou, ficando um pouco incomodada. Ao olhar a terceira pintura, essa sensação se aflorou ainda mais dentro de si, fazendo seus pelos se arrepiarem. Era mais uma cena das duas mulheres, a menor matando a maior, só que de uma terceira forma diferente. Dessa vez, a maior parecia estar se engasgando com alguma comida, pois ambas estavam sentadas à mesa. Só era possível entender a pintura por completo observando-a com minuciosidade para ver que a mulher menor estava segurando um pequeno frasquinho em uma de suas mãos. A maior não estava morrendo de engasgo, mas sim de envenenamento. Mary olhou para Evanora com uma feição mais assustada. O segredo dela era sombrio. Seria por isso a tendência que ela tinha em se isolar? Antes que Mary olhasse a última pintura, Evanora falou que Mary tinha vivido em orfanatos e na rua. - Acertou. - Mary confirmou e, no mesmo segundo, as figuras que retratavam a vida dela brilharam por alguns segundos, indicando que o enigma registrou a resposta correta. - Foram muitos orfanatos na verdade, não apenas dois. - Mary contou. De certa forma, ela ficou incomodada ao perceber que nunca tinha contado sobre aquilo para alguém. Mary não é uma pessoa de segredos… Apenas com o seu nome primário, mas Evanora já sabia dele. - Eu fui adotada no primeiro, mas não deu certo com a família que me adotou, eu fugi de casa. - Mentira. Este segredo ela manteria, o da única família que teve. - Fui parar na rua. Às vezes, alguns projetos sociais me encontravam e me mandavam pra novos orfanatos, mas eu fugia de novo deles. Me sentia melhor na rua. - A rua… A liberdade… E não ter a chance de ser adotada de novo… Isso era mais seguro que qualquer orfanato. - Um dia, acabei sendo enviada para outro. Me escondi atrás de uma bandeira dos Estados Unidos que tinha ali de decoração, eu ia fugir, só estava me escondendo, esperando o momento certo, mas me encontraram. Era o meu primeiro dia ali, nem sabiam o meu nome. Eu nunca dizia meu nome. - Ela deu uma breve risadinha. Evanora bem sabia que Mary não se apresentava como Mary. - Então, as cuidadoras passaram a me chamar nesse dia de Betsy Ross… Igual a mulher que fez a bandeira. Eu achei que não ficaria ali. Que seria péssimo, mas elas conseguiram me manter por algumas semanas e não era ruim como eu pensei. Na verdade, era seguro. - Porque era seguro? Mais um de seus segredos. É, pelo visto Mary era uma mulher de segredos mais do que imaginava ser. - Então, no dia que eu decidi que não tentaria mais fugir, fui me apresentar a elas. Mary Betsy Ross. Elas ficaram felizes… E esse virou meu nome de registro. - Um sorriso nostálgico e, ao mesmo tempo, triste brotou em seus lábios. Ela não gostava de se lembrar disso. Havia sangue nessa memória… É claro, o sangue. Sempre um problema, um mau presságio. Porque? - Vamos parar de falar de mim! Hora do seu segredo agora! - Ela realmente não queria se lembrar mais daquilo e entrar numa espiral em sua própria mente.

Mesmo com Mary querendo desviar o assunto completamente, Evanora falou que às vezes não ter uma família é mais seguro que ter uma, portanto, entendia as decisões e vida de Mary. De uma forma profunda, Mary encarou Evanora, não se importando em gastar longos minutos com isso antes de voltar ao enigma e ver a última figura do conjunto de Evanora. Outra vez, sem surpresas, a mulher menor matava a maior de uma forma diferente, dessa vez a mulher maior estava dentro de uma caixa, a menor segurava uma pá e despejava terra em cima da caixa. Ela estava enterrando aquela mulher maior. Às vezes não ter uma família é melhor que ter uma. A frase de Evanora ecoou em sua cabeça e foi como se abrisse os seus olhos para quem eram aquelas mulheres parecidas. Mãe e filha, por isso uma era maior e a outra menor, mas elas eram apresentadas com traços semelhantes. Mary olhou para Evanora com os olhos arregalados. Havia medo no seu olhar, mas ao mesmo tempo, a filha de Hermes não conseguia simplesmente julgar e condenar a outra. Uma segunda memória ecoou na mente de Mary, uma memória da Sala de Trono de Hades, quando Evanora estava gritando com ele, perguntando se ele estava observando quando ela tinha a deixado lá para morrer. Olhando para as figuras, se lembrando de toda a conversa que Evanora teve com Hades… Ela conseguiu montar um pouco daquele quebra cabeças. A mãe de Evanora… Não era uma boa pessoa… Foi a mãe de Evanora que tinha a deixado em uma cabana para morrer. - Você… - Mary começou. Ela já tinha formado uma história com aquelas imagens. Evanora deveria ter tentado matar a sua mãe três vezes, a primeira tentando usar o fogo, a segunda tentando asfixiá-la, mas só conseguiu na terceira vez, quando a envenenou. Quando conseguiu finalmente seu objetivo, a enterrou. Tudo bem, Mary tinha que admitir que achava meio estranho a mãe de Evanora manter a filha por perto depois de sobreviver a uma tentativa de combustão e outra de asfixia, mas talvez fosse por isso que Evanora era como era, alguém que sempre se achava a pessoa mais cruel do mundo. - Matou sua mãe. - Evanora nem precisou falar que a resposta tinha sido errada, um barulho no teto daquele lugar deixou isso bem claro. Compartimentos se abriram, cada compartimento continha um furo de onde saíram uma saraivada de flechas. - CUIDADO! - Mary gritou e mergulhou na água, tentando nadar agilmente para desviar das flechas. Ela conseguiu salvar as partes vitais de seu corpo, mas sentiu dores fortes na sua cauda. Ela deixou o seu corpo deitar no fundo e observou sua parte debaixo. Duas flechas tinham a acertado, uma na região da cintura, bem perto da divisão de seu torso com sua cauda, e outra flecha atingiu a extremidade da cauda, na nadadeira caudal (ou sabe-se lá como se chama, não é como se a gente aprendesse anatomia sereiana na escola). Filho da puta! Ela pensou e soltou um grito abafado pela água. Não tinha condições dela nadar daquele jeito, ela iria ter que tirar aquelas flechas. Mary começou por pegar a sua camiseta e rasgá-la para arrancar a parte debaixo. Ela ficaria parecendo um cropped surrado. Logo depois, Mary pegou a flecha com as duas mãos, contou até três e a arrancou. Mais um grito abafado ecoou nas águas. Mary rapidamente amarrou a parte arrancada da blusa ao longo da sua cintura, pressionando o furo da flecha. Ainda doía, mas doeria mais se a flecha ficasse ali. Depois disso, ela se sentou e alcançou a sua flecha na nadadeira da causa, arrancou o projétil da mesma forma que o primeiro. Ela não conseguiu conter um terceiro grito e sentiu-se nauseada ao ver que o seu próprio sangue de ambas as feridas estava se misturando com a água. Ela pensou em seu mantra, mas ele já estava caindo por terra. O sangue era dela! Mary fechou os olhos e respirou fundo. O bom de estar debaixo da água é que os sons já ficam um pouco mais abafados, era bom para se acalmar. Sem ver o sangue, ficava mais fácil se controlar. Mesmo com a cauda machucada, ela nadou para emergir sua cabeça, mas ainda manteve os olhos fechados. - Eva! - Ela chamou. Mary não conseguia mais sair do lugar.

Segundos após o seu chamado, Mary sentiu que o seu corpo estava sendo segurado. O empuxo da água certamente estava ajudando os braços de Evanora. Após isso, ela sentiu uma pressão na região do furo na cintura, onde ela tinha acabado de amarrar a parte rasgada de sua camisa. Mary apertou os olhos pela dor, mas não reclamou, era bom um pouco de pressão a mais para ajudar o sangue a estancar. Logo depois, ela percebeu que a mão de Evanora estava lhe tocando o rosto. Ela dizia para Mary abrir os olhos, olhar para ela. Mary balançou a cabeça negativamente, mas Evanora insistiu, disse que Mary deveria olhar para ela e não para a água, que tudo ficaria bem. Aos poucos, Mary foi abrindo os olhos e encontrando o rosto de Evanora. Suas expressões eram de preocupação, mas ela parecia focada também, bem menos desesperada do que Mary. Evanora afirmava que só era necessário Mary desvendar a charada, então elas poderiam sair dali. Sair dali… Sim, isso era ótimo. A respiração de Mary passou a ficar um pouco mais controlada, ela sentiu que estava conseguindo pensar direito outra vez. Foi quando se permitiu olhar o restante do cenário e perceber que uma daquelas flechas vindas do teto estava cravada no ombro de Evanora, com um filete de sangue escorrendo ali. Ela rapidamente fez seu corpo virar para o lado, se afastando de Evanora e nadando até a pedra com as pinturas. - Você está ferida! - Ela exclamou, mas diferente de Evanora, não conseguiria ajudar. Ela nem conseguia olhar aquele ferimento por mais de um segundo sem começar a ter outra crise de pânico. - Eu vou resolver o enigma. - Assim podemos sair logo daqui e ir buscar ajuda. Foi o que ela avisou e pensou antes de olhar para as pinturas na pedra. Tudo bem, sua teoria estava errada, mas as gravuras eram claras. Ela sabia que tinha as interpretado corretamente, mas a história que inventou deveria ser o equívoco. Ela ficou olhando fixamente para as figuras, evitando olhar para a água, focando o máximo que conseguia para encontrar uma resposta. Todas as gravuras eram tentativas de morte… Menos a última… Mas e se a última também fosse seguindo o padrão das demais? E se não fosse a mãe já morta ali, mas sim sendo enterrada viva? Isso significava que em todas as figuras, Evanora estava tentando matar a sua mãe. Não tinha como ela ter matado sua mãe quatro vezes em sua vida. O segredo dela era diferente do de Mary. O de Mary foi parte de sua história e ela emulou isso ao tentar resolver o segredo de Evanora, mas um segredo não precisa ser parte de sua vida, ele pode ser tudo, pode ser uma vergonha sua, e também poderia ser um desejo. - Você não matou a sua mãe, mas é isso o que você mais quer nessa vida. - Os símbolos brilharam brevemente à sua frente, ela tinha acertado o enigma. Mary virou o seu olhar para Evanora, mas as duas não puderam conversar, porque a água subitamente começou a ser puxada na direção da porta dupla, que se abria lentamente, revelando um novo cômodo e também as tragando junto do fluxo. CONTINUA NO PRÓXIMO POST...

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Re: Grécia

Mensagem por Mary Betsy Ross Qui Ago 31, 2023 10:31 pm

XX:XX
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PS07/2
Parte 6: A Cripta {Dia 3 - XX:XX (Noite) - Labirinto do minotauro}

Mary e Evanora foram arrastadas alguns metros à dentro da porta dupla até chegarem numa parte do chão que tinha vários buracos por onde a água vertia para sabe-se lá onde. Por um lado, o sangue junto a ela foi embora e Mary sentiu-se melhor, por outro lado, agora Mary estava sem mobilidade até que seu corpo secasse. Sua mochila foi levada junto da corrente de água e parou ali perto… E mesmo que ela tivesse trago uma toalha para esse tipo de emergência, a mochila estava completamente molhada. Nota para a próxima viagem: colocar a toalha dentro de um saco plástico impermeável. Mary suspirou, como pensou numa lanterna a prova de água, mas não pensou em resguardar a toalha? Nem sempre ter aquela metade sereiana dentro de si era útil. Bom, a solução da toalha não poderia ser usada, mas ela conseguiu pensar em uma plano B, apesar de ser visualmente bem estranho. Mary pegou sua besta e a colocou nas costas, não demorando para um par de asas douradas surgir ali. Agora Mary era uma sereia com asas. Uma anja dos mares? O nome soa bonito, pelo menos. - Voar num espaço fechado é péssimo, mas pelo menos eu consigo me mover. - Disse a filha de Hermes batendo as asas e levantando voo. No trajeto, ela também iria descobrir que uma cauda de peixe é bem menos aerodinâmica do que pernas. Nunca um voo com Agapiménos foi tão cansativo. Durante o caminho que passaram a seguir, que parecia um interminável corredor porque agora não haviam mais bifurcações, encruzilhadas, sequer curvas, Evanora começou a contar um pouco mais sobre o seu segredo, tal como Mary tinha feito antes. Ela disse que passou boa parte de sua vida vivendo num abrigo na Rússia (isso explicava o seu sotaque) e que sua mãe tê-la abandonado foi a única coisa boa que tinha feito por ela. Mary se perguntou como era ter uma mãe, mesmo que fosse uma mãe para se odiar. Ela não considerava a família que a adotou como um pai e uma mãe… Não conseguiu passar sequer um ano com eles. Evanora contou que pensaram que ela era uma criança desaparecida e que tentaram encontrar seus pais espalhando panfletos, mas que ninguém veio buscá-la e ela tão pouco dizia alguma coisa. Na verdade, ela ficou um ano inteiro sem dizer uma palavra. Mary nem conseguia conceber como isso era possível, considerando o quão faladeira sempre foi e sempre seria. No fim das contas, quando finalmente voltou a falar, Evanora disse este nome em vez do seu nome de batismo, Annika, porque assim conseguiria evitar as chances de ser associada com a sua família de origem. Mary sentiu curiosidade em perguntar porque a mãe dela fez o que fez, a abandonou na cabana para morrer, mas não fez a pergunta. Além de insensível, Evanora não fez perguntas sobre o passado de Mary, o mínimo que a filha de Hermes poderia fazer era respeitar o que Evanora quisesse contar, mesmo que não fosse todos os mínimos detalhes. Evanora aproximou-se um pouco mais de Mary e perguntou se agora ela entendia, porque isso era o que a garota era. Ela afirmava que um dia encontraria sua mãe e iria matá-la. - Acho que você que não entende que eu nunca duvidei das suas palavras. - Mary respondeu. - Eu só vejo que você não é apenas isso. - Ela deu um sorriso brando para Evanora, indicando que a filha de Hades poderia dar trocentos argumentos de sua crueldade e moralidade questionável e, mesmo assim, Mary ainda não mudaria o seu pensamento.

Alguns metros mais à frente naquele corredor enorme, Mary e Evanora finalmente encontraram o seu fim. O corredor se abria numa espécie de cripta que facilmente deixou a filha de Hermes surpresa. O local era aberto e só continha uma única coisa no meio: uma espécie de caixão de pedra com o desenho da cabeça de um touro na tampa. O desenho era extremamente detalhado, certamente o desenho mais bem trabalhado que elas viram até então em toda aquela jornada. Pelas paredes da cripta, várias pinturas estavam representadas, um pouco desgastadas pelo tempo, mas que ainda podiam ser vistas e interpretadas. Nessas pinturas, a história do rei Minos, Pasífae e do minotauro eram contadas. - Não é que os espólios de guerra do minotauro nunca foram pegos, eles foram sepultados. - Mary concluiu. Elas estavam na cripta do minotauro. Mary imaginava que foi a própria Pasífae que fez aquela sessão extra do labirinto, ela teria poder o bastante para isso com a sua feitiçaria. Quantas histórias na mitologia existiam sobre filhos rejeitados por alguma deformidade? Até mesmo nos deuses do Olimpo isso existia com Hera e Hefesto. Pasífae, porém, nos mitos é relatada como uma mãe que tentou cuidar do seu filho, mesmo que ele tivesse nascido com a cabeça de touro e, posteriormente, tivesse seus desejos canibais. Sem dúvida ela deve tê-lo amado… E quando ele foi morto, ela quis sepultá-lo de forma adequada. De repente, Mary começou a se sentir mal por saber que violaria aquilo para dar os restos mortais do minotauro para Poseidon. Seria mais fácil se os ossos do minotauro estivessem simplesmente jogados em qualquer lugar aleatório do labirinto, onde o herói Teseu o matou. Evanora tomou a dianteira sobre isso e começou a empurrar a tampa do caixão de pedra, não demorando em pedir uma breve ajuda para Mary, já que era pesado. A filha de Hermes teve que usar as asas como propulsão para empurrar (já que ainda estava sem as pernas), apoiando os braços na tampa. Assim, as duas aos poucos foram abrindo o caixão até que a tampa de madeira caísse no chão com um forte estrondo. Dentro do caixão, estava um perfeito esqueleto de minotauro. - Os primeiros espólios do minotauro. Caramba. - Disse Mary, observando a ossada com uma certa fascinação. O minotauro já tinha sido morto várias e várias vezes, alguns campistas gostavam de se gabar por isso no acampamento, até mostravam os espólios, como um chifre arrancado… Mas aqueles ossos ali eram os primeiros espólios existentes do minotauro, a primeira vez que ele for morto por Teseu. Isso fazia Mary se questionar como foi essa morte. Ele não explodiu em pó dourado? Será que a primeira vez que um monstro morria, a morte era um pouco mais… real? A todo momento os semideuses atuais lidavam com monstros que já existiam em mitos, contos, livros, nunca com um monstro novo, que ainda nunca tinha sido morto uma primeira vez. O mundo antigo deve ter sido ainda mais lunático. Ela pensou. Subitamente, sentiu sua cauda de sereia voltar a ser pernas. Ela nem percebeu o tanto de tempo que tinha passado enquanto andaram até aquele cômodo, tempo este que foi o bastante para ela secar sua pele. De volta com as pernas, Mary pousou e tirou a besta das costas, fazendo as asas douradas sumirem.

- Bom… Vamos assaltar um túmulo. - Mary disse, pegando sua mochila ainda úmida e a abrindo. Quando Poseidon deu a missão para as duas dias atrás, Mary não imaginava que iria terminar ela fazendo um roubo… Ainda que estivesse roubando mortos. As duas semideusas passaram os minutos seguintes colocando os ossos em suas mochilas, dividindo-os para que não ficasse pesado demais para uma delas carregar sozinha. Quando terminaram, Mary olhou de relance para o corredor por onde entraram na cripta. - A gente vai mesmo ter que voltar tudo? - Ela perguntou para Evanora com voz cansada. Mary sequer sabia o caminho de volta! Com uma pontada de esperança, ela olhou em volta naquela cripta e, para sua alegria, encontrou uma alavanca entre duas paredes. Não estava particularmente escondida, embora estivesse em um dos cantinhos, dificultando a iluminação pela lanterna, por isso não tinha sido percebida antes. Sem delongas, Mary foi até a alavanca e a puxou bem no momento em que Evanora avisava que aquilo poderia ser uma armadilha. - Opa… Agora já foi. - Mary falou com um sorriso amarelo. Evanora estava certa, mas por vezes Mary não consegue controlar o seu espírito aventureiro. Felizmente, a alavanca não acionou uma armadilha, pelo menos, não era o que parecia. Uma das paredes foi para trás alguns centímetros e depois para o lado, abrindo passagem para uma escadaria que subia. Aquilo parecia melhor do que tentar o caminho de volta, então as duas começaram a subir. Foi uma longa subida, tantos degraus que Mary sentiu suas coxas torneadissimas e doloridas, ainda mais considerando que um de seus pés estava furado. Ela podia sentir isso perfeitamente, mas não se animou em tirar o seu tênis e meia para verificar a ferida… Com certeza deveria ter sangue em volta. Como sereia, uma de suas nadadeiras caudais foi perfurada… Esse ferimento refletiu em seu pé quando a cauda voltou a ser pernas. Depois de uma verdadeira peregrinação para cima, Mary e Evanora chegaram até o final da linha: um alçapão. Elas facilmente conseguiram empurrar o alçapão para cima e foram agraciadas com a visão do céu noturno do lado de fora cheio de estrelas. Rapidamente subiram os degraus que faltavam e se encontraram em uma outra área do Palácio de Cnossos. O local estava deserto, os turistas tinham ido embora e o horário de visitação deveria ter até acabado por aquele dia. Mary caminhou até uma das ruínas menores e sentou-se. - Que bom que Pasífae também não queria ter que fazer todo o caminho de volta pelo labirinto, mas ela precisava mesmo criar uma saída alternativa que é um mundo de escadas? - Mary falou ainda ofegante. Ela nem conseguia conceber que tinham descido tanto no subsolo enquanto estiveram no labirinto. Seus olhos foram na direção do alçapão para indicar a péssima experiência que teve com ele, foi quando, para a surpresa das garotas, o mesmo fechou-se sozinho e se fundiu contra o chão das ruínas do palácio, como se não mais existisse ali. Evanora, que estava mais perto, deu uma averiguada e concluiu que realmente alçapão nenhum mais existia. - Tudo bem… Ficou claro que a escada é só para subir e não para descer. - Quem quer que quisesse chegar na cripta do minotauro iria ter que passar pelo labirinto, não haviam atalhos de entrada, embora tivesse aquele de saída.

Parte 7: Amanhã {Dia 4 - 22:44 - Área da Fogueira}

De manhã, no dia seguinte, Mary e Evanora já pegaram um avião para voltar à Nova York. Parte do dinheiro dado por Héstia foi salvo para isso, bastou esperar ele secar o restante da noite (a mochila molhada, lembra?). A viagem demorou toda a manhã e parte da tarde, sendo que elas ainda levaram mais algumas horas para serem buscadas no aeroporto e serem levadas ao Acampamento Meio-Sangue, através de uma carona na van de Argos. As semideusas chegaram nas primeiras horas da noite e concordaram que precisavam fazer algumas coisas antes de dar os ossos do minotauro para Poseidon, como comer alguma coisa, tomar um banho e descansar, nem que fosse por alguns minutos. Foi assim que as duas pararam, horas depois de fazer tudo isso, na frente da fogueira da área entre os chalés. Todos os campistas já tinham se dispersado e ido até seus chalés após a tradicional roda da fogueira noturna. Elas estavam sozinhas e tinham permissão para ficar ali um pouco mais de tempo, graças a missão, logo, não seriam incomodadas. Cada uma trouxe a sua própria mochila com os ossos do minotauro, não demorando para abrí-las e começar a atirar os ossos na direção das chamas. - Poseidon, nós fazemos essa oferenda para você… - Mary começou a prece e deixou Evanora terminá-la. Em alguns minutos, tinham colocado toda a ossada no fogo. Os vestígios mortais do minotauro agora deveriam estar nas mãos do deus dos mares, seja para o que for que ele precisasse disso e onde quer que estivesse no momento.

Assim que as duas terminaram com a oferenda, Mary surpreendeu Evanora a pegando pela cintura e puxando para perto. A filha de Hermes teve que lutar para não ficar envergonhada, pois agora não estava com a euforia de ter acabado de sobreviver a uma possível morte por esmagamento. Talvez o que a estivesse dando forças era o porquê de estar fazendo aquilo. Dessa vez, Evanora não escaparia dela no dia seguinte. Mary não disse uma palavra após pegar Evanora, apenas deu um sorriso mais provocativo e olhou em seus olhos. Aos poucos, Mary foi aproximando o seu rosto da outra, os lábios ficando cada vez mais próximos. Sim, Mary queria outro beijo, um beijo com mais liberdade, sem duas paredes impedindo o seu corpo de fazer outros movimentos. Porém, quando as bocas das duas estavam prestes a se juntar, ela colocou o seu dedo indicador na frente dos lábios de Evanora. - Hoje não. Amanhã. - O sorriso nos lábios de Mary ficou ainda maior. Ali estava a sua intenção desde o princípio: deixar Evanora com vontade. - E não tente roubar um beijo meu quando eu te soltar. Eu sou filha do deus dos ladrões, você não vai conseguir. - Aos poucos, Mary soltou Evanora de sua pegada e afastou-se dando passos para trás. Aquela filha de Hades era ardilosa, Mary não iria dar as costas para ela ainda estando próxima! Ela apenas virou-se quando se encontrou a alguns poucos passos de distância do chalé de Hermes, mas antes que pudesse entrar nele, o chão começou a tremer. Mary não teve onde se apoiar, tão pouco estava esperando um terremoto do nada, era certeza que iria acabar caindo… Pelo menos, era certeza até sentir Evanora a segurar e a dar um beijo no pescoço. A região ficou toda arrepiada e a sensação era diferente de um beijo na boca, mas não menos prazerosa. Na verdade, Mary sentiu que queria muito mais beijos no pescoço, ouvindo Evanora dizer que não deveria ser subestimada. - Pode deixar, eu tomarei mais cuidado. - Disse Mary com um sorriso desafiador no rosto. Após soltar a filha de Hermes, Evanora disse “amanhã”. Espero que seja mesmo um amanhã. Ela pensou, mas nada quis dizer, apenas olhou profundamente nos olhos da filha de Hades, então virou-se para, enfim, entrar no chalé 11.
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Re: Grécia

Mensagem por Evanora K. Volkova Qui Ago 31, 2023 11:09 pm


O Labirinto Mágico do Minotauro
Outra missão a Poseidon
Chalé 13:

O mundo dos sonhos ainda permanece como uma descoberta intrigante para Evanora. Ou lembrar-se deles, ao menos, ainda é uma novidade. Despertar e imediatamente recordar os detalhes do que sonhou, sentir a persistência dessas memórias e depois lutar para voltar a dormir, intrigada ou incomodada com alguma situação vivida nos sonhos, tudo isso é uma experiência quase inédita. Ela nunca foi de sonhar, ou de dar atenção e importância suficiente para ficar se recordando das histórias e situações criadas pelo próprio cérebro em estado de repouso. No início, pensava que todos dos quais se lembrava tratavam-se de premonições, ou possíveis recados dos deuses. Quando Betsy Ross entrou em sua vida, porém, a recorrência da filha de Hermes neles a fez tentar encontrar outras explicações, cada uma delas bagunçando ainda mais tudo que Evanora pensava saber sobre si mesma.

Por isso, quando ela avistou a loira, não sentiu nada fora do comum num primeiro momento. Não explorou os arredores ou tentou discernir claramente o contexto do sonho. Seu foco era um só: a filha de Hermes. Evanora avançou em sua direção com passos lentos, os olhos fixos nela, até perceber que algo estava diferente no comportamento da loira, algo que não condizia com as experiências habituais em seus sonhos. Foi quando a filha de Hades parou, observou atentamente os gestos e expressões dela, e finalmente dirigiu seu olhar ao redor, dando-se conta da presença de inúmeras armas e artefatos dispostos pelo ambiente, que lembrava muito um dos cenários explorados por elas durante a missão em busca do tesouro de Poseidon. Um discreto sorriso surgiu nos cantos de seus lábios ao notar, entre os corais de uma réplica imaginária da Praça das Conchas de Atlântida, o machado de Crusto. E foi o chamado de Ross que quebrou o estado de quase transe em que Evanora estava prestes a mergulhar enquanto se lembrava da satisfação sentida ao matá-lo. A filha de Hades franziu o cenho e teve o ímpeto de dizer algo à loira, mas em seus sonhos Evanora jamais proferia uma única palavra. Ela apenas agia. E além disso, neles a loira não costumava desfrutar de muito tempo livre, da forma como estava, com as mãos liberadas para tocar onde bem entendesse.

Antes mesmo de ouvir da própria filha de Hermes que aquele não era um sonho comum, Evanora soube que havia algo estranho. Soube antes mesmo que uma cena inesperada se desdobrasse bem diante delas: A cena de um homem enfrentando uma criatura, e não uma criatura qualquer. Evanora estreitou os olhos levemente, mas não precisou de muito tempo para identificar que o monstro na cena, híbrido, de corpo humano e cabeça de touro, tratava-se do famoso Minotauro. E seguindo a lógica, aquele que acabava de derrotá-lo só poderia ser Teseu. O que não ficou claro para a filha de Hades inicialmente, contudo, foi o motivo de estarem ela e Betsy Ross sendo espectadoras de um dos mitos mais famosos da mitologia grega durante um sonho incomum. Mas não demorou para que a resposta se apresentasse às duas.

As palavras proferidas pela voz imponente e familiar de Poseidon foram diretas, sem qualquer cerimônia. Ele precisava dos restos mortais do Minotauro, e para satisfazer a ânsia e ambição de tê-los em suas mãos antes que outros o fizessem, ele acabava de encarregá-las de ir até o Labirinto, em Creta, resgatá-los. Os punhos de Evanora cerraram-se e ela respirou profundamente, esforçando-se para conter a irritação que a consumiu. Não deu muita atenção, naquele momento, ao fato dele dizer que odiava ser enganado, nem tentou destrinchar o significado de suas palavras. Naquele momento, ela só pensou no quanto o achava fraco por enviar duas semideusas para satisfazer uma de suas vontades. A ideia de possivelmente tornar-se uma deusa e ainda assim depender de terceiros, (principalmente adolescentes) para realizar seus desejos, em nada agradou Evanora. Ela jamais faria algo do tipo. Mas depois da missão envolvendo o Tesouro do Oceano, Poseidon as conhecia suficientemente bem para confiar na capacidade que possuíam de conseguir, ou foi o que suas últimas palavras deram a entender. E Evanora concluiu que obter a confiança de um deus não era tão atrativo quanto podia parecer.

A filha de Hades despertou, sem qualquer aviso, instantes depois, abrindo os olhos de volta à escuridão do chalé 13. Evanora preferia os sonhos em que acordava levemente eufórica, e não irritada. Mas que escolha elas tinham? Como na primeira vez, tinham sido escolhidas para cumprirem juntas uma missão, e embora a filha de Hades não tivesse muito medo das consequências que uma recusa acarretaria, era incapaz de deixar Betsy Ross correr o risco. E foi pensando na loira que ela respirou fundo, sentou-se na cama passando a mão pelos cabelos soltos, levantou-se e foi até o banheiro lavar o rosto. Após vestir uma roupa simples, mas apresentável, aguardou, com as costas encostadas na porta do chalé de seu pai, e os braços cruzados, pela chegada da loira que ela sabia que logo apareceria.

Avistar a filha de Hermes ainda à distância, aproximando-se lentamente, a fez se lembrar da promessa que as duas tinham feito uma à outra. Evanora prometera, logo após beijá-la, que as duas conversariam no dia seguinte, mas aquilo nunca aconteceu. Por um instante, ela sentiu falta do cumprimento espontâneo, alegre e sorridente feio pela loira enquanto esta ainda achava que as duas estavam em um sonho comum. A ideia de Ross, mesmo que apenas em seus sonhos, sentir aquela alegria ao vê-la causava estranhamento em Evanora, mas ao mesmo tempo inquietava algo em seu interior. Algo que ainda não estava totalmente ao alcance de seu entendimento. Mas ali, no mundo real, a filha de Hermes não a cumprimentou. Suas primeiras palavras foram diretamente sobre a missão, mais precisamente sobre como as duas se deslocariam até Creta para satisfazer a vontade de Poseidon. O posicionamento da filha de Hermes contra uma viagem de navio fez Evanora, surpreendentemente, soltar um riso muito curto, discreto, quase inaudível, e balançar a cabeça “Você não precisaria de um navio, Ross. Até onde me lembro, você poderia fazer a viagem muito mais rápido que um…”. Seu olhar direcionou-se até as pernas da loira, na tentativa de fazê-la entender exatamente o que estava mencionando. Evanora ainda guardava lembranças da filha de Hermes como sereiana. Mas tão rápido quanto surgiu, qualquer resquício de riso ou sorriso desapareceu de seu rosto “Mas Poseidon quer que façamos isso juntas outra vez, e infelizmente eu te atrasaria, então… Acho que teremos que arriscar o avião”. Não era um método muito seguro, especialmente para filhos de Hades, mas de novo… Que escolha elas tinham?

[...]

A Caminho de Creta:

Desde a sua primeira viagem de avião, partindo da Rússia em direção aos Estados Unidos, Evanora nunca teve medo. É verdade que nunca foram viagens tranquilas. Por ser filha de quem é, turbulências sempre foram inevitáveis, e um grande número delas. Porém, estas nunca chegaram a incomodá-la de forma significativa, pelo contrário. Por vezes chegava a ser até cômico para a filha de Hades, assistir as pessoas ficando tensas e apreensivas, clamando pela proteção das divindades nas quais acreditavam. Durante a viagem aérea feita na companhia de Logan e Via, em sua primeira missão, assistir a preocupação dos pobres passageiros que mal compreendiam a dimensão do perigo que corriam foi seu melhor passatempo. Entretanto, a jornada rumo a Creta foi uma exceção.

A cada nova turbulência e aviso do piloto para apertar os cintos, Evanora respirava fundo, impaciente, contraía o maxilar, cerrava os punhos, e torcia para que a viagem acabasse logo. Um observador atento perceberia claramente seu desconforto. Talvez presumisse que, como a maioria dos passageiros, ela estava enfrentando um medo avassalador. No entanto, a origem do desconforto de Evanora não residia no temor por sua própria vida. Surpreendentemente, era a vida de Betsy Ross que a afligia. Era uma sensação estranha, nova e nada comum, temer pela vida de alguém. Durante a maior parte do tempo, ela não temia nem mesmo pela própria vida, então por que estava tão inquieta com o risco que a loira corria a cada nova turbulência? A resposta era relativamente simples. A numerosa quantidade de turbulências só estava ocorrendo por conta da presença dela a bordo. Se a filha de Hermes estivesse sozinha, as turbulências talvez não fossem tão frequentes. Porém, a loira estava sendo obrigada a compartilhar o avião com uma filha de Hades, era isso que deixava Evanora tão agitada e irritada. Sentir-se responsável pelo afastamento e desaparecimento de Andrei, ainda em sua infância, havia sido doloroso. Ela não desejava reviver essa sensação, não queria carregar o fardo de ser a possível causa de um acidente aéreo fatal envolvendo Betsy Ross. E tudo por culpa dele, seu progenitor divino.

Quando a voz da loira quebrou o silêncio entre as duas, Evanora remexeu-se incomodada em seu assento, e ignorou completamente o tom descontraído usado por ela, que provavelmente só estava tentando criar um clima um pouco mais leve para o restante da viagem. Infelizmente, a filha de Hades não estava com cabeça, naquele momento, para qualquer tipo de brincadeira, e a ideia de precisar ser salva, outra vez, a deixou ainda mais incomodada "Ao invés de estar pensando em como me salvar, Ross, talvez devesse pensar mais na sua própria sobrevivência". Evanora resmungou entre dentes com um tom rabugento. Em seguida, expirou audivelmente, tensa "Devíamos ter comprado passagens para aviões de horários diferentes". Passou uma mão pelo cabelo, e enfim virou-se para encarar seriamente a loira "Não era para você estar correndo tanto risco". Apesar de seu tom cheio de seriedade, porém, Betsy Ross continuou insistindo no tom brincalhão, com aquela língua afiada capaz de completar o combo com um desafio que fez Evanora morder as bochechas internamente e apertar as mãos uma contra a outra enquanto virava o rosto e fuzilava a parte posterior do assento da frente com o olhar. Mas as palavras dela acabaram por deixá-la pensativa. Um coração... Evanora sabia que tinha um, no sentido biológico com certeza o tinha, não estaria viva se não o tivesse. Mas no sentido simbólico, lúdico, figurativo... Não, ela não acreditava que tinha um. Como poderia ter, após enganar outra criança da sua idade, no abrigo, para que esta usasse alvejante para lavar o próprio olho? Como poderia ter, após amarrar muito apertado e prender com um nó cego, uma linha no dedo indicador de uma das garotas, interrompendo a circulação enquanto esta dormia profundamente após ter tomado um remédio pensando que era bala, tudo para que ela despertasse com o dedo roxo, escuro e dormente e jamais pudesse contar com ele novamente para tocar piano após desmerecer o talento de Evanora com o instrumento? Nunca houve qualquer arrependimento por suas ações, apenas satisfação. E havia ainda as palavras de Tatiana: “Zlaya devushka”... Ela imediatamente balançou a cabeça, afastando a lembrança "Não tenho, Ross. Eu nunca soube o que é ter um. Você se assustaria com o que tem aqui dentro". Tentou outra vez demonstrar a verdade do que dizia com a seriedade de seu olhar, preso no da loira, mas preferiu quebrar a tensão em seguida, referindo-se ao desafio feito por ela minutos antes "E experimente tentar me impedir, ostryy yazik". As palavras seguintes de Ross, no entanto, a calaram, em partes por terem-na surpreendido, e em partes por terem-na irritado ainda mais. Era impossível negar que a possibilidade da loira de fato querer se assustar, de fato querer continuar se aproximando de Evanora, não importando quão assustador fosse, remexia algo bom dentro dela. No entanto, a falta de noção de autopreservação era no mínimo preocupante.

Apesar da ambiguidade em seus pensamentos, a filha de Hades sustentou o olhar de Ross, mesmo sem ter algo a dizer. E sentiu-se menos tensa ao poder, enfim, responder uma pergunta sobre a qual tinha segurança e propriedade para falar, algo que enfim não tinha a ver consigo mesma. Betsy Ross queria saber como elas poderiam encontrar o Labirinto em uma ilha tão grande como Creta. "Já tenho uma ideia sobre isso”. E de fato o tinha. Não era novidade que os livros, desde a infância da filha de Hades, foram muitas vezes a única companhia que ela se permitia ter. Logo pela manhã, após deixar a loira responsável por informar Héstia sobre o sonho das duas e conseguir as passagens de avião, já que preferia se abster da parte que exigia maior comunicação, Evanora foi até a biblioteca do acampamento e estudou mais profundamente sobre o mito do Minotauro. Assim como muitos da mitologia, livros diferentes abordavam o mito de formas diferentes, mas no fim, todos se complementavam para formar a história completa. E a filha de Hermes parecia disposta a ouvi-la.

“Após a morte do pai, os príncipes Minos, Radamanto e Serpedão iniciaram uma disputa pelo trono. Graças a uma promessa feita ao deus dos mares, foi Minos quem acabou saindo vitorioso. Ele deveria sacrificar um touro especial em honra a Poseidon, um touro dado pelo próprio deus, em troca do que tanto desejava". Evanora precisou concordar mentalmente com o comentário rápido de Ross. Era de fato um preço baixo a ser pago, era simples, e mesmo assim… "Minos não cumpriu a promessa. Ele não honrou Poseidon, e deixou-se levar pela vaidade. Guardou o touro para si mesmo, e expulsou os irmãos de Creta", e por isso, Evanora o achava um grande tolo "É claro que Poseidon não ficou feliz. Ele pediu a Afrodite que lançasse uma maldição contra Pasífae, a esposa de Minos". A filha de Hades imaginou se a loira se perguntaria por que punir a esposa, ao invés de punir o próprio Minos "Como Pasífae costumava afirmar com frequência que era mais bonita que a deusa, não foi muito difícil convencer Afrodite a lançar a maldição. A vontade ela já tinha, faltava só um bom motivo". Evanora revirou os olhos discretamente "A maldição foi Pasífae se apaixonar pelo touro. Mas seria difícil ele corresponder e ter algum interesse por ela...". Nesse momento, se reparasse bem, a filha de Hermes poderia perceber uma discreta expressão de nojo no rosto de Evanora "Por isso, ela pediu a dois excelentes artesãos, Dédalo e Ícaro, para construírem uma vaca de madeira. Uma vaca na qual ela entraria dentro para enganar o touro. E… Deu certo. Ela conseguiu satisfazer sua luxúria, e acabou dando luz ao Minotauro". Evanora poderia chegar a sorrir com a reação de Ross naquele momento, se fosse comum ela sorrir "Mas Minotauro é o nome que ficou conhecido depois. Pasífae, nos primeiros anos de vida dele, o nomeou Astério. No início ela conseguia cuidar dele, mas conforme crescia, ele foi se tornando cada vez mais agressivo e sedento por carne humana. Por isso, Minos pediu a Dédalo e Ícaro que construíssem um labirinto abaixo de seu palácio, escondido, onde o Minotauro ficaria preso". Não era difícil imaginar que talvez fosse melhor para o próprio Minos deixá-lo bem escondido. Ela estava finalmente perto de onde queria chegar contando a história "Na mesma época em que o labirinto estava sendo construído, Minos estava em guerra contra Atenas, pois os atenienses mataram um de seus filhos. Eles acabaram derrotados por Creta, e como punição, deveriam enviar ao castelo de Minos sete moças e sete rapazes todos os anos. As sete moças e os sete rapazes eram colocados no labirinto, onde serviam de alimento e diversão para o Minotauro. E é isso o que nos interessa saber". Ainda faltava boa parte da história, como Teseu entrava nela e derrotava a criatura, por exemplo, mas o que ela contara até ali era o suficiente para responder a pergunta de Ross. A filha de Hades olhou para a loira, perguntando-se se esta chegaria à mesma conclusão em que ela também chegou, ainda na biblioteca. E apesar de não demonstrar com expressões acentuadas em seu rosto, ela sentiu certo orgulho quando a filha de Hermes foi certeira. A localização do labirinto era conhecida, no palácio do rei Minos "Palácio de Cnossos, como é conhecido hoje. Um dos maiores sítios arqueológicos da ilha de Creta, e aberto a visitação". Precisou concordar com as palavras seguintes de Ross. Definitivamente seria bem mais fácil que encontrar Atlântida.

[...]

Evanora não esperava que a experiência de passar uma noite em um aeroporto fosse ser tão interessante. Talvez para a maior parte das pessoas, desacostumadas a passar grandes períodos sem nada a fazer, fosse quase um pesadelo. No entanto, para alguém como Evanora, tão familiarizada com o tédio, não era um incômodo fora do comum. As pessoas se surpreenderiam com a quantidade de coisas que é possível aprender e observar em um período longo de tédio, principalmente em um ambiente de aeroporto, com tantas pessoas de lugares e culturas diferentes passando de um lado para o outro, com comportamentos distintos, vestimentas distintas, variados tipos de bagagem, etc...

Enquanto Ross, como de costume, realizava a parte que Evanora jamais realizaria e conversava com atendentes de lojas e alguns guias turísticos, em busca de informações importantes, a filha de Hades aproveitava para reparar naquilo que normalmente quem precisa ter a preocupação de soar educado e pensar no que responder quando o outro termina de falar, acaba não reparando. Notou a existência de alguns mapas e folhetos divulgando excursões a pontos turísticos, e discretamente triangulou o olhar entre eles e Ross, sabendo que a loira certamente entenderia o recado. Enquanto isso, aproveitou para checar também os arredores, afinal, semideuses nunca estão seguros, não importa onde estejam, e ela não queria deixar sua companheira de missão ser pega desprevenida.

Felizmente, a capacidade social da filha de Hermes foi suficientemente capaz de conseguir vários dos panfletos turísticos e mapas contendo informações importantes sobre Creta, seu sítio arqueológico e consequentemente, o Palácio de Cnossos. Evanora gastou vários minutos olhando atentamente para cada imagem contida nos papéis, tentando memorizar o que encontrariam no outro dia pela manhã, quando enfim partissem em busca do Labirinto. Era melhor que fosse uma busca já previamente planejada, e não totalmente improvisada.

Ela só dormiu quando foi vencida pelo cansaço. Antes disso, quase como se estivesse contando uma história de ninar, falou mais para a loira sobre o mito, principalmente sobre Pasífae ser uma grande feiticeira, e sua relação com Circe. Assistiu Betsy Ross dormir por bastante tempo, e continuou estudando os mapas, mantendo os olhos e ouvidos atentos a qualquer movimentação estranha, vigiando madrugada adentro, querendo garantir, mais que sua própria segurança, a segurança da filha de Hermes.

Sítio Arqueológico de Cnossos:

Pela manhã, Evanora apreciou, mesmo sem qualquer demonstração externa em seus gestos, expressões ou fala, testemunhar, outra vez, a empolgação de Ross observando cada canto do sítio arqueológico de Cnossos. Não chegava a ser o mesmo brilho no olhar exibido em Atlântida, mas ainda assim, o interesse dela por cada detalhe era quase… Encantador, para a filha de Hades. Felizmente, não era uma empolgação quase infantil e inconsequente, como a apresentada na Praça das Conchas, e Evanora agradeceu que pudesse estar atenta aos sinais da localização do Labirinto sem perder Ross de vista. Mas além disso, outra sensação incomum tomou conta da filha de Hades. Apesar das duas estarem ali por um objetivo específico - diferente dos demais turistas que passeavam pelo sítio apenas para conhecer, tirar fotos, ver ao vivo o que restava da história contada nos livros, por um momento foi possível se sentir como um deles. Por um momento, Evanora foi capaz de se sentir apenas uma turista que realizava o desejo de conhecer um local histórico, conhecer uma parte do mundo, e só precisava se preocupar em aproveitar o passeio e tirar fotos.  Por um pequeno instante, ela se permitiu imaginar como seria estar no lugar daquelas outras pessoas que passavam por elas. Como seria viver uma vida… Normal. Comum… E não apenas no sentido de ser uma mortal, ao invés de uma semideusa. Por um pequeno instante, ela se permitiu imaginar como seria ter uma família… Uma mãe comum, um pai comum. Uma mãe afetuosa, um pai que não desaparece sem mais nem menos. Como seria não ter pensamentos e vontades tão obscuras, como seria conseguir se comunicar com os demais com facilidade? Mas foi um instante muito curto, pois no momento em que Ross chamou sua atenção para alguns desenhos entalhados nas ruínas de duas colunas, ela logo foi trazida de volta à realidade, e quase fez uma careta para si mesma por ter se permitido ir tão longe em pensamentos.

Os desenhos nas ruínas mostravam o que evidentemente era um labirinto, não havia qualquer dúvida quanto a isso. Elas definitivamente estavam no caminho certo, tinham encontrado a pista certa. Porém, inicialmente nenhum caminho se apresentou. Evanora desconfiou que fosse algum efeito da Névoa, não seria interessante que os mortais pudessem ver e encontrar a entrada para o Labirinto com facilidade, e por vezes semideuses também acabavam tendo dificuldade em enxergar através dela. Mas as duas continuaram insistindo, caminharam diversas vezes em volta das colunas, até que finalmente uma escada se apresentou, escada esta pela qual elas tinham passado reto inúmeras vezes sem perceber. O comentário de Ross, falando sobre Pasífae ter sido uma feiticeira poderosa, fez Evanora curvar levemente os lábios em um sorriso, que ela nem tentou esconder. A filha de Hades assentiu com a cabeça e olhou para a loira “Você é uma excelente ouvinte, ostryy yazik.

Dentro do Labirinto:

Quanto mais elas desciam os degraus, mais escuro ficava. A luz do lado de fora não as acompanhou pela passagem, mas Evanora nunca teve medo das sombras, ou da escuridão, portanto não sentiu qualquer incômodo, até porque o bronze de sua faca iluminava um pouco o caminho. Betsy Ross, contudo, não demorou a abaixar-se e remexer sua mochila em busca de uma lanterna, fazendo Evanora lembrar-se do quanto a subestimara, antes que as duas saíssem na viagem em busca de Atlântida, achando que a loira esqueceria as passagens de ônibus fornecidas por Héstia. Ela certamente tinha coisas naquela mochila que a filha Hades jamais se lembraria ou daria importância em levar. E a loira, como se lesse seus pensamentos, fez justamente um comentário, logo em seguida, sobre os filhos de Hermes estarem sempre preparados “Disso eu não duvido, Ross”.

Ao final da escadaria, as duas viram-se então em um longo e aparentemente infindável corredor. Felizmente, a lanterna de Ross permitia que as duas pudessem enxergar alguns detalhes, como o quanto as pedras já estavam gastas pelo tempo, e qualquer obstáculo que se apresentasse a certa distância à frente, ao alcance da luz. Após um certo tempo de caminhada, depararam-se com uma bifurcação. Como na Caverna de Cristal, na missão que as duas realizaram juntas a Afrodite, Evanora deixou que a loira guiasse o caminho e fizesse a escolha na primeira vez, mesmo sabendo que a magia do labirinto com certeza não permitiria que as habilidades natas das duas em se localizar com facilidade, Ross por ser filha de Hermes e Evanora por estar abaixo da terra, funcionassem corretamente. Seria muito fácil se fosse assim, e estava longe de ser a intenção de quem o criou, o que ficava comprovado quando, por diversas vezes, as duas acabavam seguindo por um caminho que levava a um beco sem saída, obrigando-as a voltar para trás e escolher outro rumo. Mas até então, nada fora do comum para um labirinto. A primeira coisa fora do comum que elas encontraram, foi um buraco quadrado no chão. Era possível enxergar que havia uma escada que permitiria que elas descessem, mas por um instante, as duas só pararam, olhando-o. Evanora respirou fundo, com certa apreensão, novamente, pela loira, e não por si mesma, mas, mais uma vez… “Que escolha nós temos?”, foi a pergunta retórica que ela usou como resposta para o falso entusiasmo da filha de Hermes, dando de ombros. Era um sinal de progresso, afinal, por mais que continuar escolhendo entre bifurcações parecesse mais seguro que descer outra escadaria rumo à escuridão. Mas Evanora sabia que a ideia de segurança era ilusória.

Contra a vontade da filha de Hades, foi Ross quem desceu primeiro, com a lanterna na boca. Evanora quase a segurou pelo ombro, impedindo-a e tomando a frente, mas aquilo provavelmente só a faria se sentir desafiada, o que certamente resultaria nela realizando ações impulsivas e descuidadas mais à frente, quando algum outro perigo mais grave poderia se apresentar, então ela preferiu evitar e seguir, carrancuda, atrás. Felizmente, nada perigoso se apresentou. Infelizmente, guiar-se pelo labirinto só tornou-se mais e mais difícil a partir daquele ponto, visto que a cada novo passo ele se tornava mais e mais complexo, com mais corredores, fossos, outras escadas que levavam a outros andares. Evanora duvidava muito que, caso elas tentassem fazer o caminho de volta, seriam capazes de se lembrar dele. Escolher o caminho que poderia ou não ser o correto, depois de um tempo, acabou sendo algo quase aleatório, talvez intuitivo, mas que não poderia ser demorado, ou elas perderiam meses de vida ali dentro.

O silêncio, que já durava vários minutos, pareceu incomodar Betsy Ross, então foi ela quem o quebrou. Evanora se esquecia com frequência de que, apesar de ter sido capaz de passar um ano inteiro sem verbalizar uma única palavra, e vivido seis anos antes deste falando pouquíssimas delas em geral, a filha de Hermes, diferente dela, gostava de conversar. Ela mordeu as bochechas internamente, tentando esconder seu incômodo com o tema. De fato, a última interação das duas dava a impressão de que ela estava devendo uma conversa à loira. Entretanto, era uma conversa para a qual ela não tinha muito o que dizer. Passara muitos dias no acampamento pensando no que acontecera, no encontro trágico com Hades, no beijo que dera em Ross sem pensar muito, deixando-se ser impulsiva. Porém, não tinha uma espécie de definição ou significado para ele. Não teria uma resposta se Ross perguntasse o porquê daquele beijo. Ou tentava se convencer de que não tinha. Mas a filha de Hermes escolheu fazer uma provocação, ameaçando capturá-la e amarrá-la, e Evanora ergueu o olhar para encará-la, não permitindo que ela continuasse o caminho quando esta lhe deu as costas como se não tivesse dito nada demais. Com o sangue fervendo, a filha de Hades segurou a loira pelo punho, impedindo-a de prosseguir, e encurtou a distância entre as duas enquanto analisava atentamente sua reação, o sorriso no rosto dela intensificando sua irritação “Tente, Ross…”, ela desafiou de volta, com a voz grave e o sotaque pronunciado “Seria no mínimo divertido te assistir tentar”. Diminuiu o volume, falando mais baixo, um tom mais ameaçador. Antes que a filha de Hermes pudesse encontrar algo para responder com sua língua afiada em seguida, porém, Evanora, rapidamente e sem aviso, segurou o outro punho da loira, colocando os dois para trás das costas dela, deixando o corpo e o rosto das duas muito próximos pela posição “É você quem gosta de ser capturada e amarrada, Ross, não se engane”. E tão rápido quanto a prendeu, soltou-a novamente, se afastando, tentando interromper bruscamente o calor que começava a tomar seu corpo “E eu ainda não sei o motivo de você ter entrado no meu quarto, não é?”. Era um recado simples e direto: Betsy não tinha direito de cobrar dela uma conversa, ou uma resposta, depois do que fez sem dar qualquer explicação. Evanora fingiu que voltaria a seguir seu caminho, mas virou-se para a loira uma última vez, querendo mostrar que também conseguia ter uma língua afiada “Deveria ter me feito jurar pelo Estige”. Provocou, ignorando a risada curta que escapou da garganta de Ross. De fato, apesar dos dizeres “A gente se fala amanhã” darem a entender que uma conversa ocorreria no dia seguinte, nunca houve realmente uma promessa proferida.

Depois disso, as duas seguiram em silêncio por mais alguns minutos, antes de Evanora se acalmar, respirar fundo, enfiar as mãos no bolso da calça e, mesmo contra a vontade de uma parte sua que gritava lá dentro para que ela continuasse quieta, dizer “Eu não sei o que te falar, Ross…”. Era o que se podia chamar de uma espécie de confissão, e isso por si só era inédito para Evanora. A segunda parte fez a vozinha dentro dela ranger os dentes, mas ela já tinha começado, e iria terminar, por mais que um instinto natural dentro de si se remexesse, agonizante “Não é fácil pra mim. Eu não tenho facilidade em me comunicar”. Ali estava. Evanora acabava de admitir uma dificuldade a alguém, e isso a fez sentir-se ridícula, fraca, patética. Voltando a dar ouvidos àquela vozinha tão antiga dentro de si, ela se calou em seguida, contraindo o maxilar e fechando as mãos em punho. Não diria mais nada. Mas Ross parou. Parou para encará-la, com um olhar tão profundo que fez a filha de Hades sentir-se exposta, e ela odiou a sensação. As pessoas costumavam achá-la indecifrável, e era assim que Evanora se sentia confortável em ser: Indecifrável. Ela enfraquecera sua defesa por um instante, permitindo que Ross tivesse maior acesso, e detestou isso até ouvir as palavras que a filha de Hermes disse em seguida. Não foi um julgamento. Segundo Ross, a comunicação não é feita de sempre saber o que dizer. Segundo ela, muitas vezes não saber diz muito mais. Mas Evanora não levou a sério, não no primeiro momento. Balançou a cabeça negativamente, descrente, e sem olhar diretamente para a loira, perguntou “Mesmo, Ross? Vai me dizer então que ficaria satisfeita em apenas se sentar comigo em algum canto do acampamento, em silêncio, sem trocarmos uma palavra?”. Esperava que, assim como para a maioria das pessoas, isso parecesse uma ideia extremamente desconfortável para a filha de Hermes, principalmente se o que ela queria era falar sobre aquilo”. Mas outra vez a resposta surpreendeu a filha de Hades. E daquela vez, ela ficou realmente sem palavras. Ross respondeu que sim, ficaria satisfeita, se Evanora fosse tão genuína quanto foi ao dizer não saber o que falar. Sinceridade… Sempre foi um termo que não fazia parte do dicionário de Evanora. Mas as últimas palavras a fizeram erguer o olhar para a loira, e remexeram outra parte dentro dela, a que normalmente a fazia sentir o calor tomar seu corpo. Elas poderiam repetir o beijo… Já que beijar não requer uma única palavra. Era impressionante a sagacidade da loira com jogo de palavras. Não era exatamente sobre o beijo que Evanora não sabia o que dizer. Mas de qualquer forma, ela não conseguiu encontrar, naquele momento, qualquer resposta. E elas voltaram a andar em silêncio… Silêncio este que foi quebrado segundos depois por Ross.

E a filha de Hermes tinha razão. De repente, o local onde elas entraram pareceu diferente de tudo que já tinham visto até então. Não era um dos corredores, também não era uma escadaria. Era uma espécie de cômodo, com paredes lisas e não mais de pedra, mas de um material que Evanora não foi capaz de identificar. O que ela identificou, em duas delas, na verdade, foram vários símbolos entalhados, que a fizeram estreitar os olhos e quase automaticamente, por instinto, procurar por algum tipo de padrão. Mas eram muitos desenhos… De animais, monstros, partes do corpo humano, árvores, símbolos… Talvez existisse algum tipo de padrão, só seria complicado conectar os elementos tão embaralhados. Evanora não se surpreendeu quando um som alto de pedra contra pedra ecoou pelo cômodo, e ao olhar para trás, deparou-se com a passagem por onde elas entraram sendo fechada. Algo dentro dela já desconfiava que as duas estavam diante do que seria um desafio do labirinto. Restava saber o que as aguardava.

O que parecia ser um som de inúmeras engrenagens começou logo em seguida, e o corpo de Evanora ficou tenso ao perceber que as duas paredes das gravuras, uma de frente para a outra, passaram a se aproximar, diminuindo o espaço. Foi então que ela entendeu. Se não descobrissem uma forma de fazê-las parar, ou como sair, elas seriam esmagadas. Imediatamente, a filha de Hades ficou inquieta. Seu olhar passeou com ainda mais atenção pelos desenhos, enquanto Ross, pelo contrário, parecia tranquila demais, quase… Confortável. Evanora a encarou, intrigada, por alguns segundos, mas a tranquilidade da loira diante de um espaço tão fechado se fechando ainda mais a cada instante e ameaçando esmagá-la não era o enigma mais urgente a ser resolvido. Outra vez, aquilo acendeu um alerta sobre o senso de autopreservação de Ross, mas Evanora poderia tentar entender ou perguntar sobre aquilo em outro momento. Enquanto continuava procurando incessantemente por alguma resposta nos desenhos, a loira calmamente falava sobre Dédalo, o criador do labirinto, quem o projetou e construiu. E apesar de assentir com a cabeça, confirmando as informações, o que Evanora realmente queria era pedir que ela se calasse e procurasse por algo nos desenhos, se concentrasse. Sim, a armadilha certamente era possível de ser desativada, exatamente porque Minos e Pasífae circulavam pelo labirinto quando precisavam, e sim, as paredes com certeza eram a resposta! Evanora chegou a lançar um olhar urgente à loira, como se dissesse “Sim, Ross! Agora se concentre!”, mas nenhuma palavra saiu de sua boca. A apreensão falava mais alto. Mas foi somente ao ouvir de Ross a palavra “toque”, que sua mente se abriu. É claro, tocar! Aquilo com certeza poderia gerar algum efeito. A preocupação era o que aconteceria caso elas tocassem em um lugar errado…

Cada uma se concentrou em uma das paredes, e foi o desenho de um touro que de repente saltou ao olhar de Evanora. Ela marcou a localização com o dedo indicador quase encostando na parede, e procurou pela existência de outros semelhantes. Se houvesse mais, talvez encontrar todos e tocá-los fosse a resposta. Quando seu olhar captou outra gravura de um touro, diferente da primeira, mas ainda assim um touro, a filha de Hades não hesitou em usar o dedo indicador que marcava a localização da outra para tocá-la, e percebeu que era possível empurrá-la, como se fosse um botão, e foi o que fez. Aquilo gerou um pequeno som metálico, que chamou a atenção de Betsy Ross, e ela rapidamente entendeu o raciocínio. Evanora foi capaz de ouvir quando a loira também encontrou um desenho do animal na sua parede, e assim, juntas, elas passaram a correr contra o tempo em busca de todas as representações do ser sagrado que deveria ter sido oferecido a Poseidon para cumprir a promessa. Por fim, não era um enigma tão complicado, ao menos intelectualmente falando. Era, na verdade, quase óbvio. Porém, a dificuldade era conseguir encontrar cada um dos touros em meio a numerosos outros desenhos, todos muito juntos, o que acabava muitas vezes embaralhando a vista e a mente, já que não era possível fazê-lo com muita calma. Cada milésimo de segundo importava, e o espaço àquela altura já estava pela metade "Gavno!", resmungou Evanora, em russo, frustrada com a forma como seu próprio corpo, devido à pressa, respondia com pouca precisão. Os olhos por vezes demoravam a encontrar a gravura que procuravam, aumentando a urgência, e a mão, por sua vez, tremia, tornando tudo ainda mais frustrante.

A primeira vez que seu ombro esbarrou no de Ross durante a rapidez de seus movimentos, andando de um lado para o outro da parede, ela expirou audivelmente tentando aliviar a tensão. Já restava ainda menos espaço, elas logo teriam dificuldade, além de encontrar os touros, de se movimentar com a mesma liberdade para chegar até eles e apertar os botões. Tudo só se tornaria mais difícil a partir dali, e foi o que de fato ocorreu. Evanora respirou mais profundamente, buscando pelo máximo de calma que era possível. Sua maior preocupação não era ser esmagada pelas paredes, era que a filha de Hermes fosse. O que aquilo dizia sobre o seu próprio senso de autopreservação também? Naquele momento ela não teve sequer um milésimo de segundo para pensar sobre. Em poucos minutos, as duas logo estavam ofegantes, pelo esforço de continuarem se movimentando com seus próprios corpos sendo obstáculo uma para a outra, e pelo desespero que já começava a bater. E se não desse tempo? Evanora não queria imaginar o que seria se não desse tempo e ela precisasse assistir Betsy Ross sendo esmagada... Pouco importava que no processo ela também fosse acabar esmagada pelas paredes.

Após só conseguir apertar um dos botões ao esticar os pés para alcançar o desenho, ela se virou de frente para Ross, e foi o último movimento que conseguiu fazer antes de ficar praticamente imobilizada. O espaço as obrigava a quase se abraçarem, não era mais possível dar um passo ao lado para alcançar qualquer botão que estivesse mais distante. E para desespero das duas, as paredes ainda não tinham parado. Ainda faltava algum botão, mas onde? Evanora apreciou ter o corpo de Ross tão rente ao seu, mas seu coração batia acelerado de preocupação e de urgência. E para sua satisfação, seu olhar, naquele momento, não decepcionou. Suspeitou que ter a filha de Hermes tão perto, senti-la, era o que faltava para um resquício de calma se fazer presente e permiti-la ver um dos touros que passara despercebido por Ross, do seu lado da parede, ao alcance de sua mão se conseguisse esticar o braço o suficiente "Achei", foi a palavra curta, simples e rápida que escapou por sua boca, num tom ofegante e baixo, enquanto ela estendia o cotovelo para empurrar o que com sorte seria o último botão. Houve um instante de expectativa. Outra vez as duas ouviram o som metálico, e então, para alívio de ambas, as paredes pararam.

O alívio percorreu cada centímetro de Evanora, e junto a ele, manifestou-se uma euforia. A euforia inebriante de ter sobrevivido, após uma situação desesperadora de risco. Seu coração batia forte e acelerado, comprovando que a vida continuava pulsando em suas veias. A respiração, pesada, o acompanhava. Cada célula parecia vibrar com energia renovada, uma corrente elétrica que a percorria, deixando a pele arrepiada, os músculos quase relaxados, liberando uma onda de tensão acumulada, e os sentidos aguçados. A presença de Betsy Ross, tão colada a seu corpo, intensificava tudo. Evanora começou novamente a sentir o calor, que vinha se tornando tão familiar quando estava perto da loira, mas que ao mesmo tempo era um estranho, inundando-a. Seu olhar ficou preso ao de Ross, e ela não sentiu vontade de desviar. Não sentiu vontade de se afastar, a vontade que começava a dominá-la era outra, mas uma para a qual ela não sabia se devia dar ouvidos. Quando os olhos da filha de Hermes desviaram dos seus para verificar quão próximas elas estavam, Evanora contraiu o maxilar, controlando seu anseio de encurtar de uma vez por todas a pouca distância que ainda as separava e repetir o que fizera logo após a chegada delas no acampamento, na missão anterior. Precisou de toda sua força de vontade para não responder a seus anseios, e a euforia tornava tudo mais difícil, porque a instigava. Porém, quem realmente complicou ainda mais as coisas foi a própria filha de Hermes, com uma revelação repentina e, para Evanora, inesperada.

Como se quisesse acender o pavio de uma bomba prestes a explodir, Betsy Ross aproximou seu rosto do ouvido da filha de Hades para dizer que imaginava coisas com ela. Naquele momento, Evanora também precisou fechar as mãos em punho, impedindo-se de tocar a filha de Hermes. Não que houvesse muito espaço para que isso acontecesse, mas ainda assim, ela quis garantir. Sua respiração ficou um pouco mais lenta, como se a qualquer instante o ar fosse ficar preso em seus pulmões. O calor se intensificou enquanto Ross continuava, revelando que após os acontecimentos do arsenal, Evanora não saía mais da sua cabeça. Era um pensamento tão… Inconcebível, para a filha de Hades, não sair da cabeça de alguém. Era tão inacreditável que alguém dissesse com todas as letras que não parava de pensar nela… Ela que a vida toda distanciou as pessoas, assustou-as ao ponto de evitarem até passar perto dela. Ela que, após ser rejeitada pela própria mãe, abandonada pelo único que um dia ofereceu-lhe algum afeto, não tinha qualquer pretensão ou expectativa de estar nos pensamentos de alguém. Ela que tanto se acostumara a ser sozinha, teve dificuldade em acreditar nas palavras de Ross. Mas mesmo assim o calor continuou presente, pois, mesmo refreando-se todas as vezes que podia, Evanora queria fazer coisas com Betsy Ross. E saber que a loira tinha vontade que ela de fato as fizesse, atiçou uma parte dentro dela que até então a filha de Hades tentava ao máximo manter adormecida.

Ofegante, após a filha de Hermes terminar de falar, Evanora nada respondeu, ao menos nos primeiros segundos.  Ela continuou olhando para a loira, absorvendo o que havia sido dito, uma parte tentando acreditar que fosse verdade, outra desconfortável que o fosse. Ross não sabia, não tinha noção de onde estava se metendo. Não poderia saber, ou então já teria se afastado, como tantos outros. Ela não fazia ideia de quão obscura podia ser a mente de Evanora, e quão graves suas ações conseguiam ser. Não sabia o verdadeiro risco que corria querendo se manter perto de alguém tão instável como Evanora, este era o único motivo plausível, para a filha de Hades, para que a loira pensasse que estava tudo bem revelar aquilo, pedir que os pensamentos de Evanora fossem de fato realizados. Não… Ela precisava saber, ter certeza de onde estava querendo se meter "Ross... Aquele dia no arsenal... Eu ameacei cortar você. Eu ameacei te cortar com uma adaga e deixar o sangue escorrer, ameacei te marcar, e eu realmente queria fazer isso. Você entende? Quando te levei lá, eu de fato pretendia te machucar, porque estava furiosa com você. E eu estava gostando. A ideia de te machucar foi… Satisfatória para mim, naquele momento". Explicou com cuidado, escolhendo cada palavra para fazê-la entender e prestar atenção na verdade contida em cada uma delas "É isso o que eu sou. Eu já fiz coisas piores com pessoas que me irritaram, e isso me satisfaz". Foram as reações amedrontadas de Ross, naquele dia, que a fizeram parar. A ideia de machucá-la pareceu insuportável ao perceber que a loira estava com medo. Mas e se tivesse sido um caso isolado? Evanora respirou fundo, analisando com atenção as reações da filha de Hermes. Sabia que não podia confiar em seu autocontrole o tempo todo. E se em algum momento não conseguisse se controlar? "Eu me mantenho distante de você, porque eu sou... Instável. Posso ter parado naquele dia, mas não tenho como te garantir que pararei uma segunda vez se ficar irritada com você, entende isso?". Aguardou alguns instantes, esperando por uma resposta da loira, mas quando esta não veio, continuou "Você também não sai da minha cabeça, Ross, mas eu tenho lutado contra isso, porque... Minha mente é...". Doentia, foi a palavra que ela se recusou a usar. E sua expressão e voz tornaram-se mais sombrias "Você se lembra do que ele disse... Eu nasci do pior". A palavra "ele", referia-se a Hades, e o que foi dito a ela pelo deus dos mortos no trágico encontro dela com seu progenitor divino. Existia, lá no fundo, uma vontade de provar que ele estava errado, que Tatiana sempre esteve errada, no entanto, havia outra parte de si que sabia que eles estavam certos. Ao menos, Tatiana estava, por pior que fosse, para ela, admitir. Evanora gostava de ser daquele jeito, gostava do que sua mente produzia quando pensava em crueldade, porque era sempre eficaz. Satisfazia-se sendo quem era. Sabia que certas coisas jamais mudariam.

Sem conseguir mais refrear a vontade de tocar a filha de Hermes, Evanora levou a mão ao rosto de Ross, e seu polegar fez movimentos muito leves e suaves, como se a acariciasse "Você quer que eu faça coisas com você, mas não imagina as coisas que eu gostaria de fazer", sussurrou como se travasse uma batalha interna consigo mesma, uma parte querendo ceder em satisfazer a vontade que a loira revelara ter, outra querendo manter-se longe para que tudo aquilo cessasse antes de algo irreversível acontecer. Estava quase convencida de que, ao menos uma vez, a loira levaria suas palavras a sério, no entanto, quando a risada escapou pela garganta dela, Evanora fechou os olhos com força, afastando a mão de seu rosto e fechando-a em punho. As ideias que povoaram sua mente para mostrar de uma vez por todas àquela garota teimosa o que tanto ela tentava avisar, comprovavam que ela estava certa em querer que Ross soubesse onde estava se metendo. A loira queria saber se as pessoas para quem Evanora já fizera pior também tinham recebido tantos avisos "Não, e esse é o único que você…", "vai receber", foram as palavras que Ross interrompeu bruscamente de continuarem saindo entredentes pela boca de Evanora ao ordenar que ela se calasse antes de beijá-la.

Imediatamente, todos os pensamentos obscuros, ideias cruéis e a bagunça barulhenta na mente perturbada de Evanora, se calaram. Como num passe de mágica, enquanto seus lábios se moviam com naturalidade, sentindo os de Ross, e abriam passagem para a língua da loira explorar onde bem entendesse, toda a hostilidade se esvaiu, e seus pensamentos passaram a ter um só foco: A filha de Hermes. Uma calmaria que Evanora poucas vezes experimentava tomou conta de seu corpo, de suas ações, e ela se viu correspondendo aos anseios que já se faziam presentes há tantos dias, se viu correspondendo a intensidade que os lábios de Ross exigiam, tentando ditar o ritmo. O calor inundou-a ainda mais, e sua mente silenciou, dando espaço para o corpo falar por si. O mínimo espaço disponível para elas não permitia que se movimentassem, mas o que mais inebriou Evanora foi como a loira conseguiu silenciar, tão rapidamente, seus rancores, suas mágoas, os pensamentos ruins que tanto a perturbavam todos os dias, o tempo todo. Enquanto beijava Ross, não pensava nos fantasmas do seu passado. Enquanto beijava Ross, não lembrava do olhar desafiador e frio de Tatiana. Enquanto beijava Ross, silenciava a falta que sentia de Andrei. Enquanto beijava Ross, silenciava as imagens que sua imaginação formava frequentemente, da mulher que ela tanto odiava no mundo gritando de dor, consumida pelas chamas. Enquanto a filha de Hermes era seu único foco, todo o restante sumiu, comprovando o que acontecera na primeira vez, só com um breve encostar de lábios. Ross poderia facilmente ser como um remédio para diminuir o barulho de sua mente quando esta a perturbasse demais, se tornar um vício. E em troca, Evanora podia pensar nas muitas coisas que gostaria de fazer, e que a loira revelara querer que fossem feitas. Parecia uma troca justa.

Foi o barulho das engrenagens, movimentando enfim as paredes outra vez, que interrompeu o beijo das duas. Assim que se afastaram, os ruídos dos pensamentos obscuros já voltaram a marcar presença na mente de Evanora, e ela respirou profundamente, endireitando-se e, como de costume, voltando a dar ouvidos a muitos deles. Uma parte de si acionou um sinal de alerta em relação a filha de Hermes: A troca poderia ser justa, mas em demasia, perigosa. Era necessário redobrar a cautela, mas felizmente ela não precisava pensar muito no assunto naquele momento. Trazida de volta à realidade, elas ainda tinham um labirinto a enfrentar em busca dos restos mortais do Minotauro. Evanora não correspondeu ao olhar alegre que a loira lançou-lhe antes de seguir caminho pela saída que enfim se revelou às duas. Sua frieza estava de volta. E foi com seu comportamento de costume que ela seguiu caminho. (Continua no próximo post...)
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Re: Grécia

Mensagem por Evanora K. Volkova Qui Ago 31, 2023 11:11 pm


O Labirinto Mágico do Minotauro
Outra missão a Poseidon
A partir daquele ponto, o labirinto mudou outra vez. Uma frequência maior de caminhos mais fechados, corredores pequenos e algumas curvas e bifurcações, sem mais fossos e escadarias levando para andares acima e abaixo. Aquilo era, provavelmente, um bom sinal de progresso, o que também indicava que possivelmente um novo desafio as aguardava mais à frente. Não passou despercebido, para Evanora, a animação de Ross e a forma como, vez ou outra, ela corava enquanto as duas prosseguiam. Parte da filha de Hades achou interessante assistir as reações da loira, mas aquela que acionara todos os sinais de alerta possíveis insistia que ela focasse apenas no objetivo final: encontrar os restos mortais do Minotauro.

Quando as duas se depararam, após atravessarem um longo corredor, com uma porta dupla impedindo-as de avançar, Evanora respirou fundo, depois de trocar um olhar breve com Ross. Elas sabiam que provavelmente um novo desafio as aguardava. E mais uma vez, a filha de Hades não se surpreendeu com o estrondo que ecoou no corredor atrás delas, e que, daquela vez, foi acompanhado de uma nuvem de fumaça. Assim que a poeira baixou, elas foram capazes de enxergar a enorme pedra que caíra, causando toda a nuvem de pó. Nela, algumas inscrições começaram a brilhar, destacando-se, e automaticamente Evanora se aproximou, curiosa e intrigada com o que poderiam ser. Não foi difícil chegar à conclusão de que eram elementos de uma linguagem. A grande questão passou a ser: Qual? Evanora, estreitando os olhos, se concentrou em tentar identificar alguma semelhança com as que tanto já estudara. Amante das muitas variações de linguagem no mundo, um dos maiores passatempos da filha de Hades, desde a época do abrigo na Rússia, era tentar aprender o maior número possível delas, sozinha, apenas pegando edições em línguas diferentes de um mesmo livro, estudando o uso das palavras, as sequências, as estruturas de formação de frases e expressões comuns. No entanto, para sua frustração, aquelas não se pareciam com nada que ela já havia estudado até então. Quando Ross questionou se ela reconhecia alguma das inscrições, Evanora passou a morder as bochechas internamente, tensa, frustrada, seus olhos procurando desesperadamente por algum sinal, alguma mínima semelhança com qualquer outra linguagem ou alfabeto que ela conhecia. Não era uma grande fã de responder perguntas, mas gostava que fosse uma opção. Gostava de preferir não responder, mesmo sabendo a resposta. Não saber, contudo, a incomodava profundamente. A filha de Hades limitou-se a apenas balançar a cabeça negativamente, mesmo relutante, para a loira.

No instante em que Evanora viu Betsy Ross retirar de sua mochila o que parecia ser um livro, seu olhar imediatamente se fixou nela. Quis perguntar o que era aquilo, mas não precisou, a própria loira explicou que se tratava, para satisfação de Evanora, de um dicionário feito por Hermes, que possuía todas as traduções para todas as línguas e códigos do mundo. Evanora viu-se paralisada por alguns segundos antes de aproximar-se da loira com um interesse genuíno no objeto, seu olhar fixando-se nele. Betsy Ross tinha, em suas mãos, algo que a filha de Hades sempre quis possuir. Ali estava, bem à sua frente, um livro que ela tanto procurara nas diversas bibliotecas que já visitara, sem nunca encontrar. Um dicionário contendo todas as línguas e códigos do mundo? Evanora certamente passaria dias e noites a fio lendo-o, absorvendo o máximo que seu cérebro conseguisse, não faria mais nada além disso por semanas, meses, talvez. A filha de Hermes notou seu intenso interesse pelo objeto, e para alegria de Evanora, entregou-o em suas mãos. A filha de Hades chegou a curvar os lábios em um discreto sorriso, e seus olhos brilharam enquanto ela rapidamente folheava o dicionário em busca de figuras que condiziam com as inscrições na pedra. Foi como dar um doce a uma criança.

“Ross”, Evanora chamou, após vários minutos de estudo do dicionário “Consegui encontrar. É uma linguagem bem… Peculiar, e particular. Imagino que seja usada para alguma espécie de feitiçaria, considerando o que sabemos até agora”. Seu olhar foi até a filha de Hermes, e ela assentiu com a cabeça, orgulhando-se, mais uma vez, da associação rápida que Ross logo fez com Pasífae “Pelo que pude identificar, está escrito: ‘Seu segredo é o meu segredo, o meu segredo é o seu segredo’. Evidentemente um enigma, ou uma charada. Com o humor mais renovado, Evanora conseguiu até mesmo soltar um risinho curto com a espontaneidade dos comentários feitos por Ross em seguida. Ao ouvir a loira dizer que preferia paredes que se fechavam, a curiosidade se atiçou outra vez em Evanora. A filha de Hermes definitivamente tinha certo apreço por lugares fechados, e isso era curioso, de fato. Mas Evanora só notou, enfim, os desenhos presentes logo abaixo das escrituras na pedra, quando Ross, de braços cruzados, sugeriu que a resposta provavelmente tinha a ver com eles. O olhar da filha de Hades direcionou-se imediatamente até as figuras, e seu cenho se franziu em concentração. Felizmente, Evanora apreciava enigmas. Gostava de desafiar sua capacidade intelectual.

Cada uma das pinturas, que pareciam ser bem primitivas, tinha uma representação diferente, e dois conjuntos delas estavam separados por uma linha vertical. Na primeira que Evanora viu, havia uma pessoa em meio a outras, perto de uma casa. Na que se seguia a esta, a mesma pessoa da anterior estava então com apenas duas pessoas, maiores que ela, em uma casa diferente. Na terceira, ela já não estava mais acompanhada, e já não estava mais perto de alguma casa, e sim no que parecia uma cidade, nas ruas, significativamente mais magra e suja. Evanora pensou que se aquilo estava, de alguma forma, contando uma história, era sobre alguém que acabou em situação de rua. Na última, a boca da filha de Hades se entreabriu, e uma luzinha se acendeu em sua mente, como se as peças estivessem prestes a se encaixar. Uma casa estava de volta na quarta pintura, e outras pessoas também, mas a figura presente em todas até então, que antes estava nas ruas, estava atrás de um pano… Um pano que lembrava muito a bandeira dos Estados Unidos. Porém, antes mesmo que Evanora pudesse tentar chegar a alguma conclusão sobre o que estava vendo, Ross começou a falar com uma voz exasperada, e no mesmo instante, como se para calá-la, uma forte enxurrada de água tomou conta do corredor onde elas estavam, jorrando de uma abertura no teto e arrastando com força o corpo das duas até que elas batessem com tudo na porta dupla, no final dele. Evanora sentiu o impacto em suas costas e não conseguiu conter uma careta de dor e um grunhido, o ar ficou preso em seus pulmões e ela não conseguiu puxá-lo por alguns segundos. Quando se recuperou, levantou-se com um gemido baixo, uma mão apoiando a região das costas. A água alcançava sua cintura. Ross, diferente dela, não se levantou, e por alguns instantes, Evanora perguntou-se o motivo, até se lembrar e ver, com seus próprios olhos, a cauda de sereia que se debatia nas águas. É claro… A água a transformara outra vez em sereiana.

Parcialmente recuperadas do susto e do baque nas portas, as duas começaram a voltar na direção da pedra, Evanora em pé enquanto Ross… Bem, enquanto Ross nadava. Quando a filha de Hermes tentou retomar o que estava dizendo, porém, Evanora rapidamente abaixou-se para calá-la com uma mão sobre sua boca, puxando-a para si “Shhh, quieta, Ross! Tente falar de novo, e provavelmente vamos nos deparar com algo pior que a água”. Alertou, mas o olhar indignado e questionador da loira a fez explicar melhor Seu segredo é o meu segredo, o meu segredo é o seu segredo, lembra? Temos que descobrir o segredo uma da outra, segredos que estão representados nas pinturas na pedra. Eu não posso te contar o que é o meu, e você não pode me contar o seu, ou o enigma será desfeito e provavelmente seremos punidas toda vez que tentarmos. Essa água foi uma punição pelo que você tentou me dizer”. Ao perceber que a loira se acalmava, Evanora soltou sua boca. Mas para a pergunta seguinte que ela fez, a filha de Hades não tinha uma resposta concreta, então só deu de ombros. Como aquele lugar sabia os segredos das duas? A resposta certamente estava na origem da magia do labirinto. A expressão visivelmente incomodada no rosto de Ross condizia com o mesmo incômodo sentido por Evanora. Ela não botara reparo nas pinturas que provavelmente eram o seu segredo, não ainda. E tinha o pressentimento de que não ia gostar do que quer que estivesse retratado e a loira precisasse descobrir.

Quando a filha de Hermes sugeriu que ela fosse a primeira, Evanora não hesitou. Pouco antes da água invadir o lugar, ela estava quase juntando as peças do quebra-cabeça, era só retomar o raciocínio. Mas antes, ela precisou observar o conjunto que certamente condizia ao seu próprio segredo. Ela rapidamente entendeu com precisão o que queria dizer, e respirou profundamente, ficando tensa. Eram quatro pinturas, com uma figura maior e outra menor… Ela e Tatiana. Em cada uma delas, a figura maior morria de uma forma diferente… E em todas as formas, a responsável era a figura menor. Queimada, asfixiada, envenenada e soterrada. Eram as quatro formas que ela já se imaginara usando para matar a mulher que mais odiava no mundo, a mulher que se recusava a chamar de “mãe”. Uma irritação tomou conta de seu corpo, acompanhada de certa apreensão, e Evanora mordeu as bochechas internamente e apertou com força o cabo da faca em seu bolso da calça. Se as duas não descobrissem o segredo uma da outra, ficariam presas até a morte naquele corredor, ou morreriam com alguma punição resultante da demora. E Evanora não queria que Betsy Ross soubesse sobre o seu segredo, não queria que a loira o entendesse. Ao menos, uma parte dela não queria. A outra torcia para que, uma vez decifrando-o, a filha de Hermes compreendesse de uma vez por todas o que  ela tanto tentava alertar. Quando esta resolveu que seria um bom momento para fazer um comentário, brincando ao dizer que o segredo de Evanora era… Maquiavélico, a filha de Hades fechou a cara e lançou a ela um olhar sério, repreendendo-a. Não era engraçado. Estava longe de ser.

Tentando desviar sua linha de pensamento, dos obscuros que já começavam a gritar em sua mente, de volta ao segredo que deveria decifrar, Evanora tentou se concentrar no conjunto de pinturas condizentes com o que precisava descobrir sobre Ross. A figura recorrente em cada uma delas só podia ser ela… Na primeira, estava em uma casa, rodeada de pessoas. Em seguida, outra casa, na companhia de duas pessoas. Na terceira… Sozinha, na rua. E na última… Foi quando Evanora se lembrou, e as peças se encaixaram. A bandeira dos Estados Unidos… No dia em que pegaram carona com Theodore, o filho de Hefesto que Evanora teve o prazer de matar, eles conversaram sobre a origem do nome de Ross, e ela explicou que seu nome era como o da mulher que desenhou a bandeira. É claro… Porque a encontraram escondida, enrolada nela, como era mostrado na pintura. Então, aquela era a história de Ross? Primeiro, rodeada de pessoas. Em seguida, somente duas, e depois disso, as ruas… Mas qual seria o segredo? Evanora sabia que a origem do nome não seria um, não era um segredo, até o falecido Theodore sabia disso, e o labirinto não se enganaria. Ela ainda não tinha plena certeza do que exatamente as duas primeiras pinturas queriam dizer. A da casa com diversas outras pessoas não parecia representar o lar tradicional de uma família. No abrigo, Evanora precisou conviver com outras crianças e adultos que não tinham qualquer relação familiar com ela. Talvez fosse isso? Um abrigo, ou um orfanato? E então uma adoção, representada na segunda pintura? Mesmo apreensiva sobre o que poderia acontecer caso errasse, Evanora enfim resolveu arriscar, após um tempo considerável pensando… “Você viveu em orfanatos, e então… Na rua…”. Internamente, antes que Betsy Ross confirmasse seu acerto, ela temeu ouvir outro estrondo ou ser pega de surpresa por alguma outra enxurrada de água, mas o labirinto não precisou puni-la. Ela respondera corretamente. As pinturas na pedra brilharam com mais intensidade, confirmando.

Evanora prestou total atenção em Ross enquanto ela explicava que, na verdade, tinham sido vários orfanatos, e não apenas dois. Disse que foi adotada no primeiro, mas como não deu certo, fugiu de casa e foi parar na rua. Diversos projetos sociais faziam-na voltar para as instituições, mas ela sempre acabava fugindo. Disse que se sentia melhor na rua. Evanora a encarou, intrigada, olhando vez ou outra para as pinturas, acompanhando a sequência do que era dito e estava representado nelas. Muito do que ela estava dizendo, a filha de Hades conseguia entender. Muitas vezes ela pensou em fugir do abrigo, em tentar a sorte nas ruas, mas seria arriscado. E se acabasse esbarrando em Tatiana, ou pior, em alguém que a conhecia? Tatiana não a levaria de volta para casa, Evanora sabia. Mas e se outra pessoa a levasse até ela? Não… O abrigo, apesar de irritante, era seguro. Tinha uma vasta biblioteca, e um piano, o que era confortável o suficiente para a filha de Hades. Quanto a fugir de casa… Nisso ela nunca pensou. Gostava de irritar Tatiana, gostava de desafiá-la, de provocá-la, e sua maior realização era aproveitar o tempo com Andrei quando ele voltava de viagem. Era sua única meta quando criança, ela não imaginava outra alternativa, outra rotina, ao menos até ele não voltar mais. Só descobriu quão melhor era a vida sem aquela mulher horrível quando, enfim, livrou-se dela. Como Evanora já imaginava, no último orfanato por onde passou, Ross foi encontrada escondida enrolada em uma bandeira dos Estados Unidos, enquanto ainda planejava sua fuga, e houve outra coisa com a qual a filha de Hades também se identificou. Ela nunca dizia o seu nome: Mary, e por isso, a partir daquele dia, passaram a chamá-la de Betsy Ross. Ela só revelou seu primeiro nome depois de algumas semanas, quando concluiu que o orfanato era seguro e resolveu que não tentaria mais fugir. Evanora deu um breve e discreto sorriso em resposta à risadinha que escapou pela garganta de Ross. A filha de Hades entendia bem sobre não querer revelar o próprio nome. Diferente da loira, as pessoas do abrigo nunca souberam o seu, mesmo depois de semanas, um ano, oito anos. Ao menos, no orfanato de Ross, eles tentaram nomeá-la. No abrigo, Evanora foi conhecida apenas como “a garota muda” ou “silenciosa” por muito tempo. Nem sequer tentaram fazer alguma associação para criar um nome, e mesmo depois do primeiro ano, quando ela enfim se cansou de ser tratada como muda e disse seu nome, muitos não o usavam. Para alguns, até o dia em que deixou o abrigo, ela continuou sendo “a garota silenciosa”. Evanora descobriu que poderia facilmente passar um dia todo ouvindo Ross falar sobre sua história, e existiam muitas perguntas que queria fazer, mas seu humor voltou a ficar frio e sombrio no instante em que a loira disse ser a hora de desvendar o seu segredo.

Com um suspiro longo, encarando o chão e voltando a apertar o cabo da faca no bolso de sua calça, Evanora resolveu responder algo que possivelmente poderia ser uma dica, se Ross conseguisse interpretar, e que também condizia ao que ela gostaria de comentar sobre tudo o que ouvira “Às vezes não ter uma família é melhor do que ter uma…”. As palavras saíram de sua boca de forma lenta, em um tom desanimado “Eu entendo isso, Ross”. Às vezes é preferível não ter uma mãe, a ter uma que tenta matar a própria filha presa em uma cabana em chamas. Quando o olhar das duas se encontrou, Evanora manteve-se encarando Ross por muitos minutos, não se importando em possivelmente ficar exposta. Afinal, um segredo sombrio seu teria que ser revelado, de qualquer forma, para que as duas pudessem progredir e enfim sair do labirinto. Assim que a atenção da loira retornou às pinturas, no entanto, Evanora fez uma careta e encarou o chão. A mão que apertava o cabo da faca o fez com ainda mais intensidade, ela tencionou todo o corpo, apreensiva com o que Ross estava prestes a descobrir, incomodada com o que ela descobriria. Sentiu o olhar da filha de Hermes sobre si, mas não ergueu o seu para correspondê-lo. Não queria ver o medo ou o julgamento que lhe seria direcionado. Ao ouvir a primeira palavra sair da boca de Ross, ela fechou os olhos com força… Mas Betsy errou.

Imediatamente, as duas ouviram outro barulho vindo do teto, mas diferentemente da vez anterior, o que desceu por ele não foi outra enxurrada de água. Instintivamente, Evanora se abaixou, e foi no instante em que o fez, que uma flecha acertou-a, nas costas, muito perto do ombro, na região da escápula. Ela tentou conter um grunhido de dor e surpresa, mas a saraivada de flechas aparentemente não era direcionada principalmente a ela, e sim à filha de Hermes. Ao vê-la se debatendo, submersa, Evanora gelou, e correu o mais rápido que podia em sua direção, lutando contra a água que a deixava mais lenta. A visão do sangue na água a deixou ainda mais urgente, e a filha de Hades sentiu o peito apertar de preocupação “Não!” sussurrou exasperada “Ross!”. Chamou, mas enquanto estivesse submersa, a loira não a ouviria “Gavno!”, amaldiçoou a água até sua cintura que dificultava sua movimentação, mas assim que a cabeça de Betsy emergiu e sua voz chamou por Evanora em desespero, a filha de Hades já estava lá para ampará-la. Eva pegou a loira em seus braços e puxou-a para cima, para seu colo, com ajuda do empuxo da água. Seu peito se apertou ainda mais ao ver que sangue minava através de um pedaço de blusa amarrado na cintura de Ross, e instintivamente sua mão foi até o local, e ela pressionou, querendo ajudar a estancar o sangramento “Olhe pra mim, Ross”. Pediu, percebendo os olhos da loira fechados com força, certamente por conta do sangue “Olhe pra mim! Olhe pra mim, não pra água. Presta atenção em mim, nós vamos ficar bem, respire”. Esperou que ela se acalmasse um pouco. As duas estariam presas naquela água com sangue até que a filha de Hermes conseguisse decifrar corretamente o segredo de Evanora, ela precisava abrir os olhos, se acalmar, e se manter firme “Vamos ficar bem. Continue olhando pra mim. Você só precisa acertar a charada e estaremos livres daqui”. Mesmo relutante, a loira aos poucos foi cedendo, até enfim abrir os olhos “Falta muito pouco…”, Evanora afirmou, na intenção de que ela entendesse que, apesar do erro, tinha passado muito perto da resposta correta.

A filha de Hades já tinha até se esquecido do ferimento em seu ombro, o que a relembrou e fez a dor voltar a incomodar, foi Ross que, assim que reparou, afastou-se de seu colo indo novamente na direção da pedra “Isso não é nada, vou ficar bem, concentre-se!”. Evanora respirou fundo, encarou um ponto fixo da parede, pôs a mão sobre o cabo da flecha e a puxou, contraindo o maxilar e prendendo a respiração para conter o gemido de dor que quis escapar. Esperou que não estivesse sangrando muito. Com a dor ela conseguiria lidar facilmente, já sofrera piores, uma recentemente, enquanto realizava uma missão a Atena, da qual Ross sequer ficou sabendo, mas a cicatriz estaria sempre presente para relembrar. Ela ainda estava ofegante, sentindo a ardência do ferimento da flecha, quando ouviu as palavras saírem da boca de Ross. Ela tinha entendido. Acertou em cheio o enigma, e disse em voz alta o maior desejo que habitava a filha de Hades, o qual ela mesma, muitas vezes, buscava manter adormecido e escondido, até de si mesma: O de matar Tatiana. Matar a própria mãe. Evanora agradeceu que, após sentir o olhar de Ross sobre si, não tivesse tempo de analisá-lo e tentar decifrar o que ela achava. Não importaria. Mesmo que a loira enfim entendesse e se assustasse, a julgasse e quisesse se afastar, seu desejo não mudaria. Aquele fantasma do seu passado só podia ser exorcizado uma vez que Tatiana não mais existisse. E era ela quem se encarregaria disso.

As pinturas na pedra voltaram a brilhar, e as duas foram rapidamente arrastadas, junto com a água, em direção à porta dupla que, naquele momento, se abria. Continuaram seguindo até mais alguns metros, até pararem diante de uma parede cheia de buracos, por onde a água com sangue enfim escoou, deixando Ross em paz. Evanora não pensou muito no que fazer dali em diante, afinal, mesmo livres da água, sabia que as pernas da filha de Hermes ainda levariam um tempo para voltar, e com o ferimento no ombro, sem ajuda do empuxo, ela talvez não tivesse força suficiente para carregá-la. Mas surpreendendo-a, a loira foi rápida em arranjar uma solução. Com sua besta que criava asas nas costas, ela arranjou um jeito de se deslocar que não exigia pernas, e mesmo com o humor frio e distante, Evanora apreciou a visão do corpo sereiano de Ross.

Para frustração da filha de Hades, o labirinto a partir de então tornou-se quase inteiramente linear. Não havia mais curvas, bifurcações, nada do que já aparecera antes. Era só um corredor interminável. A cada metro percorrido, o silêncio parecia pesar mais e mais, e não que Evanora quisesse dar algum tipo de satisfação, mas como Ross explicara parte de seu segredo, ela achou que seria justo dizer algo sobre o seu. Passou vários minutos pensando exatamente no que dizer, até decidir e começar “Eu passei a maior parte da vida em um abrigo, na Rússia”. Seu tom era frio, distante, sua expressão era fechada. Não era uma margem para conversa, era um monólogo “Me abandonar lá foi a única coisa boa que ela fez por mim”. Desconfortável, e mesmo relutante, direcionou o olhar a Ross, esperando que ela soubesse exatamente a quem o “ela” se referia “No início, pensaram que eu fosse alguma criança desaparecida. Tentaram divulgar algumas fotos, mas ninguém apareceu atrás de mim, era longe da minha cidade natal. E eu torci todos os dias para que nunca aparecesse”. Respirou fundo, hesitante, mas continuou “Eu não tinha documento, eles não faziam a menor ideia de quem eu era. E eu não disse uma única palavra sequer, durante um ano. Quando o fiz, foi para dizer que meu nome era Evanora. Eu sabia que ela jamais me procuraria. Mas não podia correr o risco deles procurarem por ela e associarem meu nome de alguma forma. Evanora foi um nome que encontrei em um livro”. O nome de uma bruxa do Mágico de Oz “E eu nunca mais quero ser voltar a ser Annika. Ela concluiu com determinação. Annika morrera naquela cabana em chamas.

Após uma pausa, quando voltou a falar, Evanora estava mais próxima da filha de Hermes, e mais séria “Entende o que eu quero dizer agora, Ross? É isso o que eu sou. E eu vou encontrar ela um dia”. Ela não desistiria de assistir Tatiana queimar. Esperava que, depois de tudo, Betsy enfim entendesse e não levasse na brincadeira, e o que a loira disse a seguir chegou a deixá-la mais satisfeita. Ross informou nunca ter duvidado de suas palavras, o que por vezes Evanora achava difícil acreditar, e com um sorriso brando, declarou que, apesar disso, via que a filha de Hades não era somente isso. Aquelas palavras deixaram Evanora pensativa outra vez, mas por mais que quisesse, ela não conseguia acreditar nelas. Havia verdade por parte de Ross, o que ela duvidava não era da sinceridade da loira. Ela duvidava que houvesse mais que aquilo dentro de si “Não, Ross. Está enganada. Não há mais o que ver, é só isso o que eu sou”, foi o que teve vontade de responder, mas apesar de pensar, manteve-se calada.

A Cripta:

Enfim, alguns metros à frente, elas finalmente encontraram o que parecia ser uma cripta, e Evanora esperava genuinamente que fosse, e que nela estivessem os restos mortais da criatura. Suas costas ardiam, seus pés latejavam, seu corpo já pedia por descanso e sua mente por repouso. No meio da sala havia um caixão com o desenho de um touro na tampa, e a filha de Hades chegou a respirar de alívio. Tinha que ser ali. Seguindo o padrão visto por elas até então, as paredes da cripta estavam repletas de pinturas que contavam, mesmo desgastadas, a história que girava em torno do mito do Minotauro. Concordou com Ross quando esta disse que os restos da criatura nunca foram pegos, pois estavam sepultados. Certamente Pasífae tinha feito questão de dar um sepultamento digno a ele. Apesar de ser mãe de uma monstruosidade, ela ainda tinha grande afeto pelo seu querido filho. O tipo de afeto materno que Evanora nunca chegou sequer perto de conhecer. Percebendo a hesitação da filha de Hermes, muito provavelmente sentindo-se mal em desrespeitar o sepulto da criatura, foi Evanora quem avançou para afastar a tampa do caixão. Sua consciência jamais pesaria quanto àquilo, e ela queria muito ir embora. Infelizmente, porém, a tampa era mais pesada do que ela imaginava, e com a dor que sentia em seu ombro, ela não conseguiria sozinha “Ross…”, chamou, esperando que não precisasse dizer mais nada, afinal, era teimosa e relutante em pedir ajuda, a quem quer que fosse.

Quando enfim conseguiram tirar a tampa, dentro estava um esqueleto perfeitamente posicionado e conservado do minotauro. A filha de Hermes pareceu admirada e fascinada com os espólios, e Evanora até gostaria de aproveitar melhor o momento, mas sinceramente já não aguentava mais continuar dentro daquele labirinto. A criatura já havia sido morta por diversos campistas, mas aqueles espólios diante delas, os que Poseidon tanto queria, eram os primeiros, e o responsável por eles era Teseu. Ela ainda observava os restos mortais do ser mítico quando, de repente, a cauda de Ross desapareceu, dando lugar novamente às pernas. Enquanto a filha de Hermes abria sua mochila, preparando-a para receber os ossos do esqueleto do minotauro, Evanora permitiu-se dizer “Você fica linda como sereiana, ostryy yazik. Abaixou-se para também preparar a sua, e as duas logo começaram a pegar osso por osso até que tudo tivesse sido recolhido.

Ao terminarem, a filha de Hades também respirou fundo, cansada, quando Ross questionou se elas teriam que voltar tudo. Sentiu-se aliviada quando a filha de Hermes encontrou uma alavanca entre duas paredes, mas ainda assim, era preciso ter cuidado… Ela não sabia se teria disposição para enfrentar outro desafio ou armadilha do labirinto “Ross, cuidado. Pode ser uma armadi…”, mas antes mesmo que terminasse de alertar, a alavanca já tinha sido acionada. Felizmente, ela só fez uma das paredes se afastar, revelando a passagem para uma escadaria que subia, deixando a filha de Hades mais tranquila, em partes. Para o azar das duas, mesmo diante de tanto cansaço, muitos degraus ainda precisaram ser subidos, mas ainda assim, era melhor que fazer todo o caminho de volta pelo labirinto, afinal, era impossível lembrar cada direção que fora escolhido entre tantas bifurcações, fossos e encruzilhadas. Era um preço relativamente barato a se pagar.

No final da escada havia um alçapão que, ao ser aberto, levou as duas de volta às ruínas do Palácio de Cnossos. Evanora agradeceu por ver novamente o céu, e respirou fundo, não hesitando em sentar-se, como fez Ross, para descansar por alguns minutos. Diferente do horário em que entraram, àquela hora não havia mais qualquer turista. A filha de Hades permitiu-se exibir um sorriso em resposta ao comentário da loira sobre Pasífae e seu caminho de volta com tantos degraus de escada. E enquanto as duas olhavam de volta para o alçapão de onde tinham acabado de sair, puderam assistir quando a passagem dele se fechou. Aquela era uma escada que só podia ser subida, jamais descida. Evanora só assentiu com a cabeça aos comentários de Ross, sem encontrar algo específico para responder, mas fez questão de perguntar sobre seus ferimentos, na cintura e nos pés, com certa preocupação. O da flecha em suas costas ainda doía, mas era perfeitamente suportável. Perguntou-se se ele geraria uma cicatriz tão feia quanto a mais recente em sua barriga, feita por uma espada.

[...]

De Volta ao Acampamento:

As duas tiveram um merecido descanso após chegarem, enfim, de volta ao acampamento. Poseidon já havia aguardado tanto tempo, ele certamente aguentaria mais algumas horas sem reclamar. E se por acaso reclamasse, um revirar de olhos seria tudo que Evanora teria a oferecer a ele em resposta.

Pela noite, as duas se direcionaram à fogueira entre os chalés, com as mochilas que guardavam os esqueletos do minotauro em mãos, e começaram a atirar os ossos, um a um, no fogo. “Simples… Era tão simples, Minos…”, Evanora pensou, enquanto Ross recitava as primeiras palavras da oferenda “... Receba os restos mortais do Minotauro. Que este gesto simbolize nosso comprometimento em honrar seu pedido e aceitar a missão que a nós confiou”, a filha de Hades completou a prece, e em alguns minutos, tudo estava feito “Viu, Minos? Não me arrancou nenhum pedaço”, ela continuou em seus pensamentos. Não era uma grande fã de fazer oferendas e preces aos deuses, mas uma vez tendo feito o acordo, este deveria ser cumprido, ainda mais pagando um preço tão baixo por um trono. Se não há intenção de seguir um acordo feito com um deus até o final, então é melhor não fazê-lo.

Ao se levantar, preparando-se para retornar ao chalé, Evanora repentinamente foi pega de surpresa pela filha de Hermes, que puxou-a para perto, segurando-a pela cintura, deixando-a sem reação. Analisou com cuidado o rosto da loira enquanto este se aproximava do seu, o sorriso nos lábios dela atiçando a vontade da filha de Hades em realizar as coisas que a loira já havia declarado desejar que fossem feitas. No entanto, para sua frustração, e Evanora odiava se frustrar, antes que o beijo acontecesse, Ross posicionou seu dedo indicador na frente dos lábios dela, interrompendo o momento. Com suas palavras seguintes, ficou muito claro que tratava-se de uma provocação. Uma provocação com a qual Evanora não sabia como lidar. Nunca lidara com uma daquele tipo antes. Uma parte dela se irritou, outra ficou confusa, uma bem ao fundo se divertiu, e a que falava mais alto ficou instigada. Novamente, a bagunça que a loira causava em seus pensamentos e no que ela conhecia de si mesma, se manifestando. E para completar o combo, a língua afiada da filha de Hermes disparou, como se fosse uma ordem, que Evanora nem tentasse roubar um beijo quando fosse solta, afirmando com todas as letras que ela não conseguiria. A filha de Hades estreitou os olhos, e em seu rosto também surgiu um meio sorriso. Discreto, como se estivesse aceitando o desafio. Ela não disse nada, porém, quando a loira a soltou. Continuou em silêncio, encarando-a de olhos estreitos enquanto esta se afastava sem dar-lhe as costas. Parte de Evanora quis rir pela esperteza de Ross, mas o caminho a ser percorrido até chegar ao riso era longo demais. Foi um anseio que continuou contido em seu íntimo, mas o sorriso travesso se ampliou em seu rosto, espelhando o da filha de Hermes instantes antes. Mas havia uma carta nova na manga de Evanora, e ela achou que fosse um momento apropriado para usá-la. Concentrando-se e focando sua energia na vontade que sentia de fazer acontecer, ela causou um pequeno tremor no chão, na região ao redor dela e Ross, o que surpreendeu e desequilibrou a filha de Hermes o suficiente para que Evanora se aproximasse com rapidez, antes que ela conseguisse fazer alguma coisa, e a segurasse para amortecer a queda antes que a loira atingisse o chão. Com seu corpo parcialmente acima do da filha de Hermes, ela permitiu que um riso curto escapasse e levou seus lábios até o pescoço da dona daquela língua afiada, deixando que seus lábios encostassem em um beijo suave, mas instigante “Jamais me subestime, ostryy yazik. Ela facilmente poderia roubar um beijo, se quisesse, mas não o fez. Deu o recado e rapidamente se levantou, afastando-se antes que alguém aparecesse querendo checar a origem do barulho "Amanhã". Sussurrou. E com as mãos nos bolsos da calça, ficou assistindo enquanto a filha de Hermes dirigia-se até o chalé 11, recolhendo-se ao seu somente depois de vê-la entrar.
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Evanora K. Volkova
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Re: Grécia

Mensagem por Nathanael Krauczuk Seg Set 18, 2023 9:59 am

o resgate de nyctimene
Suor escorria da minha testa ao mesmo tempo em que o cansaço do meu corpo ia embora. Uma pausa foi o suficiente para que eu me recuperasse do treino, embora eu já estivesse acostumada com algo bem mais pegado do que isso. Lidar com um chicote não era fácil, muito pelo contrário… exigia habilidade, maleabilidade também, afinal, ele não era um objeto afiado tanto quanto uma lâmina ou um machado… ainda assim, morar com as Amazonas me proporcionou experiências diferentes, e sendo criada por elas, foi muito mais fácil me adequar ao Acampamento meio sangue. Caminhando até a área dos banheiros femininos próximos a área da fogueira e consequentemente os chalés, interrompi meu caminhar quando fui abruptamente interrompida por uma luz cujo uma silhueta escondia. Com a postura ereta e os dedos sobre o chicote dourado, que roubei de Hera, logo a luz se esvaiu dando espaço para uma mulher, de olhos acinzentados empunhando uma lança em um dos braços, enquanto o outro segurava um escudo. Seu corpo estava completamente envolto de uma armadura de batalha, e rapidamente deduzi que fosse Atena. Foi quase instintivo: me ajoelhei, de cabeça baixa, enquanto repousava o antebraço em uma das pernas, demonstrando que eu estava a completa disposição dela. Deste modo, quando meu nome foi dito rigidamente, me ergui lentamente para encara-lá de força respeitosa, ouvindo-a dizer de forma voraz algo no qual eu não entendi primeiramente. Ele quem sequestrou Nyctimene? Quem? Presa em um de seus templos? Eu sabia quem era Nyctimene. Sua coruja, é claro… violentada pelo dei Épopeus, de Lesbos. Transformada, é claro, por Atena quando ela teve pena da princesa. 

Seu pedido era certeiro e direto.

Como uma ordem, Atena exigiu que eu encontrasse sua coruja e a libertasse, cuidando dela até que estivesse boa o suficiente para ir até ela. Por último, decidiu que iria atrás de Ares, para resolver isso pessoalmente. Agora, Atena era envolvida por outra luz, desaparecendo como um raio tempestuoso, o que facilmente pode me impressionar. Sem dizer mais nenhuma palavra, deduzi que caso eu não desse um jeito naquilo, certamente estaria pondo em risco o Olimpo, causando uma guerra. - Atenas. O templo de Ares fica ao norte da Antiga Ágora de Atenas. - digo para mim mesma, caminhando apressadamente até o meu chalé, número um. Eu passava como um trovão diante os demais campistas, e aqueles que me chamavam pelo nome eram ignorados com sucesso. Apenas Magnus conseguiu o feito de me interromper, quando me chamou uma única vez e parou a minha frente. - Agora não. - digo simplista para ele, passando pela porta do nosso chalé enquanto procurava uma roupa mais adequada para aquilo. Magnus não parecia feliz em não saber o que afligia minha cabeça, mas tive que me dar por vencida quando ele pegou meu chicote, ameaçando não de devolver. - Atena me pediu para resgatar Nyctimene, sua coruja. Ares a raptou. Será que você pode me devolver agora? - estendia a mão, com a sobrancelha arqueada. Magnus bufou, me entregou a arma já sabendo que eu conseguiria ela por bem ou por mal e reclamou, dizendo que iria junto comigo. - Não me lembro de ter dito seu nome. Atena também não disse. - respondo ele calmamente, começando a trocar de roupa ali mesmo. Magnus se vira entre resmungos e pergunta se eu ao menos não tomaria banho. - Não tenho tempo pra isso. - Caminho até o espelho do chalé e faço uma longa trança em meu cabelo, cujo ficava de lado em meu ombro. - Eu volto logo. - digo para ele ajeitando meu chicote ao suporte da minha calça, encostando minha testa na dele brevemente. Era meu jeito de dizer que retornaria para o Acampamento. Com isso, saio do chalé e me dirijo até os estábulos, onde pegaria uma criatura alada para chegar ao meu destino: Grécia.

A trajetória não foi demorada considerando que saímos assim que Atena deu as caras para mim. Eu havia escolhido Thor, um cavalo de crina branca e pelagem bege para a minha aventura, e bem, seu nome fazia jus, afinal, existia uma marca de raio em sua testa decorrente de uma alteração de cor. Enfim, eu queria lhe entregar uma prova de que podia muito bem lidar com qualquer problema, nem que isso me deixasse sem tomar um mísero banho. As nuvens estavam tranquilas, tanto quanto o céu… voávamos por cima, para não correr o risco de sermos vistos, eu e Thor. Como naquela mesma manhã ele já havia sido alimentado, não me preocupei em vê-lo passar fome ou algo do tipo. Aposto que ele sabia como eu estava apreensiva com Nyctimene, afinal, nem mesmo eu, quem dera Atena, sabíamos como ela estava agora. Eu conhecia cada canto da Grécia, era algo que nós, Amazonas, aprendíamos ainda jovens, e portanto não foi difícil encontrar o templo de ares, enquanto sobrevoávamos a área norte da antiga Ágora. Thor foi descendo pouco a pouco por entre as nuvens, ao mesmo tempo em que eu sentia aquele prazer de ser filha do deus dos céus. - Pode parar ali, Thor. - digo para ele apontando para um grande rochedo, enquanto ele pousava e descansava o corpo. Desci de cima da criatura alada e sorri, acariciando sua testa brevemente. - Preciso que fique aqui em segurança. - digo, assentindo para que ele entendesse. Eu não sabia se Thor tinha mesmo compreendido, mas assim que me distanciei, ele permaneceu quietinho. 

O templo de Ares era um local seco, sem qualquer índice de umidade que fosse, contendo inúmeras construções destruídas, em completa ruína. As árvores pareciam secas e eu deduzi que o sol parecia mais ardiloso naquela região, sentindo as minhas narinas ficarem secas com a temperatura quente. Ainda era dia, portanto, calor. Enquanto eu andava à espreita, me esgueirando por entre as construções e desconstruções, comecei a pisar delicadamente para conseguir ouvir qualquer coisa que fosse, e quando finalmente parei por entre alguns arbustos cheios, me abaixei rapidamente, observando ao longe duas Alalas, daemons que personificavam o grito de guerra. Faziam parte do séquito de Ares. - Beleza… elas estão mantendo Nyctimene na gaiola. - noto observando a coruja, presa e acorrentada, completamente machucada. Céus… quis gritar! Já não bastasse a princesa ser abusada por seu pai, ainda precisava passar por isso? Respirei fundo, pondo os dedos em meu chicote inquebrável, deduzi que não tínhamos tempo o suficiente. Tanto eu quanto Nyctimene. Saindo por entre os arbustos, anúncio minha chegada, observando as Alalas se virarem contra mim, carregadas de fúria. - Foi uma péssima ideia capturarem uma coruja tão importante. - anuncio minha chegada, enquanto retiro o chicote do suporte e começo a gira-ló no ar, ao mesmo tempo em que uma das Alalas partia para cima de mim, conforme a outra permanecia parada para vigiar a coruja. Isso só demonstrava o quão elas estão me subestimando, mas eu mostraria minha capacidade. Antes que ela chegue perto do meu corpo, acerto sua lança fazendo com que ela se enrolasse em meu chicote, ao mesmo tempo em que eu o puxava de volta, segurando o objeto em minhas mãos. - Vai ter que ser mais rápida. - provoco jogando a lança ao chão, partindo para cima da alala. 

Antes que ela possa me golpear, abaixo meu corpo e deslizo pela chão empoeirado, por debaixo de suas pernas. Com ela de costas para mim, giro meu chicote novamente e lanço ele ao redor de seu corpo, mantendo-a presa com as mãos nas costas. A alala gritou, fortemente, fazendo com que eu colocasse as mãos sobre meus ouvidos, mas mantive ainda assim o chicote em meus dedos. Involuntariamente, jogo a alala em direção a um rochedo, fazendo com que ela batesse a cabeça fortemente sobre a pedra, quebrando seu pescoço na mesma hora. Puxando de volta para mim o chicote, vejo sutis respingos de sangue na corda dourada, fazendo meu estômago embrulhar. - Apenas facilite as coisas! - digo para a outra Alala, que não me escuta, como o esperado, e parte para cima de mim dizendo que Eris saberia de como fui responsável pela ruína dos planos dela, me deixando absurdamente intrigada, lançando sua lança em minha direção. Desvio, virando meu corpo rapidamente e sentindo a arma passar de raspão pelo meu corpo, ao mesmo tempo em que ela pula em cima de mim e abre a boca, no intuito de gritar. Agilmente, soco seu rosto e tapo seus lábios, mas para evitar que ela faça qualquer coisa, puxo sua língua fortemente para fora da boca, arrancando um pedaço dela. Sangue caiu sobre meu rosto e eu rapidamente me recompus, observando a Alala furiosa, com aquele grave ferimento em sua boca. Antes que ela faça qualquer outra investida em mim, agarro meu chicote e pego sua lança mais próxima a mim, arremedando ele em sua direção, a acertando bem na testa. Com isso, a última alala cai morta ao chão, me deixando com passe livre para libertar Nyctimene. 

- Você está segura agora. Atena me enviou. - asseguro para ela, me aproximando de sua gaiola a medida que eu usava a lâmina da lança para romper os cadeados e fechaduras, porém, ela estava muito debilitada e era possível notar os ferimentos facilmente por seu corpo. - O que Ares iria querer fazendo isso? - pergunto a mim mesma, segurando a coruja em meus braços, ao mesmo tempo em que um estalar de dedos desperta desconfiança em minha mente. Eris… a alala tinha dito Eris, e não Ares. Era a deusa da discórdia, não? Então… - Só pode ser um plano daquela bruxa velha. - concluo ligando os pontinhos, afinal, agora tudo fazia sentido. Ares, se quisesse, se esforçaria bem mais do que apenas deixar Nyctimene em uma gaiola. Entre suspiros, me levanto e caminho até onde Thor havia ficado, levando Nyctimene em meus braços, até que chegássemos a criatura alada. Por sorte, sempre ando com um pouco de pergaminho em meu bolso, além de canetas. - Thor. Preciso que leve esse aviso para Atena. - digo deixando a coruja deitada em uma área confortável, preenchendo o pergaminho com informações que diziam como tudo não se passava de um plano ardiloso de Eris. - Vá. E retorne assim que possível! - coloco o pergaminho em seus dentes, o observando voar para onde quer que Atena estivesse. Enquanto isso, procuraria o vilarejo mais próximo, a fim de cuidar de Nyctimene. 

Thor voaria mais rápido e consequentemente chegaria mais cedo, além de que, Nyctimene estava ferida o suficiente para correr o risco de não suportar a viagem. Quando o cavalo retornasse, ela já estaria em tratamento e apta a retornar para Atena.

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Nathanael Krauczuk
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Re: Grécia

Mensagem por Donatello McMillan Qua Out 04, 2023 10:37 pm

Luta Tempestuosa

[Porão da casa grande]
Nos últimos dias andava me sentindo estranho, parecia que algo em mim havia mudado e isso ficou mais evidente quando alguns campistas começaram a falar sobre meus olhos estarem diferentes. Me olhando no espelho reparei que eles realmente pareciam diferentes, mas eu ainda não sabia quais eram as implicações disso. Eu cheguei a perguntar a alguns dos meus meio-irmãos se eles sabiam de algo que pudesse me ajudar a saber o que estava acontecendo comigo, mas foi Daryl que me deu uma resposta, na verdade ele apontou o caminho. Ele me levou até o porão da casa grande e disse que eu deveria experimentar fechar a porta e todas as passagens de luz pra ver o que acontecia, me deixando sozinho em seguida. Fiz uma cara confusa, mas concordei e fiz o que ele falou. Deixei o lugar no completo escuro e foi aí que me surpreendi. Mesmo eu estando completamente no meio escuro, eu estava enxergando perfeitamente todo o ambiente. É um pouco diferente de enxergar na luz, eu não conseguia ver cores, tudo estava preto e branco pra mim, mas isso era só um detalhe.

Andei um pouco pelo porão, fascinado com minha nova habilidade. Mas não pude continuar a desfrutar daquele momento por muito tempo, porque logo ouvi uma voz feminina chamar pelo meu nome com firmeza. Eu sabia exatamente a quem pertencia aquela voz, já tinha ouvido ela outras vezes, mas isso não impediu de eu me assustar com ela, virando o rosto rapidamente em sua direção. - Mãe. -  Ela se encontrava parada do outro lado do porão de braços cruzados, uma longa lança estava na parede logo ao seu lado. Se ela estava há um tempo ali ou havia acabado de chegar, eu não sabia. - Tenho… - antes que eu continuasse, a deusa disse porque veio ali. As vezes ela aparecia pra dar um conselho quando eu precisava, mas parou nos últimos tempos. Eu ainda a via rondando o acampamento vez ou outra, mas acho que essa foi a primeira vez em meses que ela veio falar comigo. Ela veio atrás de mim para que eu fizesse uma missão. Ares estava se preparando para atacar furtivamente um de seus templos, na ilha de Serifos, pela localização estratégica do lugar. - Ele não cansa - disse um pouco debochado e por um segundo me pareceu que compartilhamos do mesmo tom de deboche em relação àquilo, mas eu não tinha certeza. Aquela não era a primeira vez que algo assim acontecia, os dois não se bicavam e não era de agora. Atena e Ares tinham um longo histórico de confrontos um contra o outro, mas minha mãe saía por cima e dessa vez ela não pretendia que fosse diferente. Minha mãe queria que eu defendesse o lugar e pra isso, deixaria dois guerreiros a minha disposição se eu quisesse, mas eu seria o responsável por liderar. Fiquei alguns segundos calado enquanto ela me encarava - Tá, deixa comigo. - Eu sabia que a deusa da sabedoria também tinha responsabilidades maiores para cuidar e não como se eu fosse o único filho dela, mas gostaria de voltar a trocar algumas palavras com ela que não fossem relacionadas a fazer um serviço. Me pergunto se seria exigir demais, talvez. Por último, ela me entregou uma máscara que lembrava o rosto de uma coruja que melhoraria minha visão para me ajudar a como agir. A peguei em minhas mãos e passei alguns segundos admirando o item, ele era realmente muito bonita. - Não vou decepcionar. - disse ainda com o olhar na máscara. Fui em direção a saída do porão, mas assim que cheguei ao pé da escada Atena me chamou novamente. Virei a cabeça e a olhei por cima do ombro. Ela sabia que eu a via naquela escuridão, óbvio que sabia. Assim como também parecia saber como me sentia só sendo procurado agora para lhe fazer um favor. Então ela deixou claro a importância da missão, dizendo que não era o tipo de tarefa que confiava a qualquer semideus por aí. Respondi com um sorriso de canto, mostrando que entendi o recado e subi as escadas.

Antes de partir eu precisava pegar algumas coisas. Então fui até o chalé 6, peguei alguns frascos de veneno e a alma selvagem que Ártemis me deu por ajudar a defender a floresta. Com as coisas em mão fui até a entrada do acampamento, onde encontrei a carruagem que minha mãe disse que estaria me esperando. Apesar de ser um transporte obsoleto hoje em dia, não dava pra dizer que aquele em específico não era bonito. Subi um pouco hesitante nela, eu só tinha tido uma experiência voando e ela não tinha sido das melhores. Quando os pegasus levantaram voo, a carroça deu uma leve chacoalhada até ficar estável, isso já foi o suficiente pra me fazer apertar o acento e respirar fundo. Era inevitável me lembrar de quando Draven, Ivanna e eu despencamos do céu indo buscar os itens de Dionísio. Essa memória me marcou tanto que quando decidi olhar pela janela da carruagem, não consegui encarar a altura que me separava do chão por mais de alguns segundos sem ficar ofegante. Meus dedos batiam levemente a madeira, devido a ansiedade. Por sorte, como era uma carruagem fechada, eu tinha a possibilidade de focar em outra coisa ali e ignorar mais facilmente o meu medo, então decidi começar a tentar pensar em planos de defesa. Foi aí que percebi ao meu lado, convenientemente grudado na parede da carruagem, um mapa da ilha de Serifos. Junto a ele um pequeno bilhete escrito: Acredito que vai precisar de um desses se pretende pensar em uma boa defesa. Dando um leve sorriso de canto de boca, comecei a dar uma olhada no mapa que Atena havia deixado. Não era uma ilha muito grande. Marquei as ilhas envolta como pontos de interesse e tracei possíveis caminhos, os soldados de Ares poderiam vir de qualquer uma delas, então era bom me atentar a elas. Não acho que eles teriam outro modo de vir se não por via marítima e mesmo que tivessem, chamaria muita atenção e pelo que minha mãe disse, chamar atenção era a última coisa que eles iriam querer.  Passei um tempo pensando, mas ainda não sabia qual seria a melhor abordagem. Acho que só saberia quando chegasse lá.

Encarando aquele mapa, comecei a ver o fato de minha mãe ter me procurado só para pedir para proteger seu templo com outros olhos. Como ela mesma disse, aquela não era uma tarefa que daria a qualquer semideus, então acho que ela me acompanhava mais do que eu achava. Era bom saber que ela não havia me escolhido por mero acaso pra fazer aquilo, mas ao mesmo tempo me deixava apreensivo. A maioria das missões que fazia era pegar algo para um deus e mesmo nessas simples tarefas algo sempre dava errado pra mim de alguma maneira. Isso me fez refletir sobre o que disse a minha mãe antes de ir, será mesmo que não a decepcionaria?

[Ilha de Sérifos]
Foi em meio aos meus pensamentos que acabei pegando no sono, só acordando quando a carruagem deu um solavanco ao posar. Peguei o mapa e o enrolei, levando-o comigo. Assim que saí do veículo, notei que o tempo estava fechado, o céu se encontrava completamente coberto de nuvens carregadas e alguns lampejos aconteciam de vez em quando. Uma tempestade se aproximava. Tomara que seja um problema, a última coisa que eu precisava era de uma tempestade pra atrapalhar as coisas. A carruagem havia pousado próximo ao templo e logo a frente da estrutura, em um pequeno muro, estavam duas corujas. Elas pareciam estar esperando por algo. Me aproximei delas e notei que em cima do muro também haviam duas cartas, ambas marcadas com o símbolo de Atena. As segurei por um tempo, alternando o olhar entre elas e as corujas até que decidi aproximar uma das cartas até uma das aves, presumindo que elas entrariam em contato com os soldados que minha mão havia designado para me ajudar, caso eu quisesse. Ela agarrou o papel com o bico e saiu voando em uma direção. O mesmo aconteceu quando aproximei a segunda carta de outra coruja.

Assim que as aves se foram, as gotas de chuva começaram a cair, pela cara daquelas nuvens, aquela garoa só era o início de uma tempestade bem feia. Presumindo que eles levariam um tempo até chegar, resolvi dar uma olhada na ilha por conta própria, então coloquei a máscara de coruja para melhorar minha visão. Levei alguns segundos para me acostumar aos efeitos do item, era como se ela tivesse abrido meus sentidos e agora eu não só conseguia ver basicamente toda a extensão da ilha, como também podia ouvir sons absurdamente distantes. Mesmo com o auxílio da máscara, ainda haviam algumas construções que não me permitiam ver a ilha completamente, eu precisava ter um ângulo melhor. - Não acredito que vou ter que fazer isso. - resmunguei depois de passar alguns segundos pensando no que fazer. Peguei a alma selvagem no meu bolso e depois de checar que não tinha ninguém me vendo, enrolei a fita no meu braço e mentalizei um falcão. Logo em seguida senti minhas costas incomodarem, como se algo começasse a se mexer ali, fazendo eu me contorcer. Então duas asas começaram a crescer. Algumas penas também surgiram na minha pele. Me transformando num meio humano, meio falcão. Respirei fundo e abri as asas. Demorei um pouco para conseguir me equilibrar direito no ar, principalmente porque estava com medo. Me mantive razoavelmente baixo, mas já era suficiente para ver toda a ilha sem problema nenhum. Pude ver algumas praias no entorno, mas o que chamou atenção foi o porto que ficava a sudeste. Já tendo o que eu queria, não pensei duas vezes em descer novamente ao solo.

Os dois soldados se encontravam em frente ao templo. - O porto a sudeste. Tem alguma embarcação que chega hoje? - questionei. Um deles confirmou que algumas horas atrás ouviu um marinheiro comentar sobre ter sido pago para trazer alguns homens junto a algumas cargas a noite. - São eles. - eles tentariam se passar pos cidadão comuns pra andar pela ilha sem chamar atenção e como esperavam nos pegar despreparados, obviamente teriam a cara de pau de vir pela nossa porta da frente. Penso como Ares realmente achou que um templo de Atena estaria sem defesas. Agora que eu tinha as informações que precisava era só preparar a recepção de boas vindas dos nossos convidados. Conforme o tempo passava, mais a chuva aumentava, se tornando cada vez mais voraz. Fortes trovões podiam ser ouvidos. Aquela realmente uma baita tempestade. Antes mesmo da embarcação chegar na ilha, a máscara já tinha me possibilitado vê-la se aproximando, o que nos dava uma grande vantagem para nos prepararmos. Envenenei minhas adagas e também as espadas dos dois soldados. Alertei eles de que fossem rápidos, não deveriam dar bandeira com soldados enviados por Ares. Como não era mais necessária, tirei a máscara de coruja e a guardei, naquela situação ela só chamaria uma atenção indesejada. Nos passando por meros trabalhadores, nos colocamos dispostos a ajudar assim que a embarcação chegou ao pier.

As capas de chuva escondiam nossas armas e a chuva também não facilitava em nada a visão. Três homens desceram do barco com algumas caixas cobertas de panos. Armas? Possivelmente. Eles recusaram que qualquer um de nós encostasse. Tentei me fazer e insisti, chegando um pouco mais próximo, mas eu não esperava que com isso acabasse deixando parte do meu bracelete à mostra. O soldado notou ele e pareceu reconhecer a arma, fechando a cara instantaneamente. Era agora. Na mesma hora meus dois companheiros sacaram suas armas e infligiram ataques rápidos nos outros dois inimigos. Eles até tentaram reagir, mas mal tiveram tempo de sacar suas armas e o veneno começou a fazer efeito em seus corpos, deixando seus movimentos lentos até ficarem completamente paralisados. Tentei fazer o mesmo com o soldado na minha frente, mas ele foi mais rápido, soltando a caixa que carregava no chão e agarrando meu pulso com força. Ele segurou meu pescoço com a outra mão e tentou me jogar contra o barco, mas aproveitei que o pier estava escorregadio por causa da chuva que caía para chutar uma de suas pernas, fazendo o homem cair de joelhos e me soltar. Tentei atacá-lo novamente, mas não se dando por vencido, o soldado agilmente se recompôs e avançou contra mim, me agarrando pela cintura e fazendo com que ambos caíssemos na água. Como não estava armado, o homem começou a me socar sem parar, mas não demorou muito pra eu conseguir aproveitar uma brecha para atravessar um de seus braços com minha lâmina. Assim que seu corpo começou a paralisar, cravei minha outra lâmina em seu abdômen. Tentei tirar minhas armas de seu corpo, mas haviam entrado bem fundo e eu estava ficando sem forças. Meu ar tava acabando e minha visão já ficava escura, tentei fazer mais força, mas sem sucesso. Meu corpo já estava completamente fraco quando senti uma mão me agarrar antes de perder a consciência. Meus olhos só se abriram novamente horas depois, quando a luz da alvorada tocou meu rosto. Pisquei algumas vezes, reconhecendo o local onde me encontrava. Parecia o quarto de alguém. Minutos depois um dos soldados que me auxiliou no dia anterior entrou, perguntando como eu estava. - Bem, eu acho. - ele e o companheiro haviam me tirado da água e salvado minha vida. Assim que recompus, agradeci a ajuda e voltei a carruagem que ainda estava no mesmo lugar me esperando.

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Re: Grécia

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