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Estados Unidos

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Estados Unidos

Mensagem por Oráculo de Delfos Qua maio 17, 2023 11:59 am

Estados Unidos
⁘ América ⁘
Os Estados Unidos é um país localizado na América do Norte. Possui cinquenta estados e é conhecido por ser a maior potência mundial

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Re: Estados Unidos

Mensagem por Evanora K. Volkova Seg maio 29, 2023 3:57 am


O Tesouro do Oceano
05 - Os Lestrigões
A capacidade que Evanora tinha de passar longos períodos sem dizer uma única palavra não era novidade. Na verdade, seu recorde era de um ano e alguns meses sem fazer questão de se expressar verbalmente, a falta de importância que dava para a fala fizera inclusive com que todos no abrigo, em seu primeiro ano na instituição, pensassem que ela fosse muda, fato que a filha de Hades só tentou desmentir muito tempo depois... Mais de um ano depois. Vê-la em silêncio era muito mais comum do que vê-la falando, e Betsy Ross provavelmente já se acostumara. Em alguns momentos Evanora percebia que seu silêncio inquietava a filha de Hermes, mas em outros a loira agia como se fosse a coisa mais normal do mundo. Não possuía um parâmetro muito preciso para fazer comparações, afinal Ross talvez fosse a única pessoa, naquele momento, a suportá-la por tanto tempo, e apesar dos pesares, parecia fazer certo esforço para se aproximar, para entendê-la, como se não quisesse dar o braço a torcer, teimosa demais para desistir de um caso já há tanto tempo considerado perdido. A tendência da maioria parecia ser tentar mudá-la quando Evanora, por algum motivo, dava algum tipo de abertura. Queriam fazê-la falar mais, se expressar mais, estimulavam-na, fosse de forma positiva ou negativa, a reagir de alguma forma que não apenas do seu jeito apático e frio. Isso talvez significasse que se importavam e, assim como Andrei, provavelmente queriam vê-la mais comunicativa, mas Ross era diferente. Durante todo o tempo que levaram no percurso da van até a rodoviária, e até todos os procedimentos para que enfim entrassem no ônibus, Evanora permaneceu em silêncio, e a loira não fez qualquer tipo de reclamação. A maior parte das pessoas não fica confortável em passar muito tempo ao lado de alguém que não tem nada a dizer, é como se a falta de um diálogo criasse uma espécie de "silêncio constrangedor", e ambos sentissem uma necessidade constante de ficar criando assuntos para que tal silêncio jamais se instaure. Ross, no entanto, não parecia desconfortável. Não pareceu desconfortável quando alguém na rodoviária puxou assunto e ela precisou se contentar em conversar com uma completa estranha, pois sua companheira de viagem fez de conta que sequer estava junto. E também não pareceu desconfortável quando as duas se sentaram lado a lado nos assentos e a filha de Hades continuou sem dizer uma única palavra.

Apesar de tudo, Betsy Ross recusava-se a se afastar, e isso deixava Evanora intrigada. Sabia que a outra já vira muito de si, e era como se simplesmente a aceitasse como era, com todas as suas estranhezas e todos os seus desvios de comportamento. Como para testá-la, logo quando entraram, a filha de Hades escolheu sentar-se no assento do corredor. Os lugares das duas estavam marcados, mas o ônibus estava relativamente vazio, com poucos passageiros além das duas. Evanora escolheu o assento do corredor de caso pensado, e após alguns quilômetros da viagem, trocou de lugar sem precisar pedir licença a Ross para passar por ela. Sentou-se alguns assentos mais atrás, do lado oposto ao que elas estavam anteriormente. Demorou mais minutos do que ela esperava, porém, pouco tempo depois, viu Betsy Ross levantando-se para procurá-la, e em seguida a filha de Hermes vindo em sua direção. Observando-a muito rapidamente, já foi capaz de perceber que, apesar de certa irritação e confusão estarem presentes em seu semblante, fazia-se presente mais uma vez parte daquela tristeza que ela vira ainda na margem do Pequeno Lago. Como se estivesse chateada por Evanora simplesmente se levantar para sentar em outro lugar que não ao seu lado. Era uma reação já esperada, afinal, é como se estivesse sendo rejeitada, e de rejeição a filha de Hades entendia bem. Mas as palavras, ditas em voz mais baixa para não chamar atenção dos demais, que saíram da boca da loira, estavam em tom de irritação, uma bronca sobre porque não era bom que ficassem afastadas, pois podia ser perigoso. Com sua teimosia característica, Ross colocou-se novamente a seu lado, e Evanora não foi capaz de controlar o sutil sorriso que surgiu em seus lábios. Ali estava, mais uma vez, Betsy Ross recusando-se a se afastar. O teste havia funcionado, embora ela não soubesse dizer bem o porquê tinha sentido necessidade de realizá-lo. Foi satisfatório pensar que, além das motivações por trás da justificativa de precisarem ficar juntas por ser mais seguro, havia uma vontade real dela de ficar perto de Evanora.

Porém, os quilômetros e as horas foram passando e por mais que quisesse se concentrar na paisagem passando pela janela, detalhes da vegetação, coisas interessantes a serem observadas, seu olhar vez ou outra voltava-se para Betsy Ross, e os movimentos mais bruscos do ônibus ao fazer uma curva ou passar por uma irregularidade na estrada, algumas vezes, faziam seu braço encostar no dela levemente. Era muito sutil, mas aquilo fez a filha de Hades lembrar-se do toque da loira em sua mão, de alguns momentos no arsenal, e começou a ficar inquieta com a tensão que passou a sentir em seu corpo. Aquela tensão tão incômoda que, pela primeira vez, fez com que ela sentisse necessidade de quebrar o silêncio, apenas para poder desconcentrar-se dela "A filha de Hermes descobre sua essência perdida...". Repetiu uma das partes da profecia dita por Jadis "Se perdeu, era algo que tinha. Faz ideia do que pode ser?". Questionou, e percebeu que a loira não esperava por aquela pergunta, talvez não esperasse nem por aquela ou por qualquer outra que viesse de Evanora. A conversa não foi tão eficiente para aliviar a tensão, porém a filha de Hades resolveu fazer outra quando o raciocínio em volta da primeira se encerrou "Ross, a maior parte das pessoas mantém distância de mim". Ela escolheu fazer a segunda de forma mais pausada, olhando fixamente para a parte de trás do banco da frente, sem fazer contato visual com a loira "Imagino que já tenha percebido depois de tanto tempo. E isso acontece porque dou todo tipo de alerta possível para que o façam". Passou uma mão pelo queixo, em volta da boca, e então virou-se enfim para encará-la, aproximando seu rosto do dela quase involuntariamente "Por que você continua ignorando todos os alertas?". Poderia soar como uma pergunta ameaçadora, feita em um tom que dizia "não deveria ignorá-los", mas talvez Ross já a conhecesse o suficiente para perceber que foi feita com sincera curiosidade. E Evanora sabia que provavelmente era uma pergunta complexa de responder.

No entanto, antes que a filha de Hermes tivesse chance de organizar os pensamentos e palavras para fazê-lo, Evanora sentiu algo estranho. Uma espécie de arrepio que percorreu todo seu corpo, fazendo-a sentir como se de repente o ambiente tivesse se tornado mais frio, uma espécie de pressentimento ruim. Seu olhar se perdeu no nada por um instante, e mesmo antes de seu cérebro associar um entendimento para o que aquilo poderia dizer, as palavras escaparam de sua boca "Alguém vai morrer". Ross, ao seu lado, ficou imediatamente inquieta, e foi cerca de um ou dois segundos depois que algo atingiu o ônibus, quebrando uma das janelas com um barulho alto e estridente, e atravessando até a janela oposta, atingindo um dos passageiros que sentava-se naquele lugar. Aquilo fez a filha de Hermes sobressaltar-se ao seu lado, e acompanhando a reação dela, muitos dos demais passageiros levantaram-se de seus assentos ou viraram a cabeça assustados para ver o que tinha acontecido. Antes mesmo que tivessem tempo para entender, porém, outro estrondo atingiu o ônibus, e mais uma vez o que parecia uma bola de fogo destroçou uma das janelas, bem na região onde as duas estavam sentadas antes, a fumaça começando a exalar dentro do veículo, e o foco de um princípio de incêndio sendo criado. Evanora de repente viu-se congelada. Paralisada. Como se tudo aquilo estivesse acontecendo em uma espécie de câmera lenta, em imagens borradas e turvas. Suas mãos se fecharam em punho, seu olhar se perdeu completamente, parecia focado em um ponto fixo do chão do ônibus, mas ela nada via. A cicatriz em seu punho direito começou a coçar, pinicar e incomodar, enquanto a fumaça fazia-a reviver, como se estivesse acontecendo outra vez, uma das memórias mais perturbadoras que tinha de sua infância "Se é tão corajosa, passe algumas horas aí dentro". A voz de Tatiana ecoou em algum canto de seu subconsciente, conseguindo chegar até seu consciente "É isso o que acontece quando se brinca com fogo, doch'". Somente quando a terceira bola de fogo gerou outro estrondo ainda mais alto que os dois anteriores, fazendo o ônibus quebrar, derrapar na pista e tirá-la à força daquele estado paralisado, ela sentiu as mãos de Betsy Ross em seu braço como se tentassem desesperadamente trazê-la de volta do transe, desesperadamente tirá-la de dentro daquele ônibus no grito. O senso de sobrevivência de Evanora implorou para ser ouvido, mas toda a fumaça, o local fechado, o calor que emanava do fogo pareciam impossíveis de enfrentar para sair dali de dentro. Ross pareceu perceber sua hesitação, embora não conseguisse entender o que tanto a paralisava, mas mesmo contra sua vontade, a filha de Hades viu-se sendo puxada pela loira, quase arrastada, e foi um dos maiores exercícios de confiança que já precisou fazer, mesmo a contragosto, pois não conseguiu permanecer de olhos abertos diante de todo o laranja, vermelho e azul que saltavam aos seus olhos. Àquela altura, a cicatriz em seu punho fazia muito mais do que somente coçar e pinicar. Ela ardia. Ardia violentamente.

Do lado de fora, mais afastada de tantos gatilhos enquanto Betsy Ross continuava puxando-a para longe do ônibus, Evanora enfim começou a voltar a si, mas sentia-se cansada, ofegante, os dedos de sua mão esquerda buscando pelo punho direito para coçá-lo, arranhá-lo, gerar qualquer tipo de estímulo tátil que afastasse aquela ardência que ela sabia ser totalmente psicológica, a não ser que tivesse se queimado outra vez, no mesmo lugar, enquanto saía do ônibus. Ainda um pouco exasperada, Ross começou a perguntar se ela estava bem. Ou, ao menos Evanora só passou a ouvir a partir daquele momento “Estou bem”. A voz saiu arranhada, mas ela conseguiu deixá-la mais forte em seguida “Eu estou bem, Ross!”. Repetiu com maior intensidade, afastando-se da loira, que insistiu nas perguntas, querendo saber o que tinha acontecido com ela “Nada”. A palavra saiu por entre seus dentes cerrados “Nada!”. Evanora ergueu o olhar para encarar Ross e deixar claro que, naquele momento, aquele era um assunto que não seria tolerado, não adiantava ela insistir. E o clima entre as duas talvez até fosse começar a ficar pesado outra vez, no entanto, o som de algo se aproximando por entre a vegetação da floresta que a estrada cortava chamou atenção das duas. Parecia o som de algo pesado, e que não vinha sozinho. Do meio das árvores, às gargalhadas, surgiram cinco figuras de aproximadamente dois metros de altura ou mais, de corpos robustos, fortes, os braços quase completamente tatuados. Enquanto riam e conversavam entre si, era possível ver os dentes pontudos e amarelados. Mas o que mais chamou a atenção de Evanora e fez seus olhos ficarem fixos foi o que carregavam nas mãos: enormes bolas de metal, como as que atingiram o ônibus, cujo a simples memória a fez sentir nauseada. Os monstros comemoravam a conquista de mais um veículo destruído, cheio de fonte de alimento, e diziam ser o dia de sorte deles por terem escolhido justamente um com duas semideusas como passageiras. Evanora era capaz de ouvir o que estavam falando. Era capaz de perceber os detalhes e puxar na memória se já tinha lido algo sobre criaturas como eles: Canibais, gigantes, dentes amarelados, tatuagens tribais, gostam de atirar coisas... O nome de repente lhe veio à mente: Lestrigões. Sim, era isso, só podiam ser. Porém, assim como dentro do ônibus, era como se tudo estivesse acontecendo em imagens borradas, como se tudo que falavam soasse distante e chegasse a ela com lentidão, como um eco, porque seus olhos estavam fixos nas bolas de metal as quais ela sabia que quando fossem atiradas pegariam fogo.

Agradeceu quando a voz de Ross, a seu lado, conseguiu tirá-la um pouco do transe no qual já estava prestes a entrar novamente questionando o que eles eram "Lestrigões. Uma tribo de gigantes do norte, canibais e resistentes a... Fogo". As palavras foram ditas de forma quase robótica, como se Evanora estivesse dividida entre dois mundos: Um onde tudo parecia acontecer à distância, como se seu cérebro quisesse diminuir sua tensão dando-lhe a impressão de estar dentro de uma bolha; e outro onde a filha de Hades lutava para não entrar naquele transe outra vez. Outro onde lutava bravamente para que aquilo não a paralisasse. Seu senso de sobrevivência estava um caos. Seria impossível enfrentar aqueles monstros sem precisar lidar com as malditas bolas de fogo que tanto gostavam de atirar. Mas se ficasse parada seria alvo fácil, sem contar que não podia deixar Ross sozinha para uma batalha contra cinco daqueles gigantes. Não porque não acreditasse que a filha de Hermes podia se virar sozinha, já tinha sido testemunha dos talentos dela em combate e seu talento com a besta, mas porque certamente seria mais perigoso se ela lutasse sozinha. E Evanora não queria que ela corresse tal perigo. Em algum lugar do seu interior, uma vozinha gritou que deixar Betsy passar por aquilo sozinha não era uma opção, mas outra, muito atrelada a seus traumas e seu passado, gritava que "brincar com fogo" também não era uma opção.

E pode parecer que tais questionamentos e conflito interno estavam acontecendo em segundos e tratava-se de um processo rápido, mas infelizmente não era o caso. Enquanto Evanora lutava contra um dos fantasmas mais aterrorizantes de seu passado, sua mente registrava os monstros rindo da cara das duas, já cantando vitória e subestimando-as, contando com o fato de que seriam o alimento garantido deles. Aquilo a fez sentir raiva, mas o medo, por mais que ela detestasse admitir, ainda prevalecia. Sua mente também registrou o momento em que, a seu lado, Betsy Ross empunhou sua besta e aproveitou-se da idiotice dos gigantes para acertar um deles, o menor, bem na testa, fazendo-o virar pó enquanto ainda ria. Uma ação corajosa e inteligente da filha de Hermes que fez Evanora conseguir voltar um pouco a si. A filha de Hades queria muito ver no rosto da outra qual era sua reação ao matar um monstro e assisti-lo desfazer-se em pó dourado. Veria em Ross, em suas expressões, a mesma satisfação que a tinha consumido ao matar o filho de Aracne? Betsy sentiria prazer em fazer aquilo? Tudo que a filha de Hades conseguiu, porém, foi só um olhar rápido que não lhe deu tempo suficiente para fazer tais análises, porque os demais lestrigões, agora furiosos por perderem um membro do grupo, prometiam matá-las com crueldade.

A satisfação que sentiu ao assistir Betsy Ross matar um monstro bem à sua frente foi provavelmente o que salvou Evanora. Apesar de ainda não ter saído totalmente do estado de transe em que seu cérebro a colocara, ela foi capaz de se mover. Foi capaz de jogar o corpo para o lado e desviar quando as primeiras bolas de fogo começaram a ser atiradas. Aproveitando-se do fato de ter conseguido sair do estado paralisado, tentou ao máximo manter-se em movimento a partir de então, desviando das bolas seguintes tentando ignorar o detalhe de que estavam em chamas. Não era fácil, pelo contrário, era praticamente impossível, mas enquanto se mantivesse em movimento significava que não permitiria-se paralisar outra vez, mesmo sabendo o quanto estava sendo inútil naquela batalha e odiasse a si mesma por isso. Mas antes que tudo pudesse piorar, Betsy Ross a surpreendeu outra vez. Evanora não se lembrava de todos os truques que a besta roubada pela filha de Hermes na Caverna de Cristal possuía, mas quando a viu colocá-la sobre as costas, fazendo-a se transformar em asas, agradeceu que ao menos a loira pudesse fugir dali. Torceu para que ela o fizesse sem olhar para trás, sem se preocupar com o que aconteceria a sua companheira de missão que acabava de se mostrar uma inútil fadada a sucumbir aos próprios traumas. Por um instante Evanora desejou que Ross só a deixasse ali para que ela aprendesse de uma vez por todas, da pior forma possível, a enfim lidar com o fogo e enfrentar seu medo. Mas enquanto desviava de outra das bolas de metal, sentiu os braços da filha de Hermes em volta de sua cintura e seu corpo foi içado para cima. Com agilidade pegou as mochilas como a filha de Hermes pediu, e cada vez mais via se distanciar os gigantes canibais. Eles eram altos, fortes, o que significava que eram muito rápidos, mas eventualmente Ross conseguiu despistá-los e deixá-los para trás, e Evanora agradeceu por enfim não conseguir mais ver os objetos flamejantes e não precisar mais se preocupar com eles. Fechou os olhos por um instante, respirou aliviada, e precisava confessar a si mesma que a ideia dos braços da loira ao redor da sua cintura não era ruim. No entanto, aquilo significava que acabava de ser salva. Se não fosse por Ross, ela provavelmente teria morrido após ser atingida por um dos Lestrigões, e teria virado comida de canibal. E por isso Evanora jamais se perdoaria. Aos poucos, o estado de transe e preocupação foi cedendo lugar à frustração, à raiva de si mesma, e à aversão que tinha por ser ajudada, mesmo que a responsável por salvá-la fosse Betsy Ross. Sua vida esteve nas mãos dela, e tudo por culpa do seu maldito medo de fogo. A sensação era horrível para a filha de Hades, e ela estava determinada a enfrentá-lo de uma vez por todas na próxima vez que uma oportunidade se apresentasse.
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Re: Estados Unidos

Mensagem por Marissa Seymour Qua maio 31, 2023 8:54 pm

As Maldições
Enquanto o sol se punha no horizonte, tingindo o céu com seus tons dourados e alaranjados, eu admirava o mar. Tinha passado a tarde toda explorando e catando conchas, na intenção de fazer um novo colar delas após oferecer o antigo a meu pai antes de viajar, e alimentara as gaivotas. Sentei-me, resolvendo que seria um bom momento para descansar, e senti a maciez da areia entre meus dedos do pé enquanto assistia as ondas se quebrando suavemente na praia, ecoando um som reconfortante. Ali, diante da imensidão dos domínios de meu pai, com a brisa salgada acariciando meu rosto, atrevi-me a mergulhar em um momento de profunda nostalgia. Fechei os olhos, respirei fundo, e me imaginei de volta à prainha escondida no coração do brejo. O verde da vegetação exuberante que sempre me rodeou me envolveu em um abraço familiar. Lembrei-me dos raios de sol, filtrados pelas folhas das árvores altas e densas, que sempre criavam padrões de luz dançante sobre a areia úmida. Quase fui capaz de sentir o cheiro terroso do solo que se misturava ao salgado do mar. Também quase fui capaz de ouvir as rãs coaxando em harmonia com o murmúrio das águas, tão suave e relaxante. Um sorriso surgiu em meu rosto. Meu lar… Tão selvagem e sereno ao mesmo tempo. Vinha frequentemente me imaginando de volta ao brejo após recusar a oferta feita pelos deuses do terror e do medo durante a primeira missão na qual me envolvi. Sei que era preciso recusá-la. Aceitar aquela oferta não era uma opção, mas a possibilidade de voltar ainda continuava pintando meus pensamentos.

Mesmo passeando em memórias e meio aérea, porém, fui capaz de ouvir quando alguém se aproximou. Os passos na areia eram tranquilos, leves, não parecia ser uma movimentação de alguém que pretendia me atacar ou atrapalhar meu momento pegando-me de surpresa. Poderia possivelmente ser algum outro campista passeando pela praia, solitário. Abri meus olhos lentamente, desconectando-me das lembranças, e continuei ouvindo até o som parar, bem ao meu lado. Ao virar a cabeça, deparei-me com uma jovem que me olhava com tranquilidade. Perguntei-me se estaria curiosa a meu respeito, se tinha ido até ali, a pedido de alguém, para checar quão estranha é a menina do brejo que anda sozinha pela praia todos os dias. Mas apesar de parecer ser uma campista, seu semblante era muito diferente do que eu costumava observar nos outros. Como se fosse jovem, mas já tivesse muita maturidade para sua idade. Também me perguntei se deveria dizer algo. Cumprimentá-la, talvez? Dizer “oi”? Um sorriso, ao menos? Continuo não sendo boa em iniciar interações com outras pessoas. Felizmente, foi ela a primeira a falar, questionando se poderia sentar ao meu lado. Tinha um sorriso tão gentil... Eu hesitei por um instante, não porque tivesse pretensão de recusar o pedido, mas porque temi gaguejar e me atrapalhar com uma resposta simples. Para não arriscar, o que fiz em resposta foi assentir positivamente com a cabeça e dar um sorriso educado. Ela sentou-se ao meu lado e, em seguida, disse meu nome e sobrenome como se fosse alguém que já me conhecia consideravelmente mais que muitas pessoas. Não lembro-me de já ter dito meu sobrenome a algum dos outros campistas… Acredito que nem mesmo a Ivanna eu já disse. Meu olhar voltou-se para ela com curiosidade, minhas sobrancelhas se franziram, e quando ela se apresentou a minha boca se abriu em surpresa e admiração. Ali, sentada bem ao meu lado, diante dos meus olhos, na areia da praia, estava a deusa Ártemis. Uma deusa havia pedido para se sentar ao meu lado! Só que eu demorei para acreditar no início. Aquela seria a explicação, então, para a diferença que eu percebera? Sobre ela aparentar ser jovem, mas muito mais madura que qualquer jovem do acampamento? Sobre ter um semblante diferente dos demais? Mas e se fosse alguém querendo me pregar uma peça? Querendo me fazer acreditar que seria possível um dos deuses realmente sentar-se ao meu lado por livre e espontânea vontade? Enquanto eu me questionava, o olhar dela se voltou para o horizonte, como minutos antes o meu também estava, e seus lábios se curvaram em um sorriso, que eu acabei acompanhando quando também resolvi encarar outra vez o mar e os raios de sol reluzindo nas águas. Tive vontade de perguntar se era verdade, mas e se aquilo a fizesse pensar que eu estava duvidando, e ela se ofendesse? Ainda é um desafio tão grande saber o que dizer em algumas situações.

Quem quebrou o silêncio outra vez foi ela. Foi quando eu me convenci de que não era nenhuma brincadeira. Aquela era realmente a deusa Ártemis. E naquele momento, com uma expressão mais séria, ela me dizia que solicitava minha ajuda em uma caçada importante para ela e suas caçadoras. Tentei não demonstrar o quanto estava admirada, surpresa e um pouco confusa a partir de então, enquanto a ouvia explicar sobre como os monstros retornam do tártaro após um tempo depois de serem mortos, e como por vezes ressurgem em lugares aleatórios, podendo acontecer de voltarem para o mesmo lugar também. Sempre tive um pouco de dificuldade em assimilar muitas informações sendo ditas rapidamente, mas juro que estava me esforçando. Toda a questão do retorno era o caso do que ela chamou de “várias Arai”, espíritos de maldição, filhas de Nyx. Tentei disfarçar o quanto aquele nome era uma novidade para mim. Não queria, diante de uma deusa, demonstrar minha falta de conhecimento sobre muitas coisas da mitologia grega. Mesmo assim, achei atenciosa a forma como ela estava escolhendo me contar, contextualizar e explicar sobre a situação. Outra vez, muito diferente da maioria das pessoas que conheci. Encarei a areia sobre meus pés enquanto absorvia as informações sendo passadas. As Arai, quando feridas, lançam uma maldição em quem as feriu, sendo estas maldições muitas vezes associadas, quando em semideuses como eu, a monstros que matamos anteriormente, que antes de virarem pó acabam desejando que aquele que os matou morra da mesma forma como escolheu matá-los. O que tratava-se, porém, só de um exemplo, pois considerando que cada pessoa tem uma vivência, pode encontrar ao longo da vida muitas outras que desejem seu mal, e o importante é que aquilo era usado pelas Arai para se transformar em maldições reais.

Percebi certo pesar no olhar de Ártemis, e me vi engolindo em seco. Eu já tinha enfrentado alguns monstros desde a minha chegada ao acampamento, mas nenhum havia morrido especificamente pelas minhas mãos ainda. Não eram as possíveis maldições deles que me assustavam. Eram as que eu sabia que já tinham sido lançadas para mim, meu tio e Jay pelas pessoas que viviam em Barkley Cove, cidadezinha ao lado do brejo onde cresci. Pessoas que sequer nos conheciam, mas que não podiam nos ver em algum momento, perto da praia enquanto pescávamos, que já usavam da oportunidade para desejar-nos mal, mesmo que não conseguíssemos ouvir exatamente o que diziam. Sabíamos que desejavam-nos mal, era algo perceptível só no olhar que nos direcionavam, carregado de energia negativa. Até mesmo as crianças na escola me amaldiçoaram, nos únicos três dias em que frequentei o lugar. Mesmo que eu nunca tivesse feito mal algum a elas. Respirei fundo quando um arrepio percorreu meu corpo, uma espécie de mau pressentimento. Mas meu semblante mudou totalmente ao ouvir sair da boca de Ártemis a palavra “brejo”. Imediatamente voltei a olhar para ela, e tenho certeza que foi com um olhar iluminado, apesar da evidente seriedade do assunto. O local onde as tais Arai tinham aparecido… Era em um brejo próximo a Nova York. E Ártemis, contando o número de suas caçadoras e o número das Arai que precisariam ser vencidas, percebeu que a conta não bateria. Ela e suas seguidoras estariam em desvantagem numérica, e ela não permitiria que uma delas enfrentasse mais de uma criatura. Por isso ela queria minha ajuda. Por isso estava ali falando comigo. Queria que eu participasse daquela caçada com elas, matasse uma Arai, e ela me recompensaria. Mas foi o que ela disse em seguida, ao se levantar, que mais me tocou. Se eu aceitasse, Ártemis estaria me esperando em seu chalé, e me levaria até os arredores do brejo em questão, onde suas demais caçadoras já estavam de tocaia, mas além disso… O motivo pelo qual ela me escolheu me fez sorrir. “A menina do brejo” sempre tinha sido um termo usado por tantos para se referir a mim de forma negativa… De uma forma que me subestimava, me diminuía, me colocava no lugar de uma aberração, uma anomalia da civilização, uma selvagenzinha suja. Mas Ártemis… Ártemis usara o termo como se aquilo me tornasse única… Única, e com grande potencial de ajudá-la naquela situação, por conhecer um brejo como a palma da minha mão. Aquele não seria o meu brejo, onde cresci, mas não poderia ser muito diferente. As características e familiaridades do ambiente estariam todas lá.

Mesmo sem pesar muito os prós e contras do convite naquele momento, eu sorri. Ergui a cabeça para Ártemis e dei um dos sorrisos mais sinceros que já surgiram em meu rosto. O sorriso dela para mim também era terno, e naquele momento eu já soube que minha decisão estava tomada.

Chalé de Ártemis:

Antes de ir para o chalé 8, eu fui até o mar, deixando-o me embalar em suas ondas. Boiei sobre a água e fechei os olhos. Tentei imaginar o desafio que me aguardava. O semblante de Ártemis e suas explicações deixaram muito claro que as Arai eram perigosas. Meu medo, instintivo, pedia que eu não fosse. Mas meu coração, curioso e aventureiro, gritava mais alto implorando para ir. Não era somente pelo fato de ter a oportunidade de voltar ao brejo, era algo mais profundo. Como se eu simplesmente não pudesse nem mesmo cogitar recusar um pedido de Ártemis. Ela não me subestimara, como tantos. Pelo contrário, estava contando comigo, confiando em mim para ajudar. Ela confiava em mim. Eu tinha que ir. Mas no momento em que deixei de boiar para nadar de volta, as ondas se agitaram, e a correnteza ameaçou querer me levar para o fundo. Era como se o mar estivesse me dando um alerta, como se não quisesse que eu fosse. Quando cheguei de volta à areia, parei e me ajoelhei diante das ondas, que ainda resvalavam levemente em minhas pernas "Eu terei cuidado. Prometo. Eu vou voltar". Sorri e passei a mão pela água, molhando meu rosto uma última vez antes de enfim ir até o chalé de meu pai. Troquei minha roupa, peguei, ainda sorrindo, o arco que ganhara de Ivanna, prendi os cabelos em um rabo de cavalo, vesti o pequeno colar artesanal que ganhara de meu tio, que ele me prometera que dava sorte, e saí em direção ao chalé de Ártemis.

Respirei fundo antes de entrar, com certo nervosismo. Ao abrir a porta, inicialmente não vi sinais de Ártemis. Pensei em chamá-la, ou perguntar se tinha alguém ali, mas minha timidez e vergonha em perguntar em voz alta até mesmo as coisas mais simples me impediu. Ao invés disso eu sorri e me aproximei de uma das paredes, cheia de imagens lindas de animais. Uma delas em especial chamou minha atenção… Uma que tinha um grande felino desenhado, talvez um puma, um leopardo ou uma onça pintada. Algo dentro de mim se agitou ao vê-la, e eu estendi a mão para tocar suavemente. Foi quando ouvi um som atrás de mim e me virei no mesmo instante, deparando-me com a deusa. Nada precisou ser dito, nem por mim e nem por ela. Eu assinalei com um olhar e um leve aceno de cabeça. Eu estava pronta.

À Caminho do Brejo:

Não sentir-se pertencente a um lugar é algo que chega a ser engraçado, às vezes. Eu sabia que, para onde estava indo, o que enfrentaria me colocaria em perigo. Sabia que, fosse o que fosse, não seria fácil e eu correria risco de vida se não fosse cuidadosa e atenta o tempo todo. No entanto, a felicidade que me preenchia era genuína. E o fato de saber que estava saindo do acampamento para ir de encontro à natureza que sempre amei não era o único motivo. Por muitos dias acreditei que a sensação de voar em um pégaso seria uma das coisas mais incríveis que faria na vida, e de fato tinha sido inesquecível. Mas naquele momento, Ártemis estava me provando que outras coisas podiam ser tão incríveis quanto. O verde das árvores passava à minha volta como um borrão aos olhos enquanto, montada em um cervo, ao lado da deusa, meu cabelo, preso em um rabo de cavalo, esvoaçava devido a alta velocidade em que avançávamos em direção ao brejo. Eu sempre tive um carinho muito grande por cervos. Era difícil interagir com eles na mata, afinal, são extremamente ariscos, e atentos ao menor dos barulhos que possa indicar a presença de um predador ou qualquer coisa que os assuste. Costumava treinar com eles minha capacidade de ser silenciosa e furtiva. Mas só conseguia me aproximar com tranquilidade para poder observá-los quando o fazia pelo alto, pelas árvores. São animais tão puros e bonitos… E talvez em meus sonhos eu já tenha me imaginado montada em um enquanto este saltava e corria pela mata, mas nunca imaginei que de fato o faria um dia. Assim como a viagem de navio… Assim como tantas coisas que vinham acontecendo comigo nos últimos meses. É incrível o que os deuses são capazes de fazer e nos permitir fazer também, às vezes. Mas apesar de todo meu corpo exalar felicidade, de meu rosto implorar para que o sorriso se estampasse, eu o contive. Contive porque não queria que Ártemis pensasse que eu subestimava a tarefa para a qual ela pedira minha ajuda. Não queria que Ártemis pensasse que eu subestimava o perigo que correria, não somente eu, mas suas caçadoras caso eu não fosse capaz de fazer minha parte. O medo sempre me manteve muito atenta a qualquer ameaça, a diferença era que naquele momento, talvez pela primeira vez, a felicidade de me sentir de volta ao lugar ao qual eu realmente pertencia estava conseguindo suprimi-lo por um tempo. E eu me permiti sentir tal felicidade. Só não precisava demonstrá-la tão evidentemente.

Florestas, bosques, qualquer tipo de mata, para muitas pessoas, devem parecer todas iguais. Como se fosse tudo uma coisa só. Como se todas carregassem as mesmas características, fossem moradia dos mesmos animais, o lugar ideal para as mesmas árvores. Eu, no entanto, consegui perceber imediatamente o momento em que entramos no brejo. Inicialmente, o cervo ficou mais lento. O som de seus cascos começou a ecoar nas águas do solo alagado, sendo abafado em seguida pelo chão mais lamacento, que diminuiu ainda mais sua velocidade. Ao redor, uma floresta de carvalhos que se adensavam e certamente abrigavam uma lagoa próxima, a considerar o som do coaxar dos sapos. Eu sabia até o que viria depois. Córregos vagarosos, olhos d’água, até que começassem os areais planos e quilômetros de um capim tão resistente que crescia na água salgada, interrompidos apenas por árvores tão vergadas que tinham o mesmo formato do vento. E os palmeirais. O ar tornou-se salobro, e eu me senti em casa.

O cervo parou, e eu desci sentindo com prazer meu pé afundar alguns centímetros no solo encharcado. Agradeci a ele com uma carícia leve antes que Ártemis o liberasse, e tentei não me acuar muito quando percebi o que certamente eram suas caçadoras se aproximando. Eram lindas, todas elas, e exalavam força e astúcia. Foi inevitável acabar me encolhendo um pouco, essa é sempre minha reação ao ser cercada por pessoas demais. Mas não me senti desconfortável ou intrusa. Talvez fosse um efeito de estar no brejo. Uma delas falou com Ártemis, dando coordenadas de localização de onde as Arai que já tinham sido identificadas se encontravam, ou tinham sido vistas pela última vez. Em seguida, nos espalhamos para procurar. A caçada ia começar.

O Brejo:

Pousei  minha mão na terra molhada, que parecia respirar, e cumprimentei o brejo como quem reencontra uma mãe, assim que me vi sozinha. Fui adentrando-o cada vez mais, com passos leves enquanto conseguia identificar com precisão por onde as outras caçadoras já tinham caminhado anteriormente. Uma coisa importante sobre o brejo: Ele é péssimo em guardar segredos. Elas tinham pisado firme nos bancos de areia, o que deixava pegadas claras como o dia, embora o dia já tivesse escurecido significativamente. Na água, rastros do que não eram pegadas humanas, mas de um animal muito leve que provavelmente passara rapidamente para matar a sede, dera meia-volta e seguira em outra direção. Quando cheguei à lama, mais passos das caçadoras. Pela quantidade, mais de uma, e eu desconfiei que tivessem avistado alguma coisa de diferente, ou que merecia atenção, pelo padrão das pegadas. Estavam em círculos, como se elas tivessem necessitado virar-se para olhar ao redor e patrulhar a região. Fiquei mais atenta. Ao alcançar terra mais firme, pulei tufos de vegetação e gravetos para não fazer barulho, e sem encontrar mais vestígios, soube que aquela área ainda não tinha sido checada, e foi para onde segui, adentrando a região de carvalhos e arbustos mais densos que rodeavam o espelho d’água, escurecendo-o como uma caverna. O medo fez-se presente, e eu empunhei meu arco. A preocupação principal eram as Arai, mas eu não podia me esquecer também dos predadores naturais do brejo. Eles eu felizmente conhecia bem, e conseguiria identificar mais facilmente, mas não podia subestimar a ameaça que eram e simplesmente esquecê-los. Tinha que procurar pelas criaturas estranhas àquele ambiente sem me esquecer das que eram moradoras dele.

Algum tempo depois, um graveto estalou atrás de mim. Virei a cabeça para trás em um tranco, à procura do que poderia ter causado o barulho. Quando não vi nada, procurei por alguma pegada no chão da mata. Havia uma de urso, cujas patas grandes costumam produzir um ruído úmido nas folhas decompostas, nada parecido com o que eu ouvira. Até mesmo porque, se o que estalara o graveto fosse um urso, eu certamente já estaria morta àquela altura, ou gravemente ferida por não ter reparado em sua aproximação. Mas podia ter sido um graveto que se soltara da árvore e caíra. Mais à frente, ouvi um clang sólido nos arbustos. E os corvos grasnaram. Corvos guardam segredos tão mal quanto a lama. Quando veem algo curioso na floresta, precisam contar para todo mundo. Quem escuta é recompensado: Ou é avisado sobre a presença de predadores, ou então sobre a presença de comida. Eu sabia que algo estranho estava acontecendo.

Uma forma atravessou furtivamente um arbusto mais adiante, e meus olhos se fixaram lá, meu corpo todo estremeceu, e eu engoli em seco, preparando meu arco e aguçando ainda mais meus sentidos. Abaixei-me, e comecei a avançar agachada, rápida e silenciosa, até a vegetação baixa na borda da clareira. Olhei para trás por entre os galhos, somente para checar se nada me seguia, mas o que quer que fosse, parecia estar à frente, não atrás de mim. Tive a impressão de ver novamente uma forma passar furtivamente e ouvi um sussurro que arrepiou até meu último fio de cabelo, fazendo-me prender a respiração e me esconder atrás de uma moita de espinhos “Eu ouço você, ratinha do pântano”. Uma aflição me consumiu. Minha frequência respiratória acelerou e o medo gritou dentro de mim para que eu fugisse. Só podia ser a criatura que Ártemis descrevera, mas o problema era que ela talvez estivesse me vendo quando eu não fazia ideia de onde ela estava. Engoli em seco. Tentei me espremer para dentro de um túnel cavado por coelhos que serpenteava através de arbustos grossos feito a muralha de uma fortaleza. Ainda curvada, eu avancei atabalhoadamente, arranhando os braços nos espinhos sem nem me importar. Parei outra vez para escutar, temendo outro daqueles sussurros.

Instantes depois, o vento ganhou uma força incomum, e inúmeras folhas amarelas de sicômoro se soltaram das árvores e começaram a flutuar pelo céu, acompanhadas dos corvos que grasnaram e alçaram voo rapidamente como se fugissem desesperadamente de algo “Saia do meio dos arbustos, galinha do brejo!”. E então eu a vi. Entre dois carvalhos, uma figura etérea e sinistra, envolta em sombras e névoas escuras. Parecia que tinha saído diretamente dos meus piores pesadelos. Seu corpo tinha uma forma vagamente humana, mas distorcida e deformada, com membros alongados e articulações angulosas. A pele era pálida e translúcida, como se estivesse coberta por um véu de trevas. Perguntei-me se ela teria me visto. O medo tentou me paralisar, como sempre, mas lembrei-me de Ártemis e suas palavras. Ela confiava em mim, e eu precisava mostrar que Hefesto tinha razão quando disse que sou mais corajosa do que imagino. Apesar de saber que eu estava entre os arbustos, a figura não parecia saber quais. O brejo é recheado deles, afinal. Eu tinha vantagem. Enquanto ela me buscava, apontei uma flecha, respirei fundo antes de tencionar ao máximo o cabo do arco, e disparei, conseguindo acertá-la em cheio. Um guinchar de dor escapou da criatura, e as sombras escuras que a rodeavam vieram imediatamente em minha direção, pegando-me de surpresa. Ao me levantar, no susto, para evitá-las, e tentar me movimentar para fugir, de repente senti uma dor aguda no pé direito que subiu feito fogo por minhas pernas. Um uivo de dor, que não consegui reprimir, escapou pela minha garganta e meus joelhos perderam a força. Eu caí de lado e apertei os lábios com força, impedindo que mais sons de dor escapassem enquanto me assustava ao ver um prego comprido e enferrujado cravado bem fundo na sola de meu pé. Mas… Como? De onde ele teria saído? Uma risada sinistra ecoou pela mata, me causando um calafrio. A Arai certamente descobrira onde eu estava. Com um movimento rápido, estendi a mão para tentar arrancar o prego, mas não consegui. Não importava quanto eu tentasse puxá-lo, ele não saía. Choraminguei. Foi nessa hora que me lembrei das explicações de Ártemis. Quando é ferida, a Arai lança uma maldição em quem a feriu. Uma que, em algum momento da vida, já foi desejada contra quem a atacou. É claro… Quantas pessoas, ao me verem só andar descalça, na mais pura maldade deveriam ter desejado que eu pisasse em um prego enferrujado para aprender a lição? Lembrei-me inclusive de ter escutado de uma das funcionárias da escola a palavra "tétano". Outro calafrio me percorreu. A maldição incluiria também a doença? Senti um aperto no estômago e fiquei com frio. Jay me contara sobre um menino que pisou num prego sem ter tomado a vacina. O maxilar do garoto travara, fechado com tanta força que ele não conseguia abrir a boca. Depois, sua coluna se retesou para trás feito um arco, e ninguém pôde fazer nada a não ser ficar parado vendo ele se contorcer até a morte. Choraminguei outra vez, mas me endireitei para sentar e me afastei dos arbustos.

Foi quando meu olhar encontrou o dela. Os olhos da Arai eram brilhantes, mas um brilho frio e penetrante, que transmitia um sentimento de ameaça e maldade. Maldade pura. Ali estava ela, diante de mim, não mais distante, não mais sem saber em quais arbustos eu me escondia. Eu respirei fundo, engolindo o choro e a dor, e tentei me levantar, mesmo sem conseguir apoiar o pé direito no chão “Selvagenzinha suja que só anda descalça”. Quanto mais perto ficava dela, mais ouvia os sibilos e sussurros dentro da minha mente. Sussurros que eram as mais diversas ofensas que eu já ouvira durante a vida. A maioria, adjetivos negativos que já tinham sido associados a mim em algum momento. Era irritante e desconcertante, e se ficar perto dela tinha aquele efeito eu precisava me manter o mais longe possível. Empunhei novamente o arco e tentei atirar outra flecha rapidamente, sem me preocupar muito com a mira, visto que ela estava logo à minha frente. Mas foi completamente inútil. A Arai era realmente um espírito. Sua forma física não era estável, e antes que a flecha a atingisse, ela se desvaneceu em sombras e reapareceu logo ao lado, sua forma escura vindo rapidamente em minha direção como se fosse movimentada pelo próprio vento. Abaixei meu corpo e me joguei para o lado, apoiada em um joelho para tentar outra flecha que foi tão inútil quanto a anterior. Percebendo que estava em desvantagem, tentei correr, mas como? Se não conseguia pisar e descarregar o peso no pé direito sem sentir uma dor excruciante subir por minha perna? Naquele momento eu era lenta, e ela, rápida demais. Mas o medo tinha voltado a dominar minhas ações. E eu paguei o preço quando senti as garras dos dedos compridos de suas mãos alongadas em minhas costas, furando-me e jogando meu corpo para baixo. Caí com o peito no chão, perdendo o fôlego por um instante. Ao me debater para tentar escapar, senti-a arranhando minhas costas e rasgando minha pele. Mas aquela era uma dor tão menos intensa que a do pé, que ainda irradiava, que consegui ignorar e dedicar toda força que tinha para me desvencilhar. Assim que consegui, virei de barriga para cima e dei-lhe um pontapé com o pé bom, seguido de um golpe com a madeira do arco, o suficiente para afastá-la para que eu pudesse me levantar e correr o mais rápido que podia, ignorando os choques de dor que subiam por minha perna e usando a ponta dos pés ao invés de pôr a sola toda no chão para ganhar impulso. Felizmente, meu corpo também já estava tomado de adrenalina, me permitindo ignorar a dor e priorizar a fuga. E também felizmente, eu já ferira a criatura uma vez.

Corri com a experiência que já tinha do ambiente, utilizando-me de partes mais elevadas do solo para ganhar mais impulso e velocidade nas passadas, evitando gravetos no chão, poças de lama que pudessem me atrasar, e rodeei o espelho d'água na esperança de encontrar um caminho até o mar, mas me deparei com um atoleiro. Para minha sorte, bem no meio dele havia um grande tronco, provavelmente caído há muitos anos de um dos carvalhos, e me impulsionei, mesmo soltando um grunhido de dor ao saltar, para caminhar por cima dele e não acabar com as pernas presas, dando outro salto para a terra mais firme quando o tronco terminou, conseguindo fugir do atoleiro. Porém, acabei não calculando bem o salto, e precisei pousar com o pé direito ao invés do esquerdo, e a dor que irradiou tirou totalmente a força das minhas pernas, fazendo-me cair no chão e meus olhos ficarem marejados. Por que eu estava fugindo outra vez? Por que estava buscando a fuga quando poderia estar enfrentando-a de frente? Por que me achava tão incapaz de fazê-lo que sempre procurava por uma oportunidade de fugir? Estava na hora de me livrar desse hábito. De usá-lo quando era essencial, e não quando sabia que era inútil e apenas uma forma de atrasar o confronto. Os reflexos e agilidade que eu tinha para fugir e me esconder também podiam ser ótimos em combate.

Tive raiva de mim mesma, mas ao tentar me reerguer para me colocar em posição de batalha, os sussurros já estavam muito perto, e eu senti dentes se fecharem em volta da minha panturrilha direita, impedindo-me de conseguir. Não tinha percebido que além das garras, a Arai tinha dentes afiados também, mas cerrei o maxilar com força para não gritar de dor, e deixando que o calor da raiva me consumisse, eu a chutei com toda força no rosto, com a perna que ainda estava boa. Levantar se tornou ainda mais difícil... Além do prego ainda afundado na sola do meu pé, minha panturrilha tinha sido mordida. A fraqueza causada pela dor já começava a tomar conta do meu corpo, mas eu me forcei a levantar. Minha perna direita já era quase inutilizável àquela altura, mas eu me forcei a continuar, para me afastar do atoleiro para onde tinha medo que ela me levasse. Queria chegar até o mar, que eu sabia que estava mais à frente por conta do capim. A água me ajudaria. Senti tontura e obriguei-me a parar por um instante para me apoiar em um dos carvalhos e me manter em pé. Os sibilos chegaram até meus ouvidos de novo, e eu me virei, empunhei o arco para atirar outra flecha na Arai, mas ela me empurrou com toda força contra o tronco da árvore, fazendo-me bater a nuca contra a madeira e desabar no chão. Achei que morreria. Achei que aquele seria meu fim, e na minha cabeça eu agradecia que ao menos morreria no brejo. Mas então eu vi o que me salvaria. Em milésimos de segundos eu vi o que me salvaria. Um dos galhos do carvalho da frente, a aproximadamente dois metros do chão, estava quebrado, formando uma ponta. Posso dizer também que foi Ivanna quem me salvou. Empunhando o arco que ganhara de presente da minha única amiga, eu olhei diretamente nos olhos da Arai e mirei exatamente para onde queria que ela fosse "Eu não voltei ao brejo para morrer. Eu vim aqui pra te matar". Minha voz saiu fraca, mas carregada da determinação que me invadiu quando puxei o cabo do Pintura do Mar sem uma flecha, e o que saiu dele foi uma torrente de água, forte o suficiente para jogar a criatura para longe e exatamente contra o galho que formava uma ponta, seu corpo sendo transpassado e seu grito ecoando por toda a mata, agitando os pássaros nas árvores mais próximas enquanto eu sorria, mesmo com a visão turva "Consegui, Ártemis... Eu consegui". Antes que o corpo dela se desfizesse em pó, e eu sabia que aconteceria, outra vez parte das sombras que a rodeavam vieram em minha direção, e antes que ela morresse, um último sibilos chegou aos meus ouvidos "Morra de fome, menina do brejo".

Não sei dizer por quantos minutos fiquei apagada. Mas quando voltei a abrir os olhos, minha barriga roncava e doía. Eu sentia dores pelo corpo todo. Meu pé latejava, minha panturrilha doía, assim como minha cabeça. Tive vontade de apagar outra vez. Inconsciente aquelas dores não me incomodavam tanto, mas não deixei que me vencessem. Não tinham sido tantos minutos assim, soube porque a lua ainda começava a apontar no céu, a noite apenas começando. Com o que me restava de forças, tomada também pela fome, uma que eu nunca sentira antes, insuportável e que dava a impressão de que minha barriga estava se contorcendo, tentei me levantar apoiando-me no carvalho. Precisava chegar até o mar. Ele estava alguns metros à frente, eu sabia, conseguia sentir. Conseguia ouvi-lo. Mas só fui capaz de dar alguns passos antes de perder as forças e precisar me encolher no chão com a mão na barriga. Fome... Quem poderia já ter desejado que eu morresse de fome? A lembrança veio à minha mente quase no mesmo instante em que perguntei. Era uma memória longínqua, talvez dos meus quatro ou cinco anos... Na única vez em que me lembro de termos ido, eu, Jay e meu tio, a um barzinho da cidadezinha ao lado do brejo. Não me lembrava das demais pessoas, mas um homem... Também não conseguia ver seu rosto com precisão, mas suas palavras eu recordei "Achei que essa gente do brejo não tivesse dinheiro sequer para comer"... Outro lhe respondeu "Não deveriam..."... O primeiro homem riu "Deviam morrer de fome, um custo a menos pro governo da cidade". Então era isso... E eu tinha cada vez mais ódio do povo de Barkley Cove.

Consegui, com muito custo, chegar até uma vala de água salobra que, na maré baixa, fica tão salgada a ponto de cristais brancos reluzirem nas bordas. Sentei-me no chão e mergulhei o pé direito na salmoura do brejo, cerrando o maxilar com a ardência que subiu pela minha perna. Afundei até chegar à panturrilha, e voltei a encostar as costas no chão. Só percebi que tinha apagado outra vez quando voltei a despertar. Imediatamente procurei pela lua. Novamente não tinha sido por muito tempo. Senti certo alívio ao perceber que a dor diminuíra um pouco, ao menos a ponto de não latejar mais. Tentei me colocar em pé outra vez, e conseguindo, manquei até chegar ao mar, passando pelo capim, pela areia até sorrir quando encontrei as águas escuras pela noite. Deitei-me no raso, deixando que as ondas passassem repetidamente por meu corpo, a fome me obrigando a ficar mais encolhida, com as mãos na barriga "Ajude-me, pai... Livre-me dessas maldições". Quando o sono quis me dominar outra vez, não permiti. Tinha medo de não acordar mais. Resolvi cantarolar, mesmo meio choramingando, para me impedir de dormir "And wherever I wander... The one thing I've learned... It's to here... I will always, always... Return".

Quem me amparou foram as caçadoras de Ártemis e a própria deusa, minutos depois. Quando alguém puxou o prego de meu pé, enfim conseguindo tirá-lo, eu mascarei a dor, tentando mostrar que era forte, o que continuei a fazer em seguida, ao me colocar em pé. Soube que apesar dos ferimentos, com os quais eu já conseguia sentir que água ajudara, e apesar da fome, que eu não sabia por quanto tempo duraria, eu chegaria segura com elas até o acampamento. Ártemis confiara em mim para matar a Arai. E eu confiava nela e em suas seguidoras para me levar de volta. Despedi-me outra vez do brejo, não com um "adeus", mas um "até logo".

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Marissa Seymour
Caçadoras de Ártemis
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Re: Estados Unidos

Mensagem por Mary Betsy Ross Dom Jun 04, 2023 6:55 pm

Dia 2 - 11:00
Na estrada
S08P05
Mary gosta de conversar, mas não pode-se dizer o mesmo de Evanora. Na rodoviária, a filha de Hades nada falou, nem quando as duas estavam procurando o ônibus específico e nem quando estavam fazendo fila para entrar no mesmo. Até a desconhecida que estava na frente de Mary na fila quis conversar com ela, mas Evanora? Não, ela resolveu ficar em silêncio. Mesmo quando as duas subiram no ônibus, sentaram lado a lado e a viagem começou, nenhuma conversa. Certamente Mary preferia passar o tempo conversando, mas se Evanora não quisesse, ela não iria insistir, ainda mais tendo outras coisas com as quais pudesse se distrair. A filha de Hermes acabou sentada na janela e ficar observando a paisagem era ótimo. Mesmo que por longos quilômetros essa paisagem não mudasse muito, havia uma magia em ficar apenas olhando para a janela de um ônibus vendo o mundo passar pelos seus olhos. Mary se sentia livre das amarras do acampamento, por mais que estivesse numa missão e, naturalmente, todas as missões são perigosas e ela corresse risco real de morrer. Mesmo assim, naquele momento, ela estava conhecendo o mundo. Além disso, ficar observando a janela é um momento deveras reflexivo, Mary pode ficar pensando nos últimos acontecimentos de sua vida, esses que envolviam, adivinha? Isso mesmo, a filha de Hades que estava sentada ao seu lado. Ainda não conseguia entendê-la bem, não conseguia compreender porque a outra estava a evitando. Se não fosse por essa missão, quem sabe as duas estariam agora no Acampamento Meio-Sangue com Evanora nem sequer tendo um mínimo de interação com ela. Mary não é filha de Afrodite para entender muito de relacionamentos, mas sabia que aquilo estava errado. Ela e Evanora já tinham passado por coisas íntimas, como a forma que se conheceram no Riacho, a missão em que encontraram Eros, os acontecimentos do Arsenal (Mary poderia facilmente ficar horas refletindo sobre estes). Porque, só agora, Evanora estava a evitando a todo custo? No fim das contas, queria mesmo afastar Mary e só ela não estava percebendo? Só de pensar nisso, seu semblante ficou mais melancólico. Não que Mary fosse apegada às pessoas, mas toda vez que estava com Evanora, Mary se sentia mais viva porque vivia todo o tipo de situação estranha. Era diferente de tudo que ela viveu antes, era intenso, ela não queria abrir mão disso.

Porém, com o passar das horas, Evanora simplesmente se levantou. Até então, seria uma ação comum, provavelmente ela só queria ir ao banheiro… Exceto que ela não voltou. Mary aguardou dez, quinze, quando deu mais ou menos vinte minutos ela não aguentou mais. Alguma coisa estava errada. Mary levantou-se de seu assento e foi em busca de Evanora, encontrando-a sentada, sozinha, alguns assentos para trás. A raiva começou a subir pelo seu corpo, o que aquela garota estava pensando? - Você está com algum problema? - A vontade de Mary era gritar, mas para não fazer um vexame num lugar fechado em movimento, ela deu uma espécie de “grito abafado”. - Achei que algum monstro tinha pego você ou sei lá. A gente não tem que se separar, estamos em uma missão. Chega pra lá. - Mary não esperou que Evanora “chegasse para lá”, apenas foi se sentando, queira a outra quisesse ou não. Mesmo agora juntas, Mary ainda se manteve emburrada por mais um pouco do percurso, considerando que, mesmo numa missão, Evanora quis se afastar. Porque ela fazia isso? Realmente não queria estar perto de Mary? Porque ela tinha que ser tão difícil de entender? Durante muitos quilômetros, Mary ficou pensando nisso. Agora que não estava mais na janela, ela só podia contar com seus pensamentos para se distrair… E também a sua bússola, ao qual ela pegou na mochila apenas para ficar olhando o ponteiro mudar de posição a cada curva. Ela gostava de olhar aquilo, embora não tivesse qualquer razão especial. Queria ela que existisse uma bússola que apontasse o caminho para aprender a lidar e entender a garota ao seu lado, mas não é a coisa mais fácil do mundo ganhar itens mágicos, ainda mais um tão específico quanto o que ela imaginava. Em meio aos seus pensamentos, ela ouviu a voz de Evanora, surpreendendo-se com a outra querendo conversar. Ela queria saber sobre a parte da profecia que falava sobre Mary, a filha de Hermes que encontra sua essência perdida. - Já tentei pensar no que pode ser, mas não me lembro de ter perdido alguma coisa, ainda mais uma essência. - Por Mary, ela estava em dia com sua essência, era quem era e não tinha problemas com isso. Infelizmente, Betsy não tinha muito o que dizer sobre isso, então a conversa não se estendeu. Pelo menos, era o que ela esperava, mas Evanora queria conversar mais. Uau, impressão minha ou a missão estava fazendo milagres? Você acha que essa foi toda a surpresa desse momento? Não, o mais surpreendente era Evanora falando coisas mais profundas, dizendo que a maioria das pessoas mantinha a distância dela, isso porque ela fazia questão de afastar as pessoas, de dar todos os alertas possíveis para que ficassem longe. Então, após explicar tal raciocínio, ela perguntou porque Mary ignorava os alertas. Evanora perguntou olhando nos olhos de Mary, assim como ela também encarou sua parceira de viagem antes de responder… Só que ela não conseguiu responder, porque algo começou a acontecer.

Enquanto Mary pensava numa resposta, Evanora, do nada, falou que alguém iria morrer. Foi o suficiente para a filha de Hermes ficar completamente alerta, olhando para os lados, procurando um suspeito no ônibus. Quando se é um semideus em uma missão, ouvir que alguém iria morrer não se tratava de uma piada, poderia ser uma realidade. Segundos depois, algo fez o vidro de uma das janelas se espatifar. Barulho de vidro quebrando, em seguida de um baque, foi ouvido. Uma pessoa acabou acertada. Seria esse o “alguém que ia morrer”? Mary evitou olhar, não queria ver o possível sangue das feridas. Ainda assim, o acontecimento foi mais que o suficiente para fazer Mary levantar-se de sua poltrona e ficar com as mãos a postos para pegar ou sua besta ou a sua lança. Um segundo projétil, então, invadiu o ônibus, espatifando outra janela. Dessa vez, ela conseguiu ver com melhor clareza o que era, uma bola de fogo que acertou bem nas poltronas onde antes Mary e Evanora estavam a pouco. A filha de Hermes engoliu seco, acreditando que aquilo não era nem um pouco coincidência. As poltronas começaram a pegar fogo, fumaça começou a exalar no local, não demorando a preenchê-lo, por mais que algumas janelas estivessem quebradas. Os demais passageiros do ônibus agora começaram a ficar mais desesperados do que antes, gritando e empurrando uns aos outros, inclusive as garotas. Mary teria ido direto para as portas do ônibus também, mas Evanora encontrava-se parada no mesmo lugar como se fosse uma estátua. - Evanora, a gente tem que ir! - Ela disse. Nem que as duas tivessem que se jogar no ônibus em movimento, elas tinham que sair dali, porém, a filha de Hades parecia estar em transe. - EVANORA! - Ela deu um grito mais alto, nada. - EVA! - Começou a sacudi-la e, ao mesmo tempo, todo o ônibus sacudiu. Barulho de pneu cantando no chão foi ouvido, o ônibus estava derrapando depois de um alto som de maquinário. Não precisava ser engenheiro para notar que uma bola de fogo deveria ter acertado uma parte importante do ônibus do lado de fora, ele não iria mais muito longe. Ao menos, aquilo serviu para alguma coisa, Evanora parecia ter acordado, agora estava piscando. - Temos… Que… Ir. - Mary falou devagar na esperança de que Evanora fosse captar a mensagem. Olhando nos olhos dela, Mary poderia dizer que sim, ela entendeu, mas ainda havia um receio em se mexer. Chega. Mary pensou pegando o braço de Evanora, as mochilas das duas, e puxando-a para a porta do ônibus. Elas iriam sair nem que fosse de arrasto. Segundos depois, Mary viu-se do lado de fora do ônibus junto de alguns sobreviventes. Dando uma olhada rápida no ônibus, ela viu janelas quebradas, a parte de cima de um dos pneus atingidos (o que deve ter feito o ônibus dar a derrapada que deu) e fumaça saindo das janelas quebradas vindas das poltronas incendiadas. Propositalmente, ela evitou olhar para os outros sobreviventes, alguns deles poderiam estar sangrando.

- Você está bem? - Mary perguntou para Evanora assim que as duas se viram numa distância segura do ônibus. A filha de Hades, depois de alguns segundos de delay, respondeu que estava bem, porém, a forma como ela deu essa resposta não convenceu em nada Betsy Ross, sua voz quase não estava saindo. Evanora reafirmou que estava bem de forma mais firme, mesmo assim, não foi convincente. A forma como ela tinha agido dentro do ônibus com certeza não condizia com suas atitudes normais. Evanora apenas não é o tipo de pessoa que, subitamente, congela, e Mary não iria ignorar isso. - O que aconteceu com você lá dentro? - Ela perguntou, mas Evanora respondeu “nada” de forma evasiva. Claramente tinha alguma coisa! Não precisava ser filho de Hermes ou de Afrodite para saber. - Não é nada! - Mary rebateu, mas Evanora afirmou novamente que era “nada” e, ao julgar pelo olhar que ela deu para Mary ao responder pela segunda vez, estava claro que aquele assunto não seria tocado naquele momento. Fosse o que fosse, Ross percebeu que não iria tirar nada de Evanora daquela forma e naquela situação, então preferiu guardar a informação dentro de si e perguntar novamente num momento mais oportuno. Ela não se esqueceria, pode ter certeza. Em um timing perfeito, outra coisa chamou a atenção das duas enquanto um clima pesado se instaurava sobre elas. Era o som de altas e grossas gargalhadas. Mary seguiu o som e olhou de onde ele vinha… Estava vindo das árvores rentes a estrada. O chão começou a tremer levemente, as gargalhadas se tornaram mais altas a cada segundo, até que os monstros começaram a sair detrás das árvores. Um, dois, três, quatro, cinco gigantes de mais de dois metros de altura carregando bolas de metal sobre suas mãos. Eles tinham tatuagens tribais pelos braços e não pareciam se importar com o fato das bolas de metal chamuscarem. Eles começaram a falar entre si sobre como tinham tido a sorte grande naquele dia, porque além de mortais comuns, poderiam devorar também duas semideusas. Mary não sabia ao certo o que eles eram, mas conseguiu perceber algumas coisas a partir da conversa. Primeiro: eles comem pessoas. Segundo: caçar ônibus parece algo comum na rotina deles, a forma como eles conseguem alimento. Terceiro: eles tinham amado saber que conseguiram abater um ônibus que tinha justo passageiras semideusas. - O que eles são? - Mary perguntou para Evanora, considerando que a filha de Hermes tinha uma péssima disposição para as aulas de História dos Deuses ou fazer pesquisas por si própria. Evanora tinha bem mais conhecimento e informou que se tratava de lestrigões, uma tribo de gigantes originária do norte, conhecida por comer seres humanos e por serem resistentes ao fogo. Mary poderia se admirar facilmente com o conhecimento de Evanora se não soubesse que aqueles lestrigões queriam devorá-la e se não tivesse visto a expressão no rosto dela ao falar sobre aquilo. Ela estava quase naquele estado de transe novamente só de olhar para os lestrigões. Será que Evanora tinha medo de monstros e não gostava de admitir? Então porque, no dia anterior, tinha se gabado de ter matado um filho de Aracne? Cada vez mais Evanora se tornava um quebra-cabeças muito complicado para Mary.

Mary gostaria muito de poder refletir sobre isso, mas havia cinco lestrigões na frente dela, que só não tinham atacado porque estavam entretidos conversando entre si. Dois deles eram maiores, um homem e uma mulher (ou seria um macho e uma fêmea? Vai saber), os outros três eram menores. Mary sentiu um certo nojinho ao perceber que aquela se tratava de uma linda família feliz de monstros comedores de gente, principalmente de gente que possuía sangue parcial de algum deus. Mary levou a mão até a sua besta e empunhou-a na direção dos lestrigões. Eles olharam para ela e… Começaram a dar risada. Eles não estavam nada intimidados com uma semideusa com uma besta e outra semideusa parada sem fazer nada. Isso mesmo, Evanora não teve nenhuma atitude, mais uma coisa que Mary não estava entendendo sobre ela. Ao menos, Betsy poderia aproveitar toda aquela soberba da parte dos monstros para dar o primeiro ataque. Ela mirou sua besta e atirou um dardo bem na testa do menor dos lestrigões. Seria ele o irmão caçula? Bom, era uma vez um irmão caçula, porque o dardo dela pegou bem no crânio do monstro e ele se desfez em pó dourado. No mesmo segundo, os quatro sobressalentes pararam de rir, seus semblantes passaram de divertimento para completa fúria. Eles começaram a atirar suas bolas de metal que, ao voarem na direção das garotas, começaram a pegar fogo. Oh, então era assim que surgiam as chamas. Uma bela artilharia, mas não quando você é o alvo. Mary ocupou-se em esquivar-se das bolas de metal, que ao tocarem na estrada explodiram e fizeram buracos. O governo certamente iria receber diversas reclamações sobre buracos na estrada a partir daquele dia. De relance, Mary olhou para Evanora e percebeu que ela estava conseguindo esquivar-se também, mas nem sequer tinha empunhado a sua faca. Naquela luta, Mary estava sozinha. Ela até tentou erguer a besta outra vez contra os lestrigões, mas os quatro estavam lançando suas bolas de metal uma após a outra, foi quando Mary percebeu que todos eles tinham mochilas nas costas para carregar várias bolas de metal. Ela não tinha condições de lutar contra aqueles monstros sozinha e só tinha matado o primeiro lestrigão porque, antes, eles não tinham a levado a sério. Sendo assim, Mary fez o mais sensato no momento: fugiu. Ela colocou a besta em suas costas e o objeto rapidamente se transformou num belo par de asas douradas. As asas, incrivelmente, pareciam fazer parte do seu corpo, era sempre uma sensação estranha quando ela fazia uso da besta desse jeito. Rapidamente, Mary deu um impulso com as pernas e bateu as asas para voar. Ela alcançou Evanora e pegou-a pela cintura sem pedir permissão. - Pegue as mochilas. Ela ordenou, voando até as mochilas no chão, então voou para longe enquanto fazia manobras de um lado para o outro para desviar de outras bolas de metal que vieram em sua direção. Atrás de si, ela ouvia o barulho das pernas dos lestrigões correndo para alcançá-la, mas as asas de Agapiménos eram mais velozes do que o pesado corpo de um gigante de mais de dois metros de altura. Em alguns minutos, os lestrigões foram deixados para trás, mesmo assim, Mary continuou a voar o quanto pode carregando Evanora em seus braços.
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Re: Estados Unidos

Mensagem por Ivanna Klaasje Dom Jun 11, 2023 1:16 pm

17:40
No caminho até o Arizona

S11P06
I
vanna logo descobriu que tentar mirar um arco em uma carruagem que está constantemente mudando de direção não é uma tarefa fácil. Quando ela acha que já aprendeu tudo sobre o arco e flecha, descobre que na verdade ainda existem muitas situações diferentes das quais ela precisa de novas técnicas. De início, as harpias tentaram investir com tudo na carruagem como se fossem urubus competindo pelo melhor pedaço de uma carniça, o que obrigou Draven a fazer manobras com a carruagem, que foi de um lado para o outro bruscamente, fazendo com que Ivanna optasse mais por se segurar do que por empunhar o arco. Ela não verbalizou como Donatello, mas concordava que Draven poderia avisar o momento em que fosse fazer essas coisas, porque dentro da carruagem parecia tudo uma estranha montanha russa sem colete de segurança. Quando a turbulência da carruagem parou um pouco, com Draven tendo dispersado um pouco do grupo de harpias, Ivanna finalmente viu janela para fazer o que o próprio condutor tinha sugerido: que ela e Donatello atirassem dali de dentro. A garota voltou a empunhar o arco e puxou a corda, fazendo uma flecha prateada surgir. Ivanna não podia gastar tanto tempo na mira, considerando que tanto a carruagem quanto as harpias se moviam, o ideal era ter a mira mais rápida possível, evitando que tanto ela quanto o alvo mudassem de lugar. Com isso, seus tiros acabaram sendo rápidos e nem sempre em lugares fatais, porém não menos eficientes. Duas das harpias receberam tiros em suas asas e caíram lá embaixo como se fossem um avião perdendo altitude, girando no ar. Outras três receberam flechas nas mãos e pés, o que as deixou atordoadas, sendo um prato fácil para tiros de Donatello ou tiros seguintes da própria Ivanna. Uma das flechas dela cravou certeiramente na testa de uma das harpias e a mesma explodiu em pó no ar mesmo.

Com o tempo e o calor da batalha, os três começaram a trabalhar como uma unidade. Ivanna e Donatello dividiam as laterais as quais atiravam, sempre protegendo as costas um do outro, enquanto isso Draven conduzia a carruagem e às vezes até a usava como arma, fazendo-a bater bruscamente em uma harpia ou outra desavisada. Os balanços da carruagem com os movimentos bruscos estavam se tornando cada vez mais familiares e fáceis de prever, de forma que não tornavam-se mais algo que atrapalhasse. Porém, a superioridade numérica das harpias ainda era considerável, de forma que algumas conseguissem se aproximar até demais das janelas da carruagem. Uma das harpias conseguiu agarrar o ombro de Ivanna com suas garras, foi o momento em que a garota apontou o pulso esquerdo para a criatura e ativou o Korsáz. O cheiro que as flores do adorno liberaram fez a harpia ficar atordoada a ponto de soltar Ivanna, momento em que a garota virou-se e colocou uma das mãos na testa da harpia, ativando a lâmina escondida da Koptikí Grothiá, que afundou no crânio da criatura, fazendo ela explodir em pó. Na mesma hora, Ivanna abanou com a mão a região à frente do seu rosto para dispersar o pó e já empunhou o arco outra vez, mirando em mais harpias e atirando.

No meio da luta, Donatello avisa que eles têm mais companhia. - Mais? - Ivanna pergunta um tanto indignada, considerando que já tinham sido harpias demais, então olha para o lado de fora e vê que Donatello não está falando sobre mais harpias, mas sim de algo pior. Sua aparência lembrava a de uma mulher alada com o rosto deformado achatado e um tanto animalesco. Usava roupas maltrapilhas e sujas e a curvatura de seus membros fazia ela parecer uma combinação muito maluca e feia de mulher com morcego. Ivanna não demorou a lembrar-se que criatura mitológica era essa, considerando sua grande periculosidade. Era uma Queres, espíritos que se alimentam de mortes violentas e que também espalham a poluição, filhos de Nyx. Um só arranhão de uma criatura dessas e já é morte certa, a menos que você seja curado por fontes divinas, néctar e ambrosia apenas retardam o processo. Pior ainda, Queres se alimentam de mortes violentas e adivinha só… Eles tinham acabado de matar um monte de harpias violentamente. Aquela criatura deveria estar cheia de poder. Ivanna começou a se sentir ansiosa, sentindo que poderia morrer por aquela criatura. Aquilo era facilmente um trauma se instalando nela… Quanto mais vezes quase morria em missões, mais se tornava difícil aguentar uma nova tentativa de morte. Quando ela teria paz? Talvez nunca.

Quando Draven também tomou ciência da Queres, ele logo avisou para os dois se seguraram. Ivanna não questionou, colocou o arco em volta do corpo e segurou-se onde podia no interior da carruagem. Segundos depois, o meio de transporte inteiro deu uma guinada para frente, mergulhando no chão em alta velocidade. Espero que ele saiba mesmo conduzir essa coisa! Ivanna pensou, considerando que também não era legal morrer achatada no chão. A carruagem começou a dar vários solavancos de um lado para o outro, indicando que Draven estava fazendo uma espécie de zigue-zague. Ivanna nem sequer tentou mirar mais o seu arco, com tanta turbulência era pedir demais de uma arqueira, contudo, caso alguma harpia ainda conseguisse entrar por uma das janelas, ela estava com as lâminas de sua mãe preparadas em cada pulso. Então, do lado de fora, Draven começou a falar uma série de “nãos”, ao mesmo tempo que Donatello também perceberia isso e perguntava o que tinha acontecido, praticamente tirando as palavras da boca de Ivanna, que iria perguntar o mesmo. A carruagem, aos poucos, começou a perder velocidade e altitude. - Draven? - Ivanna perguntou nervosa antes de perceber que sim, a carruagem inteira estava começando uma longa queda em espiral.
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Re: Estados Unidos

Mensagem por Donatello McMillan Dom Jun 11, 2023 2:50 pm

Harpias Malditas

A viagem estava tranquila demais para ser verdade. Uma missão não é uma missão sem nenhum problema aparecendo no meio do caminho pra infernizar a nossa vida. As criaturas se aproximavam extremamente rápido, o que diminuiu a muito distância entre nós em poucos segundos. Não consegui contar quantas eram de onde eu estava, mas elas eram muitas. A grande desvantagem numérica deixava a gente em uma situação bem ruim, os desafios de Ares me fizeram perceber que Harpias podem ser um tipo de criatura extremamente chata de lidar, principalmente em grande quantidade como agora. Se não fizéssemos nada iríamos dar de frente com elas. Pensando nisso, Draven tentou desviar bruscamente a carroça. O movimento rápido me desequilibrei por um segundo, se não tivesse tido um bom reflexo e me segurado na lateral da carroça, eu provavelmente acabaria tendo uma experiência não tão agradável de queda livre. Tirando que eu quase fui de arrasta pra cima, pra nossa sorte a manobra que Draven fez funcionou. As Harpias passaram direto pela carroça, mas não demorou pra ver elas mudando de curso e voltando a vir em nossa direção a todo vapor - Droga, elas tão voltando. -

Pela segunda vez, Draven fez uma curva brusca com os pegasus, me fazendo cambalear pro outro lado da carroça. - Agradeço se avisar da próxima. - Por um segundo eu encarei a altura que nos separava do chão, o que fez eu me dar conta do maior perigo daquela batalha. Se aquelas Harpias acabassem danificando a carroça ou pior, um dos cavalos, já era. Algumas das criaturas não tiveram tempo de desviar e deram de cara na carroça, fazendo ela balançar com os baques. Ivanna já estava com uma flecha preparada em seu arco e começou a disparar contra as criaturas. Com uma das minhas facas já em mãos, arremessei na direção das Harpias, acertando uma delas no peito e fazendo-a dar uma cambaleada no ar e esbarrar nas que estavam ao seu lado antes de cair. Rapidamente saquei e arremessei a segunda que cravou em cheio em outra das criaturas, que caiu rodopiando. Quando estava me preparando para arremessar mais uma faca, Draven mudou novamente a direção dos cavalos, nos deixando de frente para elas. Vendo aquele grande enxame de criaturas voando na nossa direção com as garras armadas, troquei as facas de arremesso por meus punhos cortantes já que estávamos prestes a entrar em um combate direto com elas. Um amontoado de Harpias cobriu a carroça, tentando nos dar uma investida. Se não tivesse desviado rápido o bastante, era bem possível que uma delas teria conseguido me acertar. Ela estavam por todos os lados, isso complicava e muito a luta pro nosso lado. Comecei a golpeá-las do jeito que conseguia com minhas adagas, mas sempre que eu derrubava uma delas aparecia outra pra incomodar. Chegou a hora que uma delas se aproveitou de uma brecha e conseguiu se agarrar nos meus ombros e tentou me derrubar da carroça, mas antes que ela fizesse isso eu cravei minhas lâminas nela e a joguei longe.

Assim que eu lacei a Harpia pra longe, percebi algo que entrou no meu campo de visão e chamou minha atenção automaticamente, ela se movia em nossa direção. Apesar de estar um pouco distante, eu ainda consegui identificar bem rápido do que se tratava. Era uma Keres. Diferente das Harpia, ela sim, conseguia causar algum tipo de medo. - A gente mais companhia. - avisei os outros dois campistas, apontando para a Quer que voava a alguns metros dali. Eu realmente preferia que fosse apenas mais uma dessas criaturas chatas, porque a presença dela tornava aquela situação muito mais perigosa pro nosso lado. Ela só precisava causar um golpe, nem que fosse de raspão e já era. Na tentativa de fazer uma manobra de escape, Draven levou a carroça pra baixo, deixando algumas das Harpias para trás. Isso ajudou a fugir dos ataques, mas por outro lado isso também dificultou na hora de acertar elas. Tentei acertar uma das criaturas, mas o balanço causado pelo ziguezague da carroça fez a faca passar longe. Vi a Quer dar um rasante, passando por entre eu e Ivanna e por pouco não acertando um de nós. Mais algumas Harpias se aproximavam de nós, mas consegui acertar duas delas minhas facas de arremesso. Quando ouvi Draven exclamar “não” freneticamente tentando controlar os pegasus, percebi que aos poucos começamos a diminuir nossa velocidade - O que aconteceu? - perguntei desesperado, mas minha pergunta logo foi respondida. Pouco a pouco a carroça se inclinava e ia em direção ao chão.
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Re: Estados Unidos

Mensagem por Draven Akvhart'oz Dom Jun 11, 2023 10:29 pm


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Ocorreu mais rápido do que eu podia esperar. Meu instinto foi guiar os pégasos para desviar das criaturas que vinham em nossa direção, e agradeci por eles terem seguido o instinto de desviar também. Logo, foi um trabalho conjunto, mas que acabou resultando em uma curva um tanto brusca. Mesmo assim, tentei manter as rédeas firmes, pra que não acabasse virando a carruagem no ar, na ínfima esperança de que apenas desviar das criaturas seria o suficiente. Elas seguiram seu rumo, e nós o nosso. Porém, era óbvio que a vida não era simples assim. Tão logo pude focar melhor no que vinha em nossa direção, percebi serem harpias. E que não, elas não estavam seguindo um rumo próprio. Estavam vindo atrás de nós. - Claro que seriam esses seres do inferno. - resmunguei para mim mesmo, tentando pensar em uma solução diferente de um combate direto. É claro que eu sabia que elas não eram originárias do inferno, mas certos hábitos nunca nos deixavam.

Os pégasos se agitavam, mais do que instintivamente. Eles sabiam que as harpias viriam para os machucar, e eles não estavam muito dispostos a colaborar pra isso. - Pessoal. - Tentei alertar os dois, mas notei que já estavam prontos para lutar, o que era bom. - Eu vou tentar fazer os pégasos desviarem. Vocês atiram aí de dentro. - Um plano óbvio, que até poderia vir a ofender a estratégia de filhos de Atena, mas sinceramente, não tínhamos tempo pra formalidades. - Vamos lá garotos, vamos derrubar esses urubus. - impressionante como falar com animais era muito mais fácil do que com pessoas. Direcionei as rédeas na direção das harpias, e quando essas armaram suas garras para atacar, virei para a direita abruptamente, deixando a lateral da carruagem contra as criaturas para que Donatello e Ivanna pudessem atirar. Pelo impacto, pude ouvir algumas ainda se chocarem contra a carruagem, o que a desestabilizou, mas com certeza havia derrubado algumas. Sem perder tempo, precisei virar a carruagem mais uma vez. Não queria nos deixar de costas para as harpias, porque isso daria vantagem a elas. Pelo contrário, virei na direção delas, por mais que isso nos fizesse ficar muito perto. Passamos pelo enxame de harpias, e precisei me abaixar para não ser atingido por alguma garra. Até pensei em puxar minha faca para atingir algumas, mas a ideia de perder o controle da carruagem me impediu. Pelo menos, os dois integrantes da carruagem estavam se saindo relativamente bem, mas as criaturas não davam muita trégua.

Veio de um dos dois o grito de aviso de que não eram apenas as Harpias que devíamos nos preocupar. Ao voltar meu olhar para onde apontavam que pude ver a criatura, sentindo minha espinha gelar. Ainda maior que as harpias, e com porte muito mais ameaçador, uma Quer sobrevoava a batalha, como se esperasse o momento certo para atacar. Agora o cenário mudava completamente, porque as harpias podiam ser infernais, mas uma quer carregava a morte consigo, bastava um arranhão. Não podíamos ficar ali. - Segurem-se em alguma coisa! - alertei os dois, logo antes de guiar os pégasos para baixo, ganhando uma velocidade muito alta, quase como se estivéssemos em queda livre. Não demorou para que as harpias e a quer nos seguissem, mas a ideia era apenas ganhar tempo mesmo. Tentei fazer um movimento de zigue zague com os pégasos, mas a carruagem era pesada demais para fazer isso com agilidade, sem contar que atrapalhava a mira dos dois. Eu notei que precisava virar mais uma vez, ou elas nos atingiram tão logo. Novamente, virei a carruagem para a direita e deixei a lateral virada para o enxame, mas dessa vez, não foram tantas que atingiram a estrutura, uma vez que a curva precisou ser maior que o esperado devido à velocidade. Não parei a carruagem, apenas segui como era possível, e vi diversas criaturas passarem por cima, por baixo, até pela frente de nós. Vi também a própria quer passando em rasante, e precisei me escorar contra a estrutura da carruagem para tentar não ser atingido. Podia até ser um alívio ter visto ela seguir em frente e não ter sido atingido, e usar a velocidade da carruagem para conseguir uma distância ainda maior, agora que elas haviam passado. No entanto, ao sentir que a velocidade não aumentava, e além disso, nossa altura começava a vacilar, foi que notei que não era alívio nenhum. - Não. - custei a acreditar quando vi um dos pégasos perder força, e com isso, fazer com que os outros três custasse a aguentar o peso total. - Não, não, não, não! - repetia freneticamente, tentando puxar a rédea pelo lado contrário, como se adiantasse de alguma coisa. Foi quando vi, no lombo do animal o enorme arranhão, e notei que era tarde demais. A queda era inevitável.


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Re: Estados Unidos

Mensagem por Nex Lockheart Qua Jun 14, 2023 10:23 am



A Praga Desconhecida.



Era apenas mais um dia normal para Nex, onde ele se dedicava a orientar e guiar os novatos do acampamento. Enquanto auxiliava nas tarefas diárias, ele notava como essa experiência o ajudava a aprimorar suas próprias habilidades, era essencial para o sátiro se manter em movimento, e com o contato com os meio sangue, acabava descobrindo mais sobre si mesmo. Após um período de treinamento intenso, ele decidiu aproveitar um momento de descanso à beira do lago próximo à Casa Grande, relembrando as aulas de canoagem e os desafios enfrentados. Ainda era uma experiência ruim ter de participar daquilo, embora não, canoagem estava posicionada no topo de sua lista de treinos para evitar.

Ele ainda lembra vividamente como um dos filhos de Poseidon havia tornado aquela experiência um pesadelo. Assim, ao se sentar para descansar e se refrescar na margem do lago, ele percebeu a presença divina emergindo das águas.

Poseidon, era em poucas palavras, magnânimo, surgia do lago evidenciando seu poder ao sair da água sem se molhar, fato interessante que isso era uma habilidade até que comum para seus filhos, mas que deixava uma boa impressão no sátiro, estupidamente conveniente ele julgava. Essa perspectiva intrigante deixava claro que aquele ambiente estava impregnado de uma aura poderosa , embora fosse difícil para perceber, era difícil ignorar a presença. A presença do deus era capaz de influenciar o lago, transformando suas águas calmas em uma superfície imóvel, revelando o impacto que seu aparecimento presença no local.

No entanto, Nex notou que Poseidon estava ali com um propósito específico, transmitindo uma tarefa importante, não parecia desejar chamar a atenção desnecessária dos demais campistas, então o sátiro respeitou.

Com a proximidade do deus, o sátiro percebeu que algo chamava sua atenção: os olhos de Poseidon. Eles eram de um azul intenso, um brilho quase como dos próprios oceanos. A grandiosidade dos mares parecia estar refletida em seu olhar, transmitindo uma sensação de caos e poder que tornava difícil de ignorar. Lidar com os deuses era sempre como pisar em ovos.

Diante do imponente de Poseidon, Nex sentiu-se pequeno, uma simples criatura da natureza. Ele não era um meio-sangue, o que o tornava insignificante diante da família olímpica. No entanto, ao mesmo tempo, sentia-se privilegiado por estar recebendo tal visita. Embora não fosse incomum ver um deus aparecendo no acampamento, era raro receber um pedido pessoalmente. Nex aceitou a tarefa e curvou-se humildemente, demonstrando respeito pelo deus, aguardando suas ordens.

O sátiro escutou atentamente as instruções de Poseidon. Apesar de ser desconfortável para ele buscar pistas e investigar a origem da praga, ele sabia que não tinha escolha a não ser aceitar o pedido. A praga estava causando danos sérios aos ecossistemas marinhos, colocando em risco a vida dos animais aquáticos e das criaturas. Isso era motivo mais que o suficiente para que Nex se movesse em prol disso, mesmo que não fosse exatamente um entusiasta da água. Definitivamente ele começava a detestar tudo que tinha de envolver agua com isso.

O deus havia comentado que Nex era a pessoa certa para o trabalho devido às suas habilidades como ser da natureza, assim como a facilidade de se ater aos detalhes da natureza em si. Apesar das próprias dúvidas em relação a essas mesma habilidades citadas, Nex sabia que não seria sensato ignorar tais palavras.

Sentindo o peso da responsabilidade confiada a ele, Nex reconheceu que essa era uma ótima oportunidade e única para contribuir com a preservação dos ecossistemas marinhos e proteger as criaturas que deles dependiam.

Por fim, Poseidon informou que se encontraria com Nex durante um sonho naquela mesma noite para obter as informações coletadas durante a investigação. Assim, tudo estava explicado e encaminhado.

Quando o deus desapareceu, Nex seguiu em frente, preparando-se para a jornada. Era uma nova oportunidade de servir aos interesses do mundo natural e proteger os seres marinhos que tanto dependiam do equilíbrio., mesmo que para isso tivesse de fazer uma breve mudança para o dia que havia planejado, mas, no fundo, era também uma chance de fazer a diferença.

Nex retornou apressadamente à floresta, reunindo seus pertences e equipamentos essenciais para a viagem. Ele pegou sua fiel companheira, a flauta de bambu, que usava para tocar melodias que acalmavam os demais. A partir desse momento, sua determinação em investigar o problema estava firmemente estabelecida, e nada o impediria de completar a tarefa e descobrir a causa da praga que se espalhava.

Antes de partir, ele parou na Casa Grande, deixando um breve recado sob a porta para informar sua partida. Nex sempre se preocupava com o bem-estar dos campistas e gostava de ajudar sempre que podia. Dar explicações sobre sua ausência era algo comum para ele. Assim, com seu destino traçado, sua viagem começou.

[...]

Passaram-se algumas horas desde que o sátiro chegou à doca indicada por Poseidon. Agora, na doca, ele começava a procurar por Nereu, mas percebia que não seria tão simples como imaginava encontrar pistas da presença do velho do mar. Tudo o que ele sabia era que Nereu poderia se transformar em diferentes formas, tornando-se difícil de ser reconhecido. E isso por si era um desafio.

Observando atentamente a movimentação ao redor, Nex buscava por indícios que indicassem a presença dele. Ele estava ciente de que o deus marinho era astuto e poderia estar se ocultando entre os demais, apenas observando o sátiro passeando na doca. O sátiro vasculhava a área, encarando cada pessoa e criatura com atenção, esperando identificar algum traço característico ou comportamento peculiar que indicasse a presença de Nereu. Mas havia falhado. Cansado o sátiro para por alguns minutos para degustar uma latinha de DrPepper.  Neste momento, Nex observa o estado dos peixes ao redor da doca. Ele examinava as águas, em busca de sinais de contaminação ou alterações causadas pela praga, mas era muito difícil encontrar algo tão perto dali que não fosse, craca e sujo.

Durante a exploração da área, Nex utilizava suas habilidades de comunicação com os animais para interagir com os habitantes da região: Gaivotas, pombos e até mesmo alguns cachorros triste que passavam por aí, era odioso ver como humanos adotavam e abandonavam tal seres. Isso tudo até se encontrar com uma certa tartaruga chamada, Tomiy: essa que por final foi bem dedo dura, auxiliando o garoto bode a obter informações valiosas sobre possíveis mudanças recentes no ambiente marinho assim como peculiaridades de Nereu. Ela havia sido até mesmo solicita em dar algumas pistas importantes sobre a presença da praga e possíveis aparencia de  Nereu poderia estar usando.

Horas se passam e apesar de seus esforços, Nex sentia uma mistura de frustração e desânimo, pois o deus do mar parecia que estava se negando a aparecer. Ele sabia que contar com a assistência de Nereu seria crucial para resolver o problema da praga nos ecossistemas marinhos, mesmo que não conhecesse, esperava um pouco mais de facilidade por ser uma criatura da natureza. Mas o sátiro conseguia acreditar que poderia ser o caso, mas mesmo assim Nex, sabia que não tinha como perder tempo, pois tinha consciência da importância de sua missão e estava determinado a encontrar uma solução, mesmo que precisasse seguir em frente sem a ajuda direta de Nereu.

No entanto, quando estava para dessistir disso, em um momento inesperado, Nex encontrou um pescador idoso arrumando os buracos em uma rede. À primeira vista, o sátiro pensou que se tratava de um humano comum, mas algo nele parecia familiar, como as dicas dadas pela tartaruga. Nex pegou sua flauta de bambu, sua fiel companheira, e começou a tocar uma melodia suave e reconfortante enquanto se aproximava do pescador. As notas musicais fluíam dos dedos do sátiro, criando uma atmosfera tranquila ao redor. O som envolvente da flauta ecoava, alcançando os ouvidos do pescador idoso, que gradualmente sentiu seus olhos ficarem pesados.

Nex continuou a tocar sua flauta, mantendo a melodia suave enquanto o idoso descansava, ele sabia que o deus poderia escapar. Mas também sabia que sua música podia trazer conforto e tranquilidade para aqueles que a ouviam e aceitavam a melodia, mas até testá-la em um deus era difícil dizer se estava realmente surtindo efeito. Nex não duvidava muito do poder de sua música, mas às vezes era difícil acreditar que ela pudesse afetar um deus de maneira tão conveniente.

O sátiro sentou-se e aguardou o idoso acordar, e apesar de estar adormecido, ele parecia tranquilo enquanto dormia sentado usando a rede furada como cobertor. Quando o velho acordou, Nex mencionou que estava sozinho em uma tarefa dada por Poseidon, e para sua surpresa, o pescador revelou-se como Nereu, mostrando total desinteresse no assunto. No entanto, a atitude do idoso mudou completamente ao ouvir sobre a praga nos mares, o que deixou Nex pensativo. Apesar disso, ele estava certo de que agora poderia obter mais informações.

Agora, com a atenção de Nereu, Nex explicou detalhadamente a situação da praga que ameaçava as criaturas marinhas, incluindo as criaturas gregas. Surpreendentemente, Nereu mostrou-se disposto em ajudar, considerando que auxiliar um ser da natureza era algo natural para ele considerando que o mar também era parte de seu dominio.

Dessa maneira, Nereu compartilhou os seus conhecimentos com Nex. Para a surpresa do sátiro, Tomiy, a tartaruga, também se ofereceu para ajudá-lo, revelando um segredo entre ela e o deus. Havia rumores de que uma entidade chamada Tálassa, embora não se soubesse ao certo se estava envolvida na praga, parecia ter afundado embarcações próximas a plataformas petrolíferas ao redor do mundo. Apesar de o sátiro não ter certeza de quem era essa figura, ele considerava a possibilidade de seu envolvimento ou mesmo de seu auxílio na disseminação da praga. Mas o verdadeiro problema era… Nex deveria falar sobre os japoneses que também foram responsáveis pelo despertar dessa entidade? Alguma questão relacionada ao despejo de resíduos radioativos no mar despertou a consciência da criatura, parte disso era dos japoneses. Pelo menos, essa era a teoria que Nereu tinha em mente... O velho parecia ter algum tipo de implicancia com algumas divindidades japonesas, então era melhor não jogar toda culpa neles.

Havia uma história por trás disso, mas os personagens envolvidos eram tão antigos que Nex não conseguia compreender plenamente. Com todas as informações relevantes adquiridas, ele decide passar o restante do dia consultando outras criaturas e aprofundando seu conhecimento sobre a praga. Em particular, uma avoceta muito esperta traz notícias de Portugal. Apesar da distância, Nex opta por não questionar a jornada da ave, apenas ouvindo atentamente o que ela tem a relatar, sem criar grandes expectativas... As mudanças na vida marinha eram evidentes, e talvez a presença da ave nos Estados Unidos fosse um sinal de que a praga poderia afetar até mesmo o continente e ao que indicava o triangulo da bermuda havia uma forte presença no relato do animal.

Nex, assim como Poseidon havia dito tem um sonho com o deus, no qual relata tudo o que aconteceu e as descobertas que fez: avisa sobre o triangulo de bermuda ser um dos possíveis locais do começo da praga, e pede que não fique muito irado com os japoneses. Mas ainda cabe ao deus gerir seu domínio da melhor maneira e punir o humanos por começarem a despejar seus resíduos radioativos no mar uma punição era necessario.



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Re: Estados Unidos

Mensagem por Garth Belmore Qua Jul 12, 2023 1:34 am

Jogos Pt. 02

Saint Louis, Missouri, 11pm
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O súbito freio em conjunto com a fraca luz da van acordou Garth de seu sono, diferente de um ou dois companheiros de viagem, ele não despertou com um susto, encheu seus pulmões de ar e soltando-o com um alto bocejo. Limpou seus olhos lacrimejados e olhou para os lados, observando o breu noturno e depois vendo a campista filha de Ares abrir a porta do veículo, já dando um salto para fora. Ainda um pouco desnorteado, o jovem não reclamado se levantou e saiu da van, dando de cara com um cenário bem distinto. Altas tochas iluminavam um círculo formado com estantes de armas, que traziam também os nomes dos campistas que se encontravam na van, eram os equipamentos de todos que haviam os deixado no acampamento, acima dos estantes presa a duas árvores pendia uma faixa escrito com a mesma tinta reluzente de antes: “1ºs Jogos”. Garth se aproximou dos estantes, encontrando no seu apenas a lança com a qual costumava treinar, o único equipamento que ele poderia chamar de “seu”, de longe ouviu uma piada de outro campista sobre precisarem lutar entre si, o que o fez segurar mais firme o cabo de sua lança. Não demorou muito mais para que eles ali percebessem que estavam sozinhos, até o instrutor misterioso de antes tinha desaparecido -- Cadê aquele instrutor? Eu nunca vi ele no acampamento… E afinal, o que fazemos agora? - o jovem perguntou a seus companheiros quando todos se reuniram no centro com suas armas. Os semideuses se entreolharam, sem ninguém saber como responder às perguntas ali colocadas.

A voz de Alys, filha de Ares, chamou a atenção dos outros, ela se encontrava próxima de uma estrada que dava para um pequeno bosque, nela havia uma placa em forma de seta escrito “1ºs Jogos: Honre!”. Alicia, a semideusa não reclamada arrumou sua franja, logo exclamou em tom irritado que ia falar para irem por ali logo mais. Os não reclamados seguiram a sua “veterana”, adentrando no meio das árvores e seguindo uma trilha quase que mal desenhada. Garth estava se sentindo um pouco apreensivo, ainda não sabia o que eram os tais jogos, nem porque estavam todos ali… Ou porque precisavam de uma campista já mais experiente para “elevar o nível”, as perguntas pairavam a mente do semideus enquanto ele seguia o caminho com seu grupo, estando logo atrás de Elijah, o garoto de quem era mais próximo ali. Dado momento, ele estava tão distraído que tropeçou em um grande galho, sendo segurado por aquele que se encontrava na sua frente, sem graça ele levantou logo -- Eu tô bem Elijah, relaxa, valeu - desandou a falar logo para disfarçar que ficara sem graça. O outro direcionou um sorriso para ele, tentando-o confortar - Eu sei Garth, só toma mais cuidado, ainda não sabemos com o que vamos ter que lidar… E… Parece que pode começar a chover a qualquer hora - ele olhou para o céu, o jovem acompanhou seu olhar, notando que não haviam nuvens naquela noite. Aquilo deixou Garth um pouco confuso, mas despertou daquele estado quando ouviu vozes o chamando mais para frente, os outros já haviam avançado um pouco e tinham parado esperando-os.

No exato momento que alcançaram o grupo, uma torrente de água vinda do céu os atingiu, e naquele momento, uma estranha sequência de eventos se deu, em meio à forte chuva, um enxame de corvos desceu das árvores com rasantes em cima dos campistas. Simultâneamente, pôde-se notar um leve brilho acima da cabeça de Elijah no formato de uma foice, mas Garth não chegou a dar muita atenção para isso, já que estava ocupado demais tentando acertar um dos corvos com sua lança. Os animais avançavam de forma raivosa contra os campistas, o meio sangue não reivindicado brandia sua lança no ar, fazendo movimentos de estocada constantes ao mesmo tempo que tentava prever as trajetórias dos corvos. O barulho da chuva misturado com os grasnidos dos animais abafava as vozes dos seus companheiros, fazendo com que Garth se isolasse em seu próprio mundo, ainda tentando matar os animais que os atacavam. Ele subitamente sentiu um forte aperto em seu braço e foi puxado pela filha de Ares, que gritava para ele se apressar e andar logo, aparentemente haviam encontrado um abrigo. O novato seguiu sua veterana o mais rápido que pôde, encontrando os demais em uma entrada para algo que parecia com uma mina, com luzes fracas iluminando o caminho, ali dentro os corvos não entravam -- O que foi isso?! - o jovem pronunciou-se, ofegante e com olhos arregalados, observando que os demais se encontravam no mesmo estado.

Ele estranhou brevemente que os outros cumprimentaram Elijah, até que o chamaram de filho de Deméter, e então as peças se encaixaram em sua cabeça. Se aproximou de seu amigo e o abraçou com um sorriso no rosto -- Filho de Deméter é? Podia ter avisado um pouco antes da chuva - deu um soquinho no ombro dele, disfarçando que havia ficado um pouco sem graça com a situação, o outro riu da atitude de Garth, ainda buscando se recompor da adrenalina recém vivida. O momento foi interrompido por um dos outros campistas não reclamados, ele segurava uma espada bem desgastada e vestia um moletom com capuz, de olhos e cabelos bem escuros, Garth nunca tinha se aproximado dele antes - Acho que temos que continuar por aqui… Alguma coisa me diz que o caminho… Segue - ele afirmou, ainda um pouco hesitante enquanto olhava para mais dentro da mina, ele parecia de certa forma hipnotizado. Sem outro caminho a seguir, e após uma breve deliberação acalorada, principalmente devido aos nervos agitados de Alys, o grupo decidiu por ir com o semideus que se ofereceu para guiá-los. Levados em meio aos túneis sinuosos e que pareciam prestes a colapsar na mina, os campistas pareciam cada vez mais adentrar dentro da terra. Neste caminho, que parecia até mesmo com um labirinto às vezes, era possível sentir o cheiro da umidade ocasionada por algumas infiltrações de água, enquanto andavam, alguns ratos correram assustados pelos cantos e quando a barriga de um deles roncou, todos ficaram em estado de alerta achando que poderiam ser atacados a qualquer momento. Entretanto, o caminho se mostrou bem tranquilo apesar de ser desconhecido para eles, o semideus que os guiava aparentava ter uma ótima orientação, como se já tivesse estado ali antes. Após andarem por algumas horas e perderem a consciência do tempo, Garth e os demais se depararam com um elevador, que apesar de já desgastado, parecia seguro o suficiente para tirá-los dali. Os seis adentraram na estrutura de metal e começaram a subir para fora da mina, e neste momento, aquele que os guiava foi reclamado com um elmo bem específico acima de sua cabeça, o símbolo de Hades.

Após passarem por mais um momento de cumprimentos entre si, parabenizando o campista por sua reclamação, o qual não pareceu gostar muito do contato dos demais, o elevador parou, dando em uma plataforma que mais a frente exibia uma saída da mina. Seguiram o caminho para fora daquele lugar, que já estava os fadigando de certa forma -- Você tava meio que certa Alicia, pelo visto nos puseram aqui para sermos reclamados - Garth comentou quando saíram daquele lugar, dando de cara com uma clareira que mais a frente encontrava-se com a margem de um rio. A outra semideusa olhou ao redor, ouvindo as palavras dele e segurando firmemente o cabo do arco que levava consigo - Era para estamos perto de Saint Louis não é? - ela abaixou-se, tocando a terra molhada pela chuva e tirando um pouco dela do chão, então levantou-se e apontou para uma placa à frente, escrita “1ºs Jogos: Conquiste!”. Quando o grupo se aproximou da placa, notou que atrás dela havia breves instruções, afirmando que eles deveriam encontrar uma forma de encontrar onde dois grandes fluxos se encontravam, lá encontrariam o caminho para o final dos jogos. No momento em que seus olhos bateram nas inscrições da placa, Garth ficou um pouco confuso, diferente da sua companheira de grupo, que exclamou rapidamente - É o Missouri! Temos que seguir ele e ir até onde ele cruza-se com o Mississippi, são os maiores rios do país! - afirmou orgulhosa, tendo certeza que poderia indicar a direção correta a seguir. Depois de mais uma acalorada discussão do grupo, todos se encontraram convencidos da ideia de Alicia, de apenas seguir o curso do rio até encontrarem a próxima placa. O semideus não reclamado assumiu a mesma posição do começo, indo atrás do grupo, um pouco nervoso, sentia que logo mais poderia saber quem era seu pai divino, a ansiedade do momento estava o consumindo. Não precisaram caminhar muito até que encontraram um pequeno píer com um barco preparado para eles, com as mesmas tochas que viram no começo da sua jornada - Então agora seguimos de barco? - Garth indagou ao vislumbrar pequeno barco de metal a vapor, observando que o caminho à frente na margem encontrava-se limitado por formações rochosas, o outro garoto com quem ele nunca tivera contato antes, de cabelos ruivos e encaracolados, prontificou-se a ir na frente no barco - É o que parece, vamos logo - afirmou de forma um pouco impaciente, apesar de parecer o mais novo de todo grupo, ele quis se impor e apressou mais ainda os demais a entrar na embarcação.

Dentro do barco, eles foram guiados pelo semideus ruivo, que parecia saber bem o que estava lidando, Garth se encostou em um dos cantos da embarcação, com Elijah ao seu lado. Os dois olhavam o caminho que deixavam para trás enquanto trocavam breves palavras -- Quem você acha que nos trouxe aqui? Quer dizer, até agora não passamos nenhum risco de vida… Então é alguém preocupado conosco - o não reclamado divagou, mirando seus olhos para a ponta de sua lança - Não sei bem, mas pelo menos estamos tendo alguma experiência legal, não acha? - ele afirmou, dando um breve empurrão no outro, que se recolheu e pareceu hesitante -- Sei lá Elijah, aqueles corvos de antes pareciam enviados por alguém… Lembra de alguma divindade que tem eles como sagrados?- indagou, observando o outro pensar um pouco. Quando ele ia obter uma resposta de seu amigo, ambos ouviram um som peculiar, uma voz aveludada que os chamava com uma melodia dócil. Tanto Garth como Elijah encontraram-se hipnotizados pelo chamado, soltaram suas armas e começaram a fazer menção que iriam pular no rio, porém ambos foram segurados por Alys, que lhes deu dois bofetões na cara e usou de um pedaço da própria roupa para improvisar abafadores para seus ouvidos - Acordem!!! Estamos sobre ataque porra, não é hora de ficar todos bobalhões e - ela dizia antes de ser interrompida por um rasante aéreo, no mesmo momento ela empunhou seu machado, mirando o alto.

Quando Garth conseguiu se recompor, apanhou sua lança e dirigiu seus olhos para a mesma direção dos da filha de Ares, e foi quando viu criaturas que nunca tinha ouvido falar sobre. Era um grupo com três seres alados sobrevoando o barco, todas elas possuíam cabeças de mulheres belíssimas, mas seus corpos pareciam mais com aves de rapina… “Harpias?”, Garth pensou consigo mesmo, mas notou que elas eram diferentes destas, tanto em tamanho como nas belas feições. Alicia empunhou seu arco, soltando uma flecha que apenas raspou em um dos seres - Sirenes!! Garotos tapem seus ouvidos e resistam o máximo que - ela interrompeu sua fala para tentar segurar o recém-reclamado filho de Hades que quase conseguiu se jogar nas águas. O barco parou, o semideus que o conduzia agora lutava contra a influência das criaturas, tapando seus dois ouvidos, e naquele momento os seres começaram a avançar nos tripulantes. Garth e Elijah depararam-se com uma Sirene à frente dos dois enquanto as duas outras eram enfrentadas pelos demais campistas.

A criatura não parava de cantar, ainda tentando exercer sua influência sobre os dois, o não reclamado forçava-se a ficar consciente, segurando forte sua lança. Elijah deu a primeira investida, usando sua própria lança, mas a Sirene conseguiu desviar facilmente, com ela focada no outro, Garth avançou com uma estocada em uma das asas, mas conseguiu fazer apenas um machucado de raspão. A complexidade de se lutar com algo que não podia ser dado ouvidos era nova para o jovem, que se atrapalhava com os golpes por vezes, já que tinha que focar em ficar fora da influência do ser. A Sirene alçou voo, preparando-se para uma investida contra o não reclamado usando suas garras, era clara sua intenção de fincá-las no peito dele. Garth concentrou-se no movimento do oponente e então aparou seu ataque com o bastão da lança, onde as garras foram cravadas, entretanto, no jogo de força entre os dois o campista se encontrava em desvantagem. O ser começou a bater suas asas, forçando-o para trás e arrastando-o até a beirada da embarcação, ele tentava forçar-se a ficar de pé e não ceder à pressão, sabia que se perdesse ali cairia para fora do barco facilmente. A música da Sirene parecia ficar mais alta e forte conforme o conflito dos dois se encaminhava para o final, até que um súbito som de contusão interrompeu o som, Elijah havia acabado de acertá-la na cabeça com uma peça robusta de madeira. O ser nitidamente se enfureceu e virou-se para o outro campista, pousando no barco novamente e chiando para ele antes de voltar a cantar. A adrenalina do momento fez com que Garth agisse sem sequer pensar em seu movimento, girando a lança, ele a espetou nas costas da criatura, que guinchou de dor e tentou alçar voo mais uma vez, mas foi impedida por um golpe rápido do machado de Alys, a semideusa o havia fincado no crânio da ameaça.

Mesmo diante da cena brutal à sua frente, Garth ainda podia ouvir o canto de uma única Sirene, que exercia sua influência sobre os dois outros campistas homens. Quando mirou a direção do som, Garth observou o ser cheio de flechas fincadas em seu torso, voando baixo e parecia cambalear. Alicia já havia esgotado seu estoque de flechas e brandia uma espada curta no ar, gritando para ela descer e a enfrentar. Vendo a situação que os outros se encontravam e ainda sentindo o cabo de sua lança em sua mão, o não reclamado a retirou das costas da Sirene morta e lançou no ser que ainda estava vivo. Ao mesmo tempo que a lança perfurou uma das asas da criatura, os dois outros campistas pularam na água, como resultado do ferimento, a Sirene também caiu no rio, guinchando de dor. Todos ali se encontravam ofegantes e com os corpos de duas criaturas mitológicas jazendo na proa do navio, uma delas bem mais estraçalhada que a outra já que a própria filha de Ares havia cuidado dela sozinha. Quando viram a situação em que se encontravam, os quatro campistas que permaneciam no barco começaram imediatamente a olhar apreensivos para a água, até que o semideus que antes conduzia o barco emergiu, trazendo consigo o filho de Hades. Ambos puxaram o ar para si, nadando de volta para o barco a vapor, e assim que subiram, o símbolo no formato do Tridente de Poseidon se mostrou acima da cabeça daquele que atuou como salva vidas ali.

Cansados e sem tempo para cumprimentos e parabéns, eles seguiram a viagem, ofegantes e desgastados da última batalha. Após todos aqueles acontecimentos, Garth se aproximou de Alys, com uma ideia em mente -- Elevar o nível? Você tá aqui para garantir que nós não vamos morrer né? Para você isso é uma missão - ele falou para a garota robusta, que se encontrava com alguns ferimentos profundos que ainda sangravam. Ela apenas resmungou e afirmou com a cabeça -- Deixa eu te ajudar, aprendi a fazer uns curativos semana passada, deve ter primeiros socorros aqui - passou a procurar o kit de socorros da embarcação, encontrando-o logo abaixo de um banco e voltando imediatamente para Alys. Seguindo o passo a passo que tinha aprendido no acampamento, ele enfaixou as feridas mais profundas da semideusa, vendo-a resmungar que não seria preciso nada daquilo, ainda assim ele viu um certo alívio nas expressões da outra. Naquele momento, achou que seria uma boa ideia apenas agradecê-la -- Obrigado viu. Por antes... Não teríamos conseguido sem você - Garth disse quando finalizou o tratamento dela, dando um tapinha bem leve em um dos curativos, por um breve momento ele achou que viu o sorriso da outra, mas ignorou aquilo.

Não demorou muito mais para chegarem na interseção dos rios Missouri e Mississippi, nesse momento Alicia faltou pular de alegria - Viu só!! Eu disse que esse era o caminho, olha ali na frente! Outra placa! - ela apontou na direção de uma pequena ilha a alguns metros na frente da embarcação, as letras dela reluziam à luz fraca da Lua, mas ainda não eram legíveis àquela distância. A embarcação conseguiu se aproximar o bastante para que os campistas saltassem dela direto para a ilha, e naquele momento mais um brilho surgiu sobre a cabeça de um deles, desta vez de Alicia. Era um caduceu, o símbolo de Hermes, ela havia acabado de ser reclamada por seu pai e tinha usado de suas habilidades inatas para guiar o grupo até ali. Um alívio nítido foi expressado pela semideusa, que também demonstrou estar honrada por ter finalmente sido reclamada. Garth por outro lado, se sentia incomodado, era o único que ainda não havia descoberto quem era seu pai divino e a ansiedade novamente o estava consumindo. Após breves cumprimentos, eles voltaram sua atenção para a placa que possuía uma seta para o interior da ilha e escrito “1ºs jogos: Descubra!”, como era o único caminho a seguir, o grupo foi pela trilha sinalizada pela placa, caminhando pouco até chegar a uma clareira onde se podia ver o horizonte cortado pelo rio Mississippi, o céu começava a ficar alaranjado, sinalizando que o nascer do Sol estava próximo.

Do meio das árvores, sons de palmas monótonas e uma voz familiar chamou a atenção deles - Muito bem semideuses, estou feliz que todos chegaram aqui bem - era o instrutor misterioso de antes, ele ainda usava óculos escuros apesar de ainda estar de madrugada e trazia consigo na cintura uma coroa de louros claramente improvisada. Os campistas se entreolharam ainda sem entender muito bem - O último teste de vocês nos jogos é… Descobrir quem eu sou e do que se trata isso tudo… Que tal, cada um tem uma chance? Menos você Alys! - ele apontou para a filha de Ares, que apenas revirou os olhos. Depois de todas aquelas experiências e se tratando do fato daquele homem não ser conhecido de nenhum deles, estava nítido que ele talvez fosse um ser mítico, até mesmo um dos deuses, e que fizeram tudo aquilo para serem reclamados… Mas por que?

Um a um os outros membros do grupo foram dando suas respostas, algumas bem fora da curva, mas todas erradas. Todos os outros campistas chutavam que aquele na frente deles era o próprio pai deles, mas quando chegou na vez de Garth, ele não tinha a menor ideia. E antes que o jovem pudesse dar sua resposta, o som de cigarras tomou conta do local, naquele momento todos fizeram silêncio, e é como se uma luz se acendesse na cabeça do semideus. Garth olhou para o homem e para o horizonte, onde o Sol despontava seus primeiros raios -- Corvos e agora… Cigarras? Esses insetos simbolizam a música, né? O Sol ali atrás… Você é… Apolo? - indagou, vendo que o outro levantou uma de suas sobrancelhas -- Aqui é… Saint Louis, primeira sede das olimpíadas feitas nos Estados Unidos… O circuito dos jogos foram algo como uma olimpíada, sermos reclamados foi apenas uma consequência de termos homenageado nossos pais divinos durante eles - ele afirmou, já certo desta parte de sua dedução. Vendo que não recebera o sinal do outro para ser interrompido, decidiu continuar com seu raciocínio -- Mas eu não fui reclamado… O que significa que, eu sou o único diferente deste grupo - levantou seus olhos para o homem, que decidiu interrompê-lo. Passando a mão sobre seus cabelos, eles assumiram outro penteado, o antigo instrutor de repente mudou toda sua postura, ao mesmo tempo que o Sol nascia por completo - Tá bem, você acertou garoto. Eu sou Apolo, e os jogos realmente foram uma forma de homenagem. E você é o único diferente - ele fez um breve suspense, levando a coroa de louros até a cabeça de Garth, o semideus criou grandes expectativas com esse gesto, provavelmente aquele seria seu próprio pai lhe dando um presente afinal. O deus deixou um suspiro escapar antes de continuar - Isso porque você não deveria estar aqui, é, foi mal - afirmou com uma voz mais ríspida - Alguém trocou a carta para você - ele direcionou o olhar para a filha de Ares, que cruzou os braços e revirou os olhos - Agora seria a hora que eu reclamaria mais um filho meu, mas você não é essa pessoa… - ouvir aquelas palavras foi como se o coração de Garth fosse acertado por flechas certeiras, ele abaixou sua cabeça, continuando ouvindo as palavras de Apolo - Mas você permanece de alguma forma como o vencedor dos jogos jovem, afinal você foi o único não reclamado. Eu preciso ir agora, até mais. - finalizou suas palavras, desaparecendo em um lampejo rápido diante dos olhos dos campistas.

Devastado pela cena que tinha acabado de presenciar, Garth retirou a coroa de louros da cabeça, despedaçando-a sem querer já que não o fez de maneira delicada -- Bem, eu ganhei os jogos… Podemos voltar para o acampamento agora? - falou para seu grupo, com a voz nitidamente abalada. Elijah o consolou brevemente, seguido dos demais participantes dos jogos, a filha de Ares manteve sua cara carrancuda, mas também consolou o não reclamado, desculpando-se por tê-lo colocado naquela situação, ela não sabia que suas ações teriam consequências como aquela -- Tá tudo bem, foi uma boa experiência com vocês galera, fico feliz por vocês - ele forçou um sorriso tímido, ajeitando seu cabelo brevemente. Reunidos mais uma vez, e com Garth seguindo agora à frente dos mais, eles partiram para fazer o caminho de volta para o acampamento, após terem finalizado a primeira edição dos tais “jogos”.

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Re: Estados Unidos

Mensagem por Jasper Lion Seymour Dom Ago 20, 2023 9:30 pm

A mission doesn't corrupt, it reveals hidden truths
Eu nunca pensei que um ônibus passasse por uma floresta. Para falar a verdade, eu nunca pensei que fosse precisar andar em um. Depois que entrei para o acampamento, dificilmente minha mãe e minha avó me davam permissão para pegar o jatinho da família, o que diga-se de passagem, seria bastante conveniente quando um deus te mandava em uma missão. Não era a primeira vez que eu viajava em um transporte como aquele, mas sempre era de dar calafrios. Portando meu Totém Trélas, carregando meu escudo no suporte das costas e minha espada no coldre da cintura, sabendo que a névoa daria conta do recado ao estar com mortais, eu desci em uma das paradas que dava entrada para a floresta onde eu teria que ir. Se tratava de um local aberto ao público no meio do estado de Maine, principalmente no período da manhã e tarde. Ao tomar rumo para adentrar o local, foi quando me recordei do diálogo de Ares no dia anterior - Fedor de sardinha, tsc – zombei das próprias palavras que ele havia escolhido para me abordar - Pelo menos eu não tenho acessos de violência – diminui o tom, como se isso fosse fazer com que ele não me escutasse - Aliás, o que ele quis dizer com Hades? – eu estava conversando sozinho, enquanto continuava a passear os olhos ao redor. Eram mais e mais árvores, porém, cada vez que eu me permitia adentrar ainda mais aquele vasto espaço de natureza, menos pessoas eu avistava. Ao que parecia, os arredores se mostravam mais seguros, talvez. Claro, ninguém ia ser louco de se perder numa floresta tão grande quanto a Randolph Forest. Além do mais, o que me havia sido informado era que gritos e vozes estranhas estavam sendo ouvidos pelas redondezas e isso era mais um motivo plausível para não se arriscar. O que eu precisava era achar uma caverna em algum canto. Tanto Ares quanto Hades comentaram sobre a morbidez do que eu iria encontrar lá dentro. Eu ainda não entendia o motivo de ele ressaltar a significância do deus do submundo naquele serviço, mas talvez eu pudesse ter respostas quando chegasse na caverna.

Aos poucos, conforme eu me aproximava do cerne da floresta, mais o silêncio se propagava. Eu cessei os passos e olhei ao meu entorno, focando nas partes mais altas das árvores. Alguns pássaros sobrevoavam fazendo barulho de vez em quando, mas nada mais do que isso. Era uma calmaria absurda - Quero ver como vou sair daqui – murmurei, retirando um pedaço de papel do bolso. Assim que terminasse aquele trabalho, eu deveria me encontrar com alguém. As coordenadas estavam anotadas e tendo uma facilidade nata para entendê-las, percebi que o ponto de encontro era bem longe dali - Eu não estava procurando serviço nenhum- - guardando as anotações, eu continuei a reclamar do deus da guerra até ser interrompido por um grito. Senti meu corpo entrar em “modo alerta” e me concentrei na esperança de que o som se repetisse. Quando isso aconteceu, pude segui-lo. Era uma mulher, mas sua voz era mais baixa agora. Eu acelerei o passo, ficando cada vez mais distante das extremidades da floresta. Quando eu acreditei ter chegado na área de onde vinham os gritos, eu não encontrei nada. Então, mais um berro ecoou, só mais estridente do que o anterior. Correndo, eu fui numa busca mais precisa, até avistar um vulto atrás de alguns arbustos mais adiante. Com calma, eu me esgueirei até lá. O curioso era que não havia nenhuma caverna visível, não até que você se aproximasse e olhasse para baixo. Se tratava de uma entrada embaixo da terra, praticamente. Para entrar ali, era necessário se agachar e passar por uma abertura baixa de pedras, quase como um escorregador. Sem perder tempo, foi o que eu fiz, logo sentindo meu corpo perder equilíbrio ao deslizar e enfim cair dentro da caverna. Haviam folhas espalhadas por todo lugar e a sujeira era tamanha. Surpreendentemente ou não, algumas tochas de fogo rachadas não deixavam o escuro tomar conta, embora fosse uma iluminação quase nula. No entanto, o cheiro era a parte mais desagradável, quase como se algum corpo estivesse se decompondo. Ainda alerta, eu tornei a explorar aquela passagem, esperando que qualquer ser de filme de terror pudesse aparecer. Meus passos eram o único tipo de som ecoando alto, mas logo, pingos me chamaram atenção. Havia água ali.

Ao avançar ainda mais, notei que o ambiente se assimilava a um esgoto. De súbito, alguém me assustou e me segurou forte. A mulher tinha os olhos arregalados e apavorados. Ela estava estarrecida, pedindo por socorro e olhando para trás inúmeras vezes. Sua fala estava embargada, mas ela logo tombou em meus braços, perdendo energia - Espera, espera – a ajudei a não cair, mas no mesmo momento, um de seus muitos machucados ficou exposto e eu vi sangue. O problema é que não era apenas manchas vermelhas na região de seu abdômen e sim intestinos. Era minha hora de ficar perplexo, sem saber se eu a segurava ou fitava aquele detalhe tão gore. Não havia muito o que fazer, ela já estava desfalecendo antes mesmo de eu colocá-la repousada na parede. Acontece que meus olhos não saíram em nenhum momento da ferida. Eu estava hipnotizado, incapaz de raciocinar, entrando em um transe forte, enquanto meu coração palpitava acelerado. A única vez que isso havia acontecido foi no Hotel e Cassino Lótus. Naquele dia, foi necessário alguém para me parar e me despertar. Quando eu me dei conta, já havia aberto e estraçalhado todo o corpo da Mania. Ela estava tão desfigurada que a olho nu, era quase impossível identificar se era uma criatura ou uma pessoa. Ali, naquela caverna, eu me vi me aproximando, pronto para tocar aquela região aberta e cheia de fluidos. O sangue brilhava e me chamava, mas se não tivesse sido por um gemido rouco e alto, eu teria ainda ficado ali. Quando eu percebi o que estava acontecendo, eu me afastei da morta e segui em direção ao som. Alguém parecia estar comendo algo. Apenas naquela fração de segundos, eu já imaginava que daria de cara com canibais, era previsível, mas ao contornar a primeira bifurcação daquela cova, eu me deparei com animais, ou melhor, ghouls. Dezenas deles se alimentando de restos humanos. Não levou muito tempo para que eles percebessem minha presença, ainda mais pelo meu cheiro característico - E aí? – disse simplesmente, antes de sacar o escudo das costas e o lançar contra os primeiros que correram na minha direção. A arma de proteção derrubou alguns deles, me dando tempo para retirar a espada do coldre e me preparar para atacar. Assim que se aproximaram o suficiente, eu os cortei pela cintura, decepando vários numa sequência. Ghouls eram espécies de mortos-vivos, o que me dava vantagem pela estrutura frágil de seus corpos. Meu único obstáculo era a quantidade deles.

Gosmas respingaram no meu rosto, mas eu não tinha tempo para me importar com isso, embora o cheiro fosse bem fétido. Gritando de ódio, eu arrisquei desmembrar alguns braços. Meu foco eram pescoços e cabeças, mas eu estava num estado difícil de escolher. Eu era apenas um ali lidando com vários. Tudo que aparecia no meu campo de visão, eu me protegia. Foi dessa forma que eu fui avançando mais e mais, até conseguir adentrar o final daquele espaço e, inclusive, tropeçar em uma perna. Caindo no chão, eu encontrei um par de olhos abertos na minha frente. O cheiro foi pior do que eu pensava, precisei de segundos para me recuperar dele. Ali dentro haviam inúmeros cadáveres espalhados no chão, desde carnes frescas até aquelas mais repugnantes e decompostas. Em cima daquele morto em específico, estava meu escudo. Um gemido me chamou atenção e eu logo me virei para cima, apontando a espada para a mesma direção. A lâmina perfurou o ghoul bem no centro de seu abdômen, mas um som baixo foi o sinal para o que eu precisava me preparar a seguir. Batendo rapidamente com a mão no escudo ao meu lado, ele saltou e eu me muni para me proteger do vômito que começou a sair da boca da criatura - Eu poderia ser Sherlock Holmes ou Auguste Dupin, mas não, eu sou um semideus filho de Poseidon – impaciente, eu pensei alto, antes de afastar o escudo e me levantar num movimento de kip up - Esse... – com o próximo ghoul, eu utilizei da espada num movimento mais rápido e forte, devido a ira que crescia - Babaca que que não me leva a sério – continuava as referências ao meu pai, me livrando dos que ainda estavam bem vivos. Em algum movimento, eu senti o medalhão de Dionísio bater contra meu peito por debaixo da camisa. Talvez fosse a hora. Deixando o escudo de lado e retirando o presente do deus da loucura do pescoço, eu o coloquei à vista e o estendi para balançar na frente da pequena horda restante daqueles mortos-vivos. O item surtiu efeito de imediato, provocando-os a parar com os ataques e estranharem algo. Parecia que cada um escutava alguma coisa diferente, seus olhos correndo pelas paredes imundas da caverna, até que se entreolharam e iniciaram um processo de automutilação.

Tomando um tempo para recuperar o fôlego e retirar o excesso de gosma e sangue do rosto, as palavras de Ares voltaram à tona. “Eu preciso do que está nas entranhas”. Entranhas? Testemunhei a violência a minha frente, mas tão logo desviei os olhos para os corpos mutilados no chão. Eu teria que ir de um em um até achar o que o deus desejava? Merda. Não dava para perder muito tempo e com isso, eu comecei a vasculhar o interior de cada um dos cadáveres. Acontece que ghouls se alimentavam de humanos, o que significava que o que quer que eu precisasse resgatar, poderia também estar em seus organismos. Suspirando com raiva, eu rezei para que não precisasse abrir aquelas criaturas. Logo no primeiro corpo, já bastante desfigurado, eu ouvi o barulho do contato da minha mão. A textura era esponjosa, mas o contrário do que eu imaginava que pudesse me causar. Era curioso senti-la, ao mesmo tempo que minha pele ia sendo coberta por uma cor tão intensa de vermelho, que nem chegava aos pés do que estávamos acostumados a ver numa batalha. Piscando, eu me forcei a me afastar e ir até outro, mas parecia que cada vítima possuía uma particularidade difícil de escapar. Era como estar conhecendo o corpo humano e a cada nova experiência, eu ia descobrindo algo diferente. Só que dessa vez, foi um pouco difícil me livrar. Eu senti algo grande como um músculo. Haviam partes macias, firmes, suaves, finas e fibrosas. Ele parecia conectado ao organismo ainda, mas se eu fizesse um esforço, conseguiria rasgá-lo e assim o fiz. Quando eu finalmente vi do que se tratava, eu não consegui esboçar nenhuma reação. Tudo parou ao meu redor e o silêncio me cobriu por uma fração de segundos. Eu entrei no mesmo transe anterior, como se não fosse capaz de pensar ou reagir. Só existia eu e aquele coração na minha mão. Não soube dizer se eu tinha me tornado um animal, mas meu instinto gritou como nunca. Meu cérebro se desligou e meu corpo implorou por algo bastante primitivo. Eu me senti um ghoul, um algoz. Gentilmente, eu levei aquele órgão até minha boca e abocanhei um pedaço. Um arrepio percorreu todo meu corpo de forma que eu sentisse cada pelo eriçar. Uma sensação de prazer me dominou, completamente diferente de qualquer outra coisa que eu já tinha experienciado na vida.

Mas por um segundo, aquilo não foi o bastante e eu fui em busca de mais. Como um esfomeado, eu saí arrancando qualquer parte que aparentava ser apetitosa naquele corpo. Eu me sujava mais e mais de sangue e tecidos humanos. Minhas roupas estavam sendo pintadas de tons escuros: vermelho, marrom e preto. Apenas naquele momento, eu senti uma verdade que eu não tinha conhecido até então. Era como se durante toda a minha vida, eu estivesse vivendo um personagem ou estivesse dentro de alguém que não era eu. Era paixão, era prazer, era saciedade, era liberdade. Mas quase mastigar algo duro, foi o que me tirou de leve daquela hipnose toda. Eu levei a mão até a boca, tirando um anel dali. Aos poucos, eu fui recobrando os sentidos e encarei o estrago a minha frente. Agora eu percebia o que havia acontecido, embora eu não me lembrasse muito bem. Alguém havia se apossado de mim. Caindo, eu engatinhei para trás assustado e voltei a olhar o anel em formato de chave. Era isso que Ares queria. Desperto, eu me levantei ágil, colocando o Totém Trelas no pescoço e o escudo nas costas. Com o pequeno acessório já no bolso, eu me virei e encontrei apenas dois ghouls terminando de se matarem. Após um suspiro, meu corpo deu um espasmo, talvez decorrente do momento anterior, algo meio assustador e sem sentido para ser absorvido tão rápido. Com isso, eu corri para fora dali em busca da saída. Sabendo que eu não seria capaz de sair por onde havia entrado, me dirigi até a outra bifurcação, esperando que fosse encontrar a luz do dia em algum momento. Ofegante, eu estava correndo no meio do breu, sem direção alguma, apenas tendo flashes daquele coração na minha mão. Eu estava nervoso. Foi por isso que eu parei e me vi quase escorregando em uma parede. Eu queria chorar. Meu lado humano havia retomado e como se recuperava da ideia de ter cometido um ato canibal? Fechei os olhos, mas senti que uma crise de pânico viria. Eu comecei a hiperventilar em conjunto ao formigamento no meu corpo. Eu estava lutando contra uma tranquilidade que, embora eu focasse, não vinha. Era difícil ter controle. Parecia uma sensação de morte, como se eu estivesse sendo castigado por aquilo que eu tinha acabado de fazer. Hades? Não, eu estava surtando. Com o rosto pinicando e lágrimas teimando em invadir meus olhos, eu ouvi uma voz do lado de fora da caverna. Isso foi o suficiente para quebrar a ansiedade. Havia outra coisa muito mais importante com o que me importar, por isso, meu corpo entrou em alerta novamente. Se eu fosse encontrado, suspeitariam de mim.

Um barulho mais adiante denunciou que estavam tentando abrir uma passagem. A luz me cegou, mas assim que me acostumei a ela, notei estar próximo de uma curva dentro daquela caverna. Dois homens haviam aberto uma passagem de pedra ali e tão logo apontaram lanternas na minha direção. Eu não tive outra escolha a não ser ir até eles, mesmo sabendo o que poderia acontecer. A questão é que não havia outra saída e talvez, a melhor estratégia fosse fugir sem olhar para trás. Passando pelos dois, eu os ouvi gritarem, mas não de pavor. Suas expressões eram de surpresa, mas eles estavam mais preocupados em alertar os outros sobre mim. Quando eu desviei a atenção, notei duas mulheres mais adiante e elas gritaram como se eu fosse matá-las. A luz do sol passou por entre as folhas das árvores, refletindo meu rosto e minhas roupas encharcadas de sangue e restos mortais. Não havia como fugir disso, as pessoas iriam me tratar como um monstro. Então, eu corri sem rumo, apenas focando em algum lugar distante de toda aquela gente. Aquela corrida durou pouco mais de um minuto, mas eu então parei. O desespero me abateu e eu precisei de ar. Eu nunca havia estado numa posição tão perigosa como aquela. Me lembrando das coordenadas para onde eu deveria seguir, eu retirei o pedaço de papel do bolso e pensei. Como eu iria sair dali e viajar para outro estado sem que ninguém me visse? - Merda, merda, merda – ouvi minha respiração ainda pesada, mas tão logo gritei, tentando extravasar tudo o que eu sentia. Aos poucos, fui sendo guiado pelo meu cansaço e minha intuição até onde eu imaginava ser uma das pontas daquela floresta. Uma estrada estava bem a minha frente, mas era isolada e dificilmente eu conseguiria a ajuda de alguém. Porém, para minha surpresa, o som de pneus cantando me aliviou de certo modo. Digo isso porque eu precisava de alguém, mas ainda temia que não fossem parar diante do meu estado. Cansado, eu me pus no meio daquela estrada e aguardei até que o carro se aproximasse. Ele parou e eu vi a motorista me olhar intimidada. Seus olhos desceram pelo meu corpo e ela engoliu em seco por trás do vidro. Meu peito subia e descia, mas eu forcei minha expressão a fim de não demonstrar a fraqueza que eu tinha sentido anteriormente. Eu contornei o automóvel e o adentrei pela porta do carona - Eu preciso ir até Dakota do Sul – lógico que eu sabia que ela se recusaria a me ajudar, eu estava querendo ir para outro estado. Eu precisava de um avião se eu não quisesse passar dias a fio numa viagem de carro. Quando a mulher tentou responder, eu a cortei - Eu preciso ir até Dakota do Sul e você vai me ajudar, ok? – rolei os olhos até ela de forma ameaçadora na última palavra.

═───────◇───────═

Ares não havia me passado uma missão, ele havia me passado uma jornada. Eu estava refletindo sobre isso no banco do carona de uma caminhonete. Ao sair de Maine, eu havia contado com a sorte de conseguir roupas novas e um avião pequeno para conseguir chegar ao meu destino. A mulher tinha seus contatos, assim como havia conseguido me arranjar um amigo, músico itinerante, que estava indo para uma fazenda em Minneapolis e que poderia me deixar no local onde eu precisava estar. Com o papel das coordenadas em mãos, eu suspirei, sentindo o vento bater contra o meu rosto. A caminhonete parou e eu agradeci o rapaz, antes de saltar no meio do nada. Era mais uma estrada com árvores ao redor, embora a alguns poucos metros de distância, houvesse um posto de abastecimento. Dessa vez, o clima estava ameno e não havia indícios do sol aparecer, apesar de um mormaço bem presente. Eu olhei de um lado para o outro e resolvi ir até o “pequeno oásis”. Talvez a pessoa com quem eu devesse me encontrar estivesse por ali. No entanto, aproveitei para me abastecer depois de toda uma viagem. Uma lata de coca-cola e um maço de cigarros foram as escolhas perfeitas para aquela situação. Aliás, fumar não era do meu feitio, mas honestamente, era o que eu tinha descoberto que me desestressava. Eu só havia experimentado uma única vez há alguns anos, mas o que eu podia fazer? Eu havia me tornado num canibal, era quase um trauma que meu cérebro teimava em me relembrar a cada cinco segundos. Um cigarro estava sendo uma necessidade. Então, quando eu saí da pequena loja, me escorei na parede e acendi um deles, antes de abrir a lata de refrigerante e tomar um longo gole. Alguns minutos se passaram, mas ninguém ainda havia me abordado. Se quer saber, eu até que estava tranquilo em ficar sozinho por ali, como se precisasse de um tempo para mim mesmo e longe do acampamento. Ao menos, era dessa forma que eu me forçava a pensar - 44.375148, -103.723935 – de bobeira, murmurei as coordenadas. Foi quando alguém se pronunciou e eu virei o rosto em sua direção, fechando um dos olhos pelo mormaço - É você? – era uma mulher, dizia que eu tinha algo para ela. Seus cabelos ruivos contrastavam perfeitamente com seu rosto pálido, que, diga-se de passagem, não aparentava saúde - Viu um fantasma? – mas não sorri com a piada.

Me virei totalmente para ela, tragando o cigarro antes de retirar o anel do bolso - Eu preciso voltar, mas é isso aqui. Acho que é uma chave para algum lugar – ela ainda me encarava levemente atônita. Estranhando, eu depositei o objeto sobre sua mão e tomei outro gole da bebida - Bom, eu acho que você sabe o que fazer com isso – num sinal brincalhão de “au revoir”, fiz menção de me afastar, mas ela rapidamente tomou uma atitude inesperada. A mulher tomou o cigarro da minha boca - Você é maluca? – não aumentei a voz, mas era um tom de indignação. Sua resposta envolveu algo sobre como não esperava essa atitude vinda de mim - Não esperava de mim? Qual é o seu problema? Você nem me conhece – e foi a sua vez de me medir da cabeça aos pés e comentar sobre mim. Eu a ouvi com atenção, mas confesso ter ficado intrigado com a parte sobre eu me preocupar com a minha própria aparência - Vaza, ruiva – quando eu revirei os olhos, ela insistiu. A seu ver, eu era apenas o rapaz da entrega e sim, ela não deixava de estar certa - Exatamente. Eu já te entreguei, está com você, agora vaza – eu iria continuar com a rispidez assim que ela retrucou sobre uma ideia de ir ou permanecer, mas eu apenas a lancei um olhar curioso. Eu sabia que o silêncio que tinha se formado poderia fazê-la perceber meu interesse em ir junto. Sinceramente, não é que eu tivesse vontade de acompanhá-la no que ela deveria fazer, mas talvez fosse uma forma de me livrar por mais tempo do acampamento. Eu ainda tinha muito da situação da caverna na cabeça e não... queria... ficar sozinho - Sabe alguma coisa sobre essa chave? – ganhei uma risada em resposta, mas ela continuou. Ares queria que ela abrisse a porta de entrada de uma seita que deveria ser destruída. Eu entreabri os lábios, iria dizer algo, mas me controlei. No fim, revirei os olhos e bebi a coca-cola quase até o final - Boa sorte – disse sem lhe dirigir o olhar. A mulher girou os calcanhares e seguiu caminho, no que eu voltei a olhá-la e praguejei mentalmente, antes de segui-la. No entanto, fui notado e quase nos esbarramos quando ela se virou querendo confirmar se eu realmente queria acompanhá-la, afinal pessoas poderiam morrer - Ah, se você soubesse... – as palavras saíram automaticamente - Eu não vou deixar uma mulher ir sozinha para esse tipo de missão – sisudo, eu encerrei a conversa e tomei rumo, deixando-a ali para ir atrás de mim - A propósito... Jasper – não olhei para trás, apenas balancei a mão, terminando a bebida e jogando a lata no chão.
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Re: Estados Unidos

Mensagem por Angelina Schuyler Qui Ago 31, 2023 10:43 pm

Quando Ela Se Tornou Uma Vampira
Monte Santa Helena
09:50
PS03
Essa é uma história do passado. O termo “herói” é geralmente utilizado para os semideuses. Quantos deuses, até mesmo monstros os chamam assim, como se meramente nascer um semideus já tornasse o indivíduo uma boa pessoa? Angelina sempre achou isso curioso, até porque ela não foi o tipo de adulta que, ao sair do Acampamento Meio-Sangue, tornou-se o que a sociedade julga “uma pessoa boa”. Ao invés de arranjar um emprego ou continuar lutando pelos deuses, ela aproveitou-se de suas habilidades para se tornar uma criminosa, uma assassina particular, uma mercenária. Seus motivos para isso? Temos vários. Angelina queria poder e influência, porque neste mundo é assim que você consegue coisas complicadas, como encontrar o paradeiro de dois bebês que lhe foram roubados no parto por um deus. Vou lhe dar um breve resumo dessa história: Poseidon abusou de Angelina, ela teve gêmeos, mas quando eles nasceram ela sequer pode os ver, porque Poseidon roubou as crianças. Se ela fosse alguém com poder e influência, certamente iria poder arranjar informantes, tanto no mundo mortal quanto no mitológico, e com o tempo conseguiria encontrar os seus filhos perdidos. Além disso, também lhe era satisfatório. O proibido é sempre mais atrativo e Angelina sempre foi uma pessoa virada para o proibido. Se isso não te convenceu, também existe um fator parental: a morte sempre estaria ao lado dela. Nem todo filho de Hades gosta de matar, mas Angelina era uma dessas filhas. Ela sempre gostou de matar monstros… E no dia que teve que matar uma pessoa por conta de uma missão divina, ela descobriu que gostava ainda mais disso do que de transformar monstros em pó dourado. Angelina tornou-se uma assassina das boas, tornou-se cada vez mais famosa no mundo criminoso, tanto mortal quanto mitológico, até tornar-se líder de sua própria organização de mercenários. Ela alcançou o seu objetivo, tinha poder, tinha influência, tinha satisfação e morte… Mas ela logo percebeu que se tornar chefe era a mesma coisa que também ter um alvo bem grande em sua cabeça. O mundo do crime é assim, traiçoeiro… E ele não tolera líderes fracos. Angelina nunca foi fraca, mas ela reconhecia um de seus defeitos mais gritantes: não ser uma boa combatente. Pois é. Ela era uma assassina de primeira: sabia ser furtiva, sabia matar sem deixar nenhum rastro, sabia ser ágil como uma gata e persuasiva como uma trapaceira… Mas combate? Não, ela perderia facilmente uma luta e não podia se dar a este luxo, não agora que tinha alcançado o seu objetivo… Ela não poderia deixar tudo escorrer por entre seus dedos. Foi isso que a levou para o Monte Santa Helena, no estado de Washington.

Caso você não saiba, o Monte Santa Helena é um vulcão ativo nos Estados Unidos, o mais mortal do país depois de uma catastrófica erupção no ano de 1980… E Angelina estava parada bem na boca do vulcão. O local, sem dúvidas, a dava calafrios. Vulcões, obviamente, cospem lava, e Angelina tem medo do fogo desde que viveu um incêndio quando pequena, incêndio este que matou a sua mãe… Incêndio este que começou de uma forma misteriosa que nunca ninguém conseguiu descobrir o motivo, nem mesmo a polícia que investigou o caso na época. Enfim, o trauma ficou. Apesar disso, ela estava determinada a descer o vulcão e entrar em suas cavernas e câmaras interiores, porque era ali que ela iria encontrar o que precisava: mais poder. Sim, ela precisava de mais poder se quisesse continuar com sua liderança, se não quisesse viver na constante ameaça de sofrer um ataque de outros grupos criminosos e ser subjugada. Ela precisava de algo que compensasse sua falta de maestria em combate, algo único. A primeira coisa que você pode pensar é nos deuses, mas Angelina sabia que não podia contar com eles. A verdade é que ela sempre foi um pouco adversa aos olimpianos e seus aliados, devido as suas intermináveis missões e picuinhas que acabavam respingando nos semideuses que não tinham nada a ver com o pastel. Esse pensamento se tornou mais forte após o abuso de Poseidon. Por conta disso, Angelina decidiu que iria procurar o outro lado da história para conseguir seu poder, iria para o “lado dos vilões”. De suas aulas de Histórias dos Deuses no Acampamento Meio-Sangue, ela sabia que havia um ser que rivalizava os deuses olimpianos, porque era necessário todos juntos para o derrotar: Tifão, o rei dos monstros. Pela sua lenda, após ser derrotado, Zeus jogou sobre Tifão o Monte Etna, o qual tornou-se a sua prisão, sendo que as erupções do vulcão que veio a se tornar o monte na verdade eram as tentativas frustradas de Tifão em libertar-se. Angelina precisou descobrir qual era o correlato americano para a prisão de Tifão, já que a mitologia acabou se realocando de várias formas para os Estados Unidos ao longo dos milênios, mas não foi algo difícil para ela, ela tinha uma boa rede de informantes agora como líder mercenária, lembra? Foi assim que ela parou na boca do vulcão do Monte Santa Helena: aquele monte era a atual prisão de Tifão.

Para muitas pessoas, até mesmo para alguns semideuses, descer o vulcão poderia ser uma passagem intransponível, mas não quando se é uma filha de Hades e pode-se usar viagem das sombras. O que Angelina fez foi olhar para as reentrâncias das paredes da boca do vulcão, encontrar uma segura e usar a viagem das sombras até ela, isso porque a boca de um vulcão é cheia de sombras. Assim, ela foi descendo de reentrância em reentrância, o ambiente ao seu redor se tornando mais escuro à medida que ela descia cada vez mais. O normal era que quando mais fundo, mais escuro, mas havia um ponto luminoso lá dentro numa colocação alaranjada. Poderia ser lava, mesmo assim, Angelina achou prudente investigar. Ela desceu cada vez mais, o ponto luminoso crescendo aos seus olhos, se tornando, na verdade, a iluminação interna da entrada de uma caverna do local. Ela viajou nas sombras até a entrada da caverna, observando, em seu interior, uma passagem para algum lugar, uma espécie de túnel iluminado por tochas posicionadas de forma alinhada nas paredes. Com cautela, a mulher começou a andar, olhando com cara de poucos amigos para o fogo das tochas. Era um fogo muito vivido, de um alaranjado que chegava a queimar tanto que deixava a visão marcada. Não era fogo normal, ela soube na hora. Era mágico… E ela imaginou que deveria ser alguma espécie de fogo que só pode ser apagado também por outra coisa mágica, porque senão alguém iria ter que vir ali trocar as tochas de tempos em tempos. A caverna das tochas seguiu por vários metros até abrir-se em uma câmara. Numa primeira olhada, Angelina percebeu que havia uma grande rocha no centro da câmara. Aos poucos, ela foi entrando e percebendo o quão colossal aquela câmara era… E que aquela rocha no centro não era uma rocha, era apenas o pé de Tifão. O rei dos monstros era um inimigo impossível de ser vencido por um semideus, bastava olhar para ele, não era à toa que os doze olimpianos eram necessários para combatê-lo numa luta justa. Tifão era tão grande quanto um arranha-céu, fez Angelina imaginar o quanto do Monte Santa Helena era, na verdade, ocupado por ele naquela câmara. Ele tinha pés que lembravam os pés de um dragão, o seu corpo humanoide era escuro e ele usava uma armadura peitoral. Seus braços também eram draconianos, mas deles saíam tantas cobras que Angelina não conseguia contar. Seu rosto era horrendo, uma espécie de pesadelo vivo com olhos flamejantes e com uma centena de chifres saindo da testa e da cabeça. Nas suas costas, saiam dois pares de asas gigantes de morcego, um par saia na altura das escápulas, o outro par na altura da cintura. Várias correntes maiores, cujo um elo só era maior que uma casa, saíam das paredes do vulcão e mantinham-se presas aos braços, pernas e corpo de Tifão. Ele tinha uma certa mobilidade, mas nada que o permitisse ir além daquela câmara.

Quando Tifão girou o seu rosto na direção de Angelina, ela se assustou e deu vários passos para trás, acidentalmente batendo as costas contra uma tocha e a fazendo cair. Ela se assustou ainda mais com o fogo próximo a si e andou para frente, gritando, antes que fosse atingida pelas chamas. Mesmo a tocha caindo em pedra, o fogo começou a se espalhar pela entrada da câmara, confirmando a ideia de Angelina de que aquele fogo era mágico. A ideia de ter a única saída daquela câmara bloqueada por um fogo que poderia ser eterno não a agradou, mas ela percebeu ter problemas piores quando ouviu um trovão retumbar em todo o local. Não, não era um trovão, na verdade, era a voz de Tifão dando risada, mesmo assim, o barulho era tão alto e próximo que Angelina abaixou-se por reflexo, só depois percebendo que não havia nenhum raio caindo sobre a sua cabeça. - O que foi, pequena semideusa? Você ficou com medo do bicho-papão? - Quem diria que Tifão fosse ter senso de humor, não é mesmo? Por sinal, depois de virar adulta, Angelina acreditou que não seria chamada de “pequena semideusa” ou derivados, mas conseguia entender que para Tifão qualquer pessoa parecia um mero insetinho minúsculo. - Essa sequer é a minha aparência completa. Essas malditas correntes drenam o meu poder. - Tifão balançou as correntes, fazendo todo o monte tremer. Será que eu vou causar uma nova erupção junto de Tifão? Ela se perguntou, pensando também que não queria saber como era a completa aparência de Tifão. Deveria ser algo inimaginável. - Pelo menos, vou ter um pouco de divertimento com você. - Angelina queria ter dito alguma coisa, mas o que aconteceu foi que ela recebeu um chute daquela perna enorme de Tifão que a fez voar para o lado oposto da câmara. Ela ouviu um “crack” quando suas costas bateram na parede do lugar e, de início, até pensou que tinha sido o barulho de um osso seu sendo quebrado, dada a dor que sentiu em seu corpo quando se viu no chão. Se Tifão quisesse, poderia ter matado Angelina com um simples pisão, como igual se mata uma formiga, mas como ele mesmo disse, queria “ter um pouco de divertimento” com ela. Matar rápido não era um divertimento, se é que você me entende. Angelina se levantou, percebendo que o seu corpo tinha adquirido alguns cortes. Ela sacou o seu arco e flecha para tentar se defender, mas o que ela pegou, na verdade, foi um pedaço de madeira lascada com uma corda nas extremidades, faltava pouco para os pedaços não quebrarem de vez. Esse foi o “crack” que ela ouviu. Não foram suas costas que quebravam, mas sim o arco que ela carregava ali, que absorveu a maior parte do impacto. - Huuum… Semideusa resistente. Isso é muito bom. O que eu deveria fazer com você primeiro? Arrancar uma perna? - Angelina engoliu seco e juntou toda a sua coragem para falar. - Espere! Eu sei como você pode se libertar! - E, pela primeira vez, Tifão olhou para Angelina com um pouco mais de seriedade, como se ela fosse algo a mais do que uma mera semideusa para suas brincadeiras de desmembramento.

Passados alguns segundos de silêncio, Tifão voltou a dar a sua risada trovejante. Angelina ainda se abaixou como se fosse receber um raio, embora dessa vez de uma forma mais disfarçada do que na anterior. - Acha que pode me enganar, semideusa? Boa tentativa, mas não vou vai funcionar. - Disse o rei dos monstros, movendo a sua perna. Ele iria dar outro chute em Angelina se ela não voltasse a instigá-lo logo! - Você não terá outra oportunidade como esta! - Gritou a mulher. Ela tinha que falar mais alto sempre, considerando que sua voz tinha que chegar lá na cabeça de Tifão, sabe-se quantos “andares” acima. - Está aqui a milênios, não quer sair? - Tifão bateu a sua perna fortemente no chão, causando um terremoto por ali que obrigou Angelina a se apoiar na parede da câmara para não cair. - MAIS RESPEITO, SUA VERME. - A voz de Tifão gritada era ainda mais assustadora do que a sua voz normal. Angelina começou a pensar que vir ali tinha sido uma péssima ideia, mas agora não tinha volta. - Acha que o rei dos monstros é um idiota? Nenhum semideus me ajudaria a escapar. Semideuses estão sempre ao lado do Olimpo, gostam de ser chamados de “heróis”. - Tifão falou a última palavra com um certo nojo acentuado. - Eu não sou uma heroína do Olimpo, nem quero ser. - Disse Angelina com sinceridade. - Um dos deuses do Olimpo me tomou a força e abusou de mim… Eles são todos iguais, arrogantes e prepotentes, só pensam neles mesmo. Por mim, poderiam nem existir deuses, seria o meu mundo ideal. - Era difícil decifrar as expressões de Tifão, considerando que ele sequer parecia as possuir com o seu rosto monstruoso e sem muitas definições. - Você é forte o bastante para lutar com eles, sei disso. Libertar você seria um ganho… - Era agora o momento complicado. - Mas é claro que eu não vou revelar o que eu sei de graça sobre como te libertar. Eu quero algo em troca. Como eu disse, não sou nenhuma heroína, muito menos benfeitora. - Angelina acreditou que Tifão fosse se sentir irritado com a petulância dela, o rei dos monstros, porém, deu sua risada trovejante outra vez. - Que interessante. Nunca tinha conhecido antes uma semideusa como você. Não se importa com os deuses e ainda tem a coragem de barganhar comigo. - Considerando que os semideuses que Tifão conheceu deveriam ser todos mais antigos, ou seja, realmente “heróis”, tanto que viraram os mitos atuais, é… O rei dos monstros estava bem desatualizado sobre como as coisas funcionam hoje em dia. - E o que você iria querer? - Perguntou Tifão. Angelina respirou fundo. Ela estava perto do seu objetivo. - Eu quero poder. Quero que coloque em mim essências de monstro, me transforma numa humana que possui poderes de monstro, no caso. Quero ser única, uma oponente formidável num campo de batalha. - Tifão nada respondeu. Talvez ele estivesse pensando. Angelina decidiu lançar a sua última cartada para convencer o rei. - Eu juro pelo Rio Estige que, se você conceber o meu pedido conforme o fiz, vou lhe contar tudo o que eu sei sobre como você pode se libertar desta prisão. - Mesmo que Tifão não tivesse expressões, Angelina sentiu que os olhos flamejantes dele estavam sobre ela. Outra vez, o rei dos monstros riu. A essa altura, Angelina finalmente aprendeu a se controlar ao ouvir seus “trovejos de risada”. - Muito bem, semideusa. Darei o que você deseja com o poder que ainda tenho disponível. - Ele disse e a ansiedade cresceu no peito de Angelina. Ela tinha conseguido!

Fios escuros saíram do corpo de Tifão e voaram até ela, entrelaçando ao redor de seu corpo e sendo absorvidos pela sua pele. Angelina começou a sentir algumas coisas diferentes, como alguns dentes crescendo em sua boca e suas unhas se tornando mais robustas, grossas e afiadas, como garras. - Engrandeci características que senti em você, como agilidade. A partir de agora, a escuridão não lhe será um problema, você verá tudo como se ela fosse a sua luz. Você também pode ficar longos períodos sem respirar. O que eu te fiz foi ser uma caçadora de humanos, você agora tem garras para isso e dentes afiados, além de atraí-los mais facilmente com seu encanto único, porque o sangue dos humanos será o seu alimento. Sem ele, você padecerá. Você pediu a essência de monstro, monstros não fazem bem aos humanos. - Angelina sentiu que aquele último argumento era mais uma desculpa para Tifão dar a Angelina algo que ela pudesse se arrepender, no caso, ter que se alimentar de sangue humano. Contudo, considerando que Angelina já é uma assassina, não lhe faria grande diferença ter que beber sangue. Na verdade, chegava até a ser atraente. - Então, eu sou praticamente uma vampira agora? - Angelina perguntou sequer sabendo se Tifão sabia a definição de vampiro. Ele não a respondeu, deu mais risada. - Não se importa em matar pessoas? Eu gostei de você. Realmente uma semideusa pouco ortodoxa. - Seria aquilo um elogio? Deveria Angelina sentir-se orgulhosa por ganhar pontos de simpatia com o próprio rei dos monstros? Não é todo dia que uma coisa dessas acontece. - Eu dei mais uma coisa a você. Você poderá se transformar em sua forma monstruosa completa quando quiser, terá asas, uma cauda, chifres e ficará mais agressiva. Assim, você será uma adversária formidável num campo de batalha, como desejou, bem como ainda poderá viver como humana, na medida do possível, já que assim também foi o seu desejo. - Quem diria que Tifão era tão bom em cumprir com acordos? Angelina realmente não tinha do que reclamar. - Agora, diga-me o que prometeu. - Angelina tinha jurado pelo Rio Estige, ela tinha que cumprir com o acordo ou sofreria um destino pior que a morte. Antes de dizer qualquer coisa, porém, ela olhou em volta, localizando uma pequena abertura na parede da câmara, um buraco ao qual ela poderia se colocar sem poder ser alcançada pelo gigantesco corpo de Tifão. Angelina, despretensiosamente, começou a caminhar até o lugar. - Muito bem, eu vou te contar. - Mesmo não sabendo compreender as expressões de Tifão, Angelina sentiu a ansiedade do rei dos monstros, estava praticamente palpável. - Nada. - Ela falou. Tifão, obviamente, ficou confuso. - O que? Você não seria capaz de quebrar o juramento! Nem mesmo deuses quebram um juramento pelo Estige. - Disse o rei, cada vez mais ficando enraivecido ao invés de confuso. - Eu não quebrei o meu juramento. Jurei contar o que eu sabia sobre como você poderia se libertar desta prisão. Acontece que eu não sei nada. - Silêncio. O rei dos monstros estava percebendo que tinha acabado de ser enganado, que uma reles semideusa tinha lhe passado a perna. - COMO VOCÊ OUSA? - O deus gritou e começou a se movimentar. Tudo começou a tremer e Angelina rapidamente correu para o buraco. Ali, Tifão não a alcançaria, embora ela agora estivesse encurralada.

- EU VOU FAZER VOCÊ SE ARREPENDER DE TER ME ENGANADO! - Tifão continuou a falar alto, o que fez Angelina colocar as mãos nos ouvidos. - MESMO QUE VOCÊ SAIA DAQUI COM VIDA! - Um arrepio percorreu o corpo de Angelina. Em seu buraco, ela ainda tinha um espaço lateral aberto, onde caberia uma segunda pessoa ali escondida. Ela conseguia ver pouco da câmara pela abertura do buraco, somente um dos pés de Tifão. Porém, algo novo apareceu diante de seus olhos ao lado do pé gigante: uma cobra verde que tinha um daqueles colares no pescoço semelhantes a uma naja com olhos bem amarelos. Aquilo não era uma cobra qualquer, era um basilisco! Angelina se perguntou de onde teria vindo tal criatura, mas ela logo percebeu que sabia essa resposta. As cobras nos braços de Tifão também não eram meras cobras, eram basiliscos, e pelo visto o rei dos monstros tinha acabado de dar liberdade para um deles. O basilisco observou Angelina dentro do buraco e abriu sua boca, atirando uma bola de fogo em sua direção. Angelina rapidamente escorou-se na parede lateral do buraco, no espaço aberto escondido, vendo a bola de fogo passar bem rente aos seus olhos e chamuscar suas roupas. Tinha sido por pouco, muito pouco. Ela olhou para o seu arco quebrado e percebeu que precisava dar um jeito naquela arma se quisesse ter qualquer chance de sair dali com vida. Rapidamente, Angelina rasgou uma boa parte de sua camisa, adquirindo uma tira longa de tecido. Logo depois, ainda escondida na lateral do buraco, ela encaixou os dois pedaços lascados do arco e flecha um no outro, passando e enrolar fortemente o pano nos pedaços recém unidos. Assim que a extensão da sua tira de pano acabou, ela fez um nó com as extremidades, apertando-o bastante. Era um conserto bem paliativo com o que ela dispunha no momento. Sem tempo nem espaço para testes, Angelina preparou uma flecha no arco porcamente consertado e colocou-se na abertura do buraco, percebendo que o basilisco tinha se aproximado consideravelmente. Ela atirou a flecha e, obviamente, errou o alvo. O arco estava muito impreciso agora, sem falar que seu alcance não estava dos melhores, considerando que a tensão na corda estava menor por causa da madeira lascada sendo segurada apenas por um pedaço de pano. Ainda assim, servia, o basilisco só precisava chegar mais perto para ela dar um tiro à queima roupa. - Desde que você entrou aqui, percebi que você tem medo do fogo, semideusa. Essa será a sua primeira penitência, seu pior medo será agora a sua fraqueza. - Angelina percebeu novos filamentos negros alcançando o seu corpo, sendo absorvidos pela sua pele em seguida. Tifão estava… Atribuindo a ela condições negativas na essência de monstro que tinha acabado de concedê-la! Merda. Ela pensou. Precisava sair logo dali. Não teve outro jeito, Angelina correu para fora do buraco, indo de encontro ao basilisco que aproveitou a aproximação para jogar seu corpo para frente num bote. Angelina sabia que se qualquer parte daquela criatura a tocasse, ela estaria envenenada. Felizmente, tudo que ela precisava era de proximidade para dar um tiro à queima roupa, exatamente o que ela fez acertando a cabeça do basilisco, que explodiu em pó dourado.

Angelina passou a correr na direção da saída da câmara, o mesmo lugar pelo qual ela tinha entrado, porém um novo basilisco caiu bem em frente a ela, agitando a parte de trás do seu corpo como se fosse um chicote, tentando acertá-la. Angelina deu um salto para frente, deixando a cauda passar por debaixo de suas pernas, virando-se logo após para atirar uma flecha contra o novo basilisco. Ela conseguiu acertá-lo no pescoço, o que não foi o suficiente para matá-lo. Mesmo assim, ela sabia que não tinha tempo a perder com cobras mitológicas que Tifão poderia continuar fazendo cair de seus braços, então ela continuou a corrida. Um novo basilisco caiu, dessa vez ao seu lado, abrindo a boca para dar o bote. Angelina atirou outra flecha à queima roupa, acertando a boca aberta do bicho e o fazendo explodir em pó dourado também. Ela conseguiu chegar próximo da saída apenas para se lembrar de uma coisa: ela tinha derrubado uma tocha ali sem querer, começado um incêndio que, agora, cobria totalmente o túnel de saída para dentro dele. Só de se aproximar do calor das chamas, Angelina sentiu a sua pele ter uma leve ardência, como se ela estivesse sofrendo queimaduras de primeiro grau em uma praia. A pouco tempo sua blusa tinha sido chamuscada por uma bola de fogo próxima e ela não tinha sentido tal ardência. Aquilo era… A penitência que Tifão tinha acabado de lhe dar. Seu pior medo, o fogo, agora era a sua principal fraqueza. O fogo a queimaria com mais facilidade, a mera proximidade com um incêndio de grande porte já faria seus efeitos. Pensa rápido Angelina, pensa rápido. Angelina tentava ao máximo não ficar paralisada tanto em corpo quanto em mente ao perceber aquilo e se ver diante das chamas. - Sua segunda penitência será você não ter controle da sua forma monstruosa. - Outra vez Angelina viu filamentos negros pousarem em sua pele e serem absorvidas. Ela realmente tinha que sair logo do alcance das palavras de Tifão, caso contrário, ganharia um mundo de “penitências”. Ela precisava lidar com o incêndio à sua frente, mas descobrir como apagá-lo estava fora de cogitação. Não havia tempo. Ela, então, teve uma ideia. Angelina olhou para as suas mãos e concentrou-se em deixá-las fantasmagóricas, bem como todo o seu corpo. Bem no momento em que ela deixou de ser tangível, um basilisco atravessou o corpo de Angelina e acabou caindo nas chamas, começando a queimar por completo. Era o mesmo basilisco que ela tinha conseguido atirar uma flecha no pescoço. O bicho continuou vivo, preparou-se para um novo bote contra a mulher, mas acabou terminando no incêndio. Praticamente com as pernas bambas, Angelina deu o primeiro passo na direção do fogo. Nenhuma dor, nenhum dano. Tal poder dos filhos de Hades estava lhe servindo bem, a aura fantasma. Percebendo que o fogo não lhe atingiria, Angelina correu pelo túnel lotado de chamas, enquanto, atrás de si, ela ouvia mais palavras de Tifão, que estavam ficando cada vez mais distantes. - Sua terceira penitência será: você se arrependerá de ter me feito o que pedido que fez, semideusa. Eu te garanto isso. - Os pelos de Angelina se arrepiaram e foi impossível não sentir medo. Os filamentos negros a atingiram novamente, absorvendo em sua pele. Essas foram as últimas palavras que ela ouviu de Tifão.

Ao se ver livre do túnel flamejante, Angelina encontrou-se de novo na boca do vulcão. Ela tornou o seu corpo tangível e usou viagem das sombras para subir pelas reentrâncias até onde pode, escalando manualmente o que restou da boca do vulcão ainda iluminada pelo sol (portanto, sem sombras). Somente quando escalou a boca do vulcão completamente e encontrou-se em seu cume que Angelina permitiu-se descansar de tudo o que tinha acontecido. Ofegante, ela gastou longos minutos respirando, puxando o ar como se tivesse acabado de emergir de um longo mergulho. Seus pensamentos estavam focados nas penitências que Tifão tinha lhe aplicado. Que o fogo seria a sua fraqueza ela tinha entendido e presenciado, mas o que exatamente significava não ter o controle de sua forma monstruosa e arrepender-se do pedido que fez? Como essas coisas iriam se mostrar para ela? Ela não fazia a menor ideia. Angelina olhou para as suas mãos, focando nas suas unhas, que agora mais pareciam garras. Ela tinha conseguido o que queria: enganou Tifão, o rei dos monstros, e conseguiu um poder que a tornava única, uma oponente formidável. Porém, qual seria o preço que este desejo faria ela pagar? Mais uma coisa que ela não sabia, mas, naquele momento, ela tinha uma certeza: queria ficar longe do Monte Santa Helena e não mais retornar a falar com o rei dos monstros. Descansada, pelo menos um pouco, Angelina começou a descer o monte.
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Re: Estados Unidos

Mensagem por Angelina Schuyler Qui Ago 31, 2023 10:47 pm

A Companhia Dos Mortos
Vários lugares
XX:XX
PS05
Parte 1: Ares {Dia 1 - 22:59 - Quarto de Angelina}

Quando líder de seu grupo de mercenários, Angelina passou a ter o hábito de escrever um diário sobre tudo o que acontecia na organização criminosa. Era um passatempo, algo que, no fundo, ela mais fazia pelo seu próprio gosto do que por qualquer necessidade. Apesar disso, somente agora ela realmente percebeu o seu real gosto por diários. Depois de criar e acordar de seu mundo falso, seu mundo de Névoa, Angelina estava mais sozinha do que nunca esteve. É difícil viver apenas tendo a sua própria companhia e, no fim das contas, ela passou a escrever diários sobre si própria. Era uma forma de colocar a sua tristeza para fora, de fazer alguma coisa e passar o tempo, aqueles dias… Sozinha. Aquela eterna… Falta. Era difícil. Miserável. Enquanto colocava seus sentimentos no papel, Angelina ficava um pouco absorta do que estava acontecendo em sua volta… Mas ela foi treinada pela vida do crime. Ela aprendeu a perceber quando alguém está à sua espreita e, por mais que tenha demorado neste dia, ela percebeu que havia alguém no quarto com ela. Como essa pessoa tinha entrado? Ela não sabia, só sabia que tinha que agir rápido. A faca que Owen lhe deu quando os dois ainda eram… Próximos… Ficava em sua mesa sempre. Ela pegou o objeto e virou-se na direção do intruso, observando-o despretensiosamente escorado em uma das paredes do quarto. Angelina não sabia quem era aquele homem musculoso de cabelos grandes e óculos escuros (mesmo que eles fossem completamente desnecessários dentro de um quarto). Ela logo perguntaria, mas o homem foi mais rápido em perguntar se ela era a ex do Poseidon. O que? Ela pensou com feições indignadas, mas logo essas expressões murcharam, se transformaram em tristeza e saudade quando ele perguntou se era “a que agora estava com Owen”. - Não estamos mais. - Seu murmuro foi tão baixo que nem ela própria se ouviu. Ela não conseguia dizer aquelas palavras, por mais que elas fossem verdadeiras. Afinal, quem ela queria enganar mais com isso? Owen não queria mais saber dela, a relação atual deles não passava de Angelina indo ver como ele estava dia após dia, apenas para saber se tudo estava bem com ele. Ele não fazia o mesmo por ela…

A seguinte fala do homem fez Angelina conseguir entender quem ele era. Ele comentou sobre ser mais oportuno conhecê-la num jantar da família, mas que não tinha tempo para isso. Considerando que ele já tinha mencionado Owen antes, aquele cara só poderia ser uma pessoa, ou melhor, um deus: o pai de Owen, Ares. Não é muito simpático. A mulher pensou, mas quem era ela para julgar também? Ela tinha uma certa queda justo pelos “não simpáticos”. Segundo Ares, ele não tinha tempo porque precisava de Angelina para um assunto particular. Ela entendeu tudo, ele iria passá-la uma missão. Suas últimas missões não tinham sido alegres, mas ela não iria reclamar. Qualquer coisa é melhor do que aquela solidão. Qualquer atividade que a fizesse pensar em outra coisa estava bom, mesmo que fosse correr risco de vida. Quem sabe fosse a sua hora mesmo… Ares, agora não mais escorado na parede, entregou a Angelina um papel dobrado. Ela rapidamente o desdobrou e encontrou um conjunto de números, dos quais ela reconheceu se tratarem de coordenadas. Era naquelas coordenadas que Angelina iria receber um objeto importante de uma pessoa familiar. Quem poderia ser foi algo que a deixou curiosa, mas ela logo descartou o pensamento de tentar adivinhar. Podia ser alguém de seu passado, alguém que ela sequer lembraria até olhar no rosto. O objeto, pelo que Ares dizia, deveria ser uma chave, porque ao recebê-lo ela deveria encontrar a fechadura de uma porta subterrânea que a levaria até uma câmara de um culto pagão, Angelina deveria destruir esse local e deixar uma marca para saber que foi “obra de Ares”. Aparentemente, Ares estava incomodado com algum “deus fajuto”, segundo suas próprias palavras. Ouvindo tudo isso, as expressões de Angelina se mantinham impassíveis. Ela não se importava muito com os problemas de Ares e nem com o que teria que fazer, fora que destruir o local de um culto pagão não parecia grande coisa. Segundo Ares, Angelina até poderia fazer alguma possível testemunha de exemplo para os demais. Isso era bom, finalmente um pouco de violência em sua vida… Andava muito monótona. A única fala de Ares que fez Angelina ter uma expressão a mais depois de tanta explicação foi “quem sabe Poseidon descubra o que perdeu”. Que idiota. Ela pensou, mas, no fundo, gostou da irreverência de Ares… E ele até que era bonito. Vendo por outro lado, aquela frase até poderia ser um elogio, o que a fez dar um leve sorriso de canto. Fazia tempo que ela não sorria. Após isso, o deus logo tornou a desaparecer, depois de não ouvir as possíveis perguntas de Angelina. Bom, ela realmente não tinha nenhuma e ficou feliz em conhecer alguém que, ao menos, tem um pouco de senso de humor negro.

Parte 2: O Encontro Familiar {Dia 2 - 16:44 - Lincoln Avenue, Deadwood}

Ainda em Nova York, descobrir onde ficavam as coordenadas foi fácil, bastou um computador e internet. O computador ela tinha, a internet, hoje em dia, podia ser encontrada em qualquer estabelecimento que oferecesse wi-fi grátis. Numa rápida pesquisa, ela descobriu que as coordenadas davam para uma cidade chamada Deadwood na Dakota do Sul, perto da Lincoln Avenue. Depois, bastou arrumar a viagem e ir. Dinheiro não é um problema para Angelina, quando se é criminoso você consegue um trabalho sujo fácil para ganhar o que precisa. Ela, inclusive, passou no Acampamento Meio-Sangue antes de viajar para comprar uma arma nova, e uma espada longa curva, conhecida popularmente como katana, chamou sua atenção. Ela pouco soube o porquê disso, considerando que o combate não é o seu forte. Talvez fosse a aura de Ares ainda emanando dentro dela porque iria fazer uma missão para ele. A viagem demorou boa parte da manhã e da tarde, onde Angelina pegou um avião para Pierre (também fica na Dakota do Sul), inicialmente, depois foi de ônibus em ônibus até chegar em Deadwood. O nome da cidade certamente soou curioso para Angelina, e mais curiosa ainda ela ficou quando chegou na cidade, que era bem pacata. Honestamente, não parecia que um culto iria se instalar logo ali, mas é isso que os cultos gostam, não é mesmo? Serem subestimados, estarem bem debaixo do nariz das pessoas sem elas saberem. Um charme de cultos e seitas são serem secretos, uma pequena comunidade “especial”, ao ver deles próprios, onde você só entra se conhecer alguém que faça parte e essa pessoa, por sua vez, te convide para fazer parte. Algumas dessas organizações até conseguem crescer, se tornarem famosas, mas ainda mantém os seus segredos. Illuminatis estão aí para isso… Vai me dizer que não acredita neles? É isso que eles querem que você pense.

Quando Angelina chegou à Lincoln Avenue e observou o seu destino final metros a frente, ela teve que soltar uma risada. É claro. É claro que ia ser um cemitério. Que lugar melhor para fazer um culto ou uma seita, não é mesmo? Não fazia muito tempo que ela tinha lidado com uma seita de eidolons em um dos cemitérios de São Francisco a mando de Hades (o seu pai que ela nunca chamava assim). De certa forma, ela se sentiu em casa. Angelina andou alguns metros, indo até as portas do cemitério e encontrando, próximo ali, escorado na parede que delimita os muros do local, um garoto que realmente era um rosto familiar. - Jasper… - Ela murmurou. O garoto, até então, nem tinha notado a sua presença, estava ocupado abrindo uma lata de refrigerante. Não, não, não. Ela pensou. Não era para ser assim. Pela primeira vez ela sentiu-se irritada de verdade com Ares. Eu não estou preparada. Ela ainda estava mandando as suas cartas misteriosas para os seus filhos, era o seu jeito de aproximar-se deles antes de revelar tudo, antes de se apresentar, de aparecer na frente deles pela primeira vez… Mas Ares antecipou as coisas para Jasper, o que começou a fazer a raiva crescer dentro de Angelina. Até quando os deuses controlariam a sua vida? O que ela precisava fazer para que eles parassem com isso? Calma Angelina, calma. Ela começou a repetir dentro de sua mente. Era melhor não conhecer o seu filho com raiva. Era melhor que ele também não a conhecesse como um demônio. Infelizmente, ele vai te conhecer antes do tempo, só isso. É, Jasper iria conhecer Angelina antes do tempo, mas ela não revelaria ser a mãe dele naquela missão. Ela ainda não estava preparada. Ela ainda queria mandar mais cartas antes. Respirando fundo, Angelina começou a caminhar em frente na direção do garoto. Suas feições ainda eram como as de alguém que tinha tomado um susto, alguém que viu um fantasma, mas não tinha melhor forma de lidar com isso do que indo de uma vez conversar com ele. - Você tem algo para mim. - Angelina disse assim que aproximou-se de Jasper. Era a primeira vez que ela falava com um de seus filhos. Ela nem sabia direito o que sentir. Como já dito: ela não estava preparada.

Jasper percebeu que Angelina não estava normal e perguntou se ela tinha visto um fantasma. Ultimamente tudo que eu tenho visto na minha vida são fantasmas do passado. Ela pensou, deixando algumas expressões melancólicas transparecerem. Desde que acordou do mundo da Névoa, todo o planeta parecia um grande fantasma do passado. O garoto não aguardou por uma resposta, falou que precisava voltar e deu a ela a tal encomenda, o objeto importante mencionado por Ares. Para falar a verdade, Angelina pouco deu atenção para o objeto, ela continuava olhando para Jasper, analisando seus jeitos, conhecendo… O seu filho. Um filho. Isso ainda era tão estranho de se pensar. No mundo que ela criou, ela era estéril. Estéril para não sofrer isso outra vez. Ela pensou. O mundo que Angelina criou não foi feito pela consciência, mas sim pela subconsciência. Ela não escolheu o que criou, mas podia atribuir porquês para suas criações. Se no outro mundo ela era estéril… Foi porque não queria sofrer outra vez o que é ter um filho arrancado de você e, posteriormente, viver o que estava vivendo agora. Conversar com ele pela primeira vez… Com ela nem sabendo o que é ser uma mãe. Era triste, mas ao mesmo tempo era feliz. Ela estava feliz por estar finalmente falando com um dos filhos perdidos, apesar de toda a tristeza, de toda a bagagem de acontecimentos que levou àquele momento. Enquanto o garoto falava, Angelina ainda não conseguia parar de analisá-lo. Era esperto, tirou conclusões corretas sobre o que deveria ser a encomenda, parecia independente e ao mesmo tempo cuidado consigo mesmo, dava para notar pelas suas roupas, pelo cabelo arrumado, não era nem um pouco desleixado… Seu único defeito, pelo menos naqueles poucos minutos de troca, era o cigarro que ele fumava. Francamente, quantos cigarros Angelina iria ter que jogar fora nessa vida? Já bastou ter se livrado dos de Owen. Sem dizer nada, Angelina pegou o cigarro da mão do garoto e jogou longe. - Eu não esperava isso de você. - Ela falou com sinceridade, embora fosse pelos seus próprios motivos pessoais. Aquele garoto era filho de Poseidon… E conseguia ter aquele traço que parecia tanto com Owen: gosto por cigarros. Era quase como se ela levasse um tapa na cara naquele momento. Um tapa bem dolorido. Naturalmente, Jasper ficou revoltado, perguntou se Angelina era maluca, argumentou que ela sequer o conhecia. Angelina já esperava uma atitude dessas desde que decidiu jogar o cigarro dele fora, ela já tinha uma resposta.

Inicialmente, Angelina olhou o garoto de cima abaixo, não escondendo o fato de estar o analisando com o seu olhar. - Você está arrumado. Tudo bem, tem algumas falhas, deve ter sido por conta da sua jornada. De toda forma, para uma pessoa que parece se preocupar com como aparenta, você se esquece que cigarros podem te deixar fedendo... Fica a dica. - Angelina falou com aquele ar de “nariz empinado”, recebendo como resposta de Jasper duas palavras: vaza, ruiva. Tão educado quanto ele também. Ver semelhanças de Jasper e Owen continuava sendo outro tapa na cara para ela. Porém, é claro que ela não iria perder naquele jogo. Por favor, ela não iria perder para seu filho, temos uma mulher muito orgulhosa e teimosa aqui. - Que eu bem me lembre eu quem devo estar aqui, você é apenas o garoto da entrega... Que dó. - Angelina falou fazendo uma expressão de pena. Impressão minha ou ela está mesmo tendo essa espécie de discussão quinta séria com o próprio filho? Tá vendo? Ela realmente ainda não sabe ser mãe. Como argumento, Jasper rebateu que era mesmo o garoto da entrega, tinha feito a tal entrega e agora Angelina deveria seguir o seu caminho, ou seja, o tal “vazar” no popular jargão dos jovens. - Os incomodados que se retirem... Ou prefere que eu te leve? - Ela fez a ameaça velada. Se não o vencesse nas palavras, certamente venceria na força. Porém, para sua surpresa, Jasper se calou, o que ela considerou uma vitória. Ele falou algo diferente apenas depois de alguns minutos de silêncio, perguntando sobre a chave. Foi a primeira vez que Angelina de fato deu atenção para o objeto que recebeu dele: um anel em formato de chave. Muito conveniente para quem deveria procurar uma fechadura, logo o trabalho de Angelina. Antes de responder, a mulher deu uma risada, percebendo que, na verdade, toda aquela ladainha de antes era porque Jasper queria ir junto. - É para abrir a porta de entrada da seita que Ares quer que eu destrua. - Ela respondeu sem rodeios, querendo ver qual seria a reação do garoto. Ficaria espantado? Essa seria a reação da maioria… Mas ele era como a maioria? Talvez fosse, porque apenas deu boa sorte para Angelina. Então… Ele tem limites. Ela pensou, ainda o analisando, só que agora mentalmente. - Até mais ver então. - Ela se despediu com um aceno e foi até os portões do cemitério, entrando no mesmo. Por mais que devesse se concentrar na missão e encontrar a fechadura, seus pensamentos ainda estavam em Jasper. Então… Ele era uma pessoa… Moral? Normal? Não era como ela? Ela não sabia o que sentir sobre isso, mas esses pensamentos mudaram assim que ela percebeu que estava sendo seguida. Era ele. Um sorriso brotou em seus lábios, mas ela o fechou ao virar-se para trás e encarar o garoto, parando na frente dele e o impedindo de andar. Mais um teste… Só mais um teste para ela saber sobre a moral do garoto. - Pessoas podem morrer. Quer mesmo vir? - Não havia preocupação em sua pergunta, nem mesmo repreensão, era pura curiosidade. Jasper deu a entender algo como “se ela soubesse do que ele já tinha feito”, mas no fim das contas, disse que não deixaria uma mulher ir sozinha para aquele tipo de missão. Ela não pode deixar de soltar uma longa risada com isso, enquanto o garoto tomava a frente e se apresentava sem olhar para trás. Ela acelerou o passo e ficou ao lado dele. - Angelina… E se você soubesse o que eu posso fazer, não tentaria cuidar de mim. - Ela piscou para o garoto.

Parte 3: Caminhos Tortuosos {Dia 2 - 17:03 - Mount Moriah Cemetery, Deadwood}

Encontrar a fechadura foi um pouco mais trabalho do que Angelina esperou, mesmo com a ajuda de Jasper. Não me entenda mal, o clima do cemitério era ótimo, aquele lugar silencioso onde a única coisa que você vê de vida são as plantas, as poucas pessoas que vêm visitar os mortos e alguns pássaros fazendo cada um o seu ninho nas árvores. Angelina achava eles espertos, escolheram o lugar mais calmo da cidade para fazer sua morada. O difícil mesmo foi olhar lápide por lápide. Em sua última missão envolvendo um cemitério, Hades deu uma ajuda indicando qual era o túmulo correto… Ares não era tão gente boa assim. As horas foram passando e quando o sol estava para se pôr, Angelina finalmente encontrou a fechadura, não demorando para chamar Jasper para visualizá-la também. Era inconfundível. Parecia um túmulo aleatório, um dos mais pobres inclusive, com apenas uma placa quadrada no chão, só que um pouco maior que as mais comuns vistas. Na placa, havia o nome do morto, “Cratos Smith”, além de uma inscrição póstuma que dizia “Aqui jaz uma nobre representação de força e poder”. Abaixo da inscrição estava entalhado um desenho que, a princípio, não parecia fazer sentido e mais parecia que a placa estava danificada pelo tempo, mas para aqueles que já tivessem visto o anel, era claro que aquela era a fechadura. Angelina colocou o anel em um de seus dedos e o usou na fechadura, percebendo que o objeto encaixava perfeitamente e permitia que a mulher conseguisse puxar a placa quadrada para cima, como se fosse a porta de um alçapão. Embaixo da placa, onde deveria estar o morto Cratos Smith na verdade encontrava-se uma escada que descia chão abaixo. - Damas primeiro. - Angelina disse com bom humor, começando a descer as escadas. Segundos depois, encontrou-se numa espécie de catacumba. O local tinha vários caminhos possíveis e as paredes eram revestidas de buracos retangulares, alguns com esqueletos, outros não. O cheiro não era dos mais agradáveis, mas como todo cheiro forte que invade o nariz, aos poucos o mesmo vai se acostumando e logo esquece do odor ruim. Por todas as paredes, algumas tochas faziam iluminação, algo que fez Angelina se encolher e ficar o mais distante possível delas. Fogo… Ela nunca mais queria ter que lidar com fogo… Não depois da missão de Zeus. Só… Não. Já não gostando muito do ambiente e querendo se livrar dele, Angelina começou a caminhar em busca de onde deveria estar o cerne do culto ali embaixo. Para se distrair daquelas chamas fazendo a iluminação, ela resolveu conversar com Jasper. - Então, o que você teve que fazer para conseguir este anel? Se eu soubesse… - Ela perguntou, deixando claro que gostaria de saber o que ele antes quase tinha deixado escapar.

De um jeito um pouco irritadiço, Jasper respondeu que fez o que os deuses sempre pedem para os semideuses fazerem: matar monstros. Estava claro que ele não queria falar tudo só por essa resposta, Angelina ponderou se forçaria um pouco mais a barra ou não e, no fim das contas, decidiu insistir. Vai saber qual seria a próxima oportunidade que teria para conversar com ele. - Oh, que interessante. - A voz dela não demonstrava nada de “interessante”. - Era isso que tanto queria esconder? - Ela perguntou enquanto andava pelas catacumbas. Qual deveria ter sido a história daquele lugar? Uma catacumba é como um cemitério embaixo da terra, cada um dos buracos retangulares na parede era uma cova onde um morto poderia ser posto. Jasper, ao lado de Angelina, perguntou o que fazia ela acreditar que ele queria esconder alguma coisa. - Porque você parece irritado... E porque respondeu uma pergunta com outra. - Ela respondeu com simplicidade, mas sabia que aqueles argumentos eram fáceis de serem rebatidos, então ela não demorou em dar um novo argumento. - Eu já escondi muitas coisas na minha vida, reconheço alguém fazendo o mesmo. - Angelina falou com melancolia na voz, bem como em suas expressões. Igual eu estou fazendo nesse exato momento. Ela pensou. Estava escondendo do próprio filho que ele estava falando com sua mãe. Ela não conseguiu olhar nos olhos dele neste momento, embora tenha notado um breve silêncio antes da resposta do garoto: ele disse que não daria satisfações para ela, ela deveria “se tocar”. - Eu não pedi satisfações, apenas perguntei... Relaxe, esquentadinho. - Ela preferiu não insistir mais. Talvez Jasper possa até ter pensado em contar alguma coisa, mas, no fim das contas, desistiu… E tudo certo, Angelina entendia, afinal, eles tinham acabado de se conhecer. Em silêncio, os dois continuaram andando pelas catacumbas. Eram bem maiores do que pareciam, também muito antigas. O mais provável era que já existiam há muitos anos, junto da história daquele cemitério, e os cultistas apenas se aproveitaram do espaço para suas práticas. Ela imaginava que eles selaram todas as entradas da catacumba e deixaram apenas uma, colocando um túmulo por cima com uma fechadura. O líder provavelmente era rico, justificando como conseguiu fazer isso, algo não tão incomum. Você pode se surpreender como essas pessoas de cultos ou seitas são pessoas com um bom patrimônio material. Às vezes, o dinheiro não as satisfaz o bastante, então elas resolvem procurar qualquer coisa para preencher o vazio que sentem, como uma crença diferente ou um grupo secreto que parece proibido. O proibido é sempre mais atrativo.

E por falar em pessoas, Angelina e Jasper finalmente encontraram pessoas. Dois homens estavam posicionados lado a lado em um dos corredores da catacumba, bloqueando a passagem. Ambos estavam empunhando lanças e também utilizavam a mesma camisa, cujo desenho era um listrado cinza e vermelho. Honestamente, Angelina achou um pouco ridículo, lembrava a estampa de uma toalha que você coloca na mesa de um restaurante, mas quem sabe tivesse algum significado por trás, não? Para os dois, parecia uma espécie de uniforme, já que eles estavam vestidos da mesma maneira e segurando o mesmo tipo de arma. Assim que notaram a presença de Angelina e Jasper, eles empunharam as lanças para frente e um deles falou numa voz ríspida. - Quem é você e o que faz aqui? - Uau, que simpático. Angelina pensou. - Eu sou Angelina. Esse ao meu lado é Jasper. Nós somos novos integrantes do culto. - Angelina prontamente colocou a mão em frente ao seu corpo, mostrando o anel em seu dedo. Ela imaginou que este era um item que cada integrante do culto deveria ter, afinal, sem o anel não dava para abrir o alçapão. Aquilo certamente deu a Angelina credibilidade em sua história falsa. Ela sabia que os cultistas não fariam perguntas sobre “mas de onde você veio” ou “como chegou até aqui”, isso porque só tem uma forma de entrar num culto ou numa seita escondida: conhecendo alguém que faz parte dela, sendo convidado e instruído de tudo. Porém, teve uma coisa que Angelina não previu e que a pegou de surpresa. - Qual é a senha? - Okay, aqueles cultistas eram um pouco mais espertos do que a última seita que ela esteve, eles tinham uma senha entre os membros. Com o silêncio de Angelina, os dois homens logo perceberam que ela era uma impostora e se prepararam para a luta. Jasper, ao seu lado, também assumiu uma postura de batalha, mas Angelina colocou um braço na frente dele. - Já falei para relaxar, esquentadinho. Porque você não assiste o show? - Ela não aceitaria um não como resposta, e isso ficou claro pois logo após falar isso, ela sacou a katana e foi na direção dos dois homens. Se eles eram semideuses ou não, Angelina não sabia, mas uma coisa ficou óbvia assim que a luta começou: eles sabiam usar as lanças. Angelina tentou atingir o primeiro com a espada, mas ele se esquivou. O segundo projetou a lança para frente, tentando acertar a cintura da mulher. Ela curvou o corpo para trás, encolhendo a barriga e escapando por pouco da lâmina. O primeiro se recuperou e tentou atingi-la também, obrigando Angelina a dar um passo para trás e repensar. Foi neste momento que ela percebeu que os dois sabiam lutar… Mas tudo bem, um primeiro golpe é sempre mais um estudo do que uma tentativa real de acerto.

A partir de então, Angelina lutou mais a sério. O primeiro homem veio em sua direção querendo dar uma estocada em seu peito com a lança. Angelina, sem sair do lugar, moveu o corpo para o lado, deixando a lança passar rente ao seu corpo sem a atingir. Ficando ainda próxima do homem, ela usou a espada para atacar a sua mão, decepando boa parte de seus dedos. Se quer mesmo saber, ela tinha mirado a espada no pulso do cara, mas acabou acertando os dedos. No fim das contas, o resultado foi o mesmo, o cara gritou de dor e, além disso, foi obrigado a deixar a lança cair no chão, já que estava sem a maioria dos dedos para conseguir segurá-la. Pois é, devo dizer que até os dias atuais Angelina não é uma exímia combatente, ainda mais se você parar para pensar que é a primeira vez que ela está usando uma daquelas espadas. Porém, o que ela não tinha na perícia de combate ela tinha em agilidade e movimentos corporais, por isso ela conseguia fazer esquivas tão precisas, ficando a centímetros das lâminas que tentam atingi-la sem problemas. Enquanto o primeiro homem olhava gritando para a sua mão, vendo sangue sair do coto de seus dedos, o segundo foi na direção de Angelina com mais agressividade, correndo na direção da mulher e, com um salto, tentando atingi-la com a lança como se fosse a empalar. Angelina correu em frente e deu uma rasteira, passando por debaixo do salto do homem. A lâmina da lança dele fincou no chão e ela se levantou atrás dele. Aproveitando o fato do cara estar puxando a lança do chão, Angelina não deu espaço para ele terminar esta ação, perfurando as suas costas com a katana, atravessando todo seu corpo até a lâmina sair pelo peito. Ele deu alguns passos para frente, então caiu de bruços no chão, a katana ainda fincada em suas costas. Angelina não pegou a arma de volta, ela olhou para o primeiro, que agora estava empunhando sua lança com a outra mão. Apesar de ter feito isso, dava para notar pela forma que ele segurou a arma que ele não era ambidestro, fora que também usar uma lança com apenas uma mão não é para qualquer um. Dessa forma, Angelina aproximou-se calmamente e esperou o homem tentar atacá-la. Como ela esperava, a perícia dele com aquela mão era muito ruim, o homem tentou um simples golpe curvo com a lança, algo não muito favorecido com esse tipo de arma, foi fácil para ela abaixar-se, fazendo a lança passar acima de seu corpo, em seguida jogar-se em cima do homem como um animal. Ele caiu de costas no chão com Angelina por cima de seu corpo. A lança rolou para longe, pois ele a soltou sem querer, e Angelina abriu a sua boca, cravando seus dentes no homem sem piedade. Ele gritou e se debateu, horrorizado, com certeza não esperando um ataque daqueles, porém, quanto mais sangue Angelina sugava, mais fraco o homem ficava, até que chegou um pouco em que ele simplesmente ficou quieto e fechou os olhos, desmaiando. Angelina ainda o sugou por mais alguns minutos antes de levantar a cabeça. Seus olhos pousaram em Jasper, ela ainda estava em cima do homem, segurando-o com suas unhas contra o chão, sua boca estava vermelha, suja de sangue. Aos poucos, ela se levantou e foi até o segundo homem, pegando a katana e a puxando para fora do corpo morto. - Eu disse a você… Se soubesse o que eu posso fazer, não tentaria cuidar de mim. - Angelina falou numa voz tranquila, mas com toda aquela cena e sangue à sua volta, ela mais parecia uma mulher mortal.

Angelina acreditava que Jasper não ficaria chocado ou coisa parecida. Ela sabia que ele tinha gosto por sangue. Apesar de nunca ter conhecido antes os filhos, ela fez pessoas ficarem de olho neles, dando informações a ela. Porém, o que ela observou no rosto do filho foi a mesma expressão que ela fazia ao olhar para as tochas das catacumbas: medo. No mesmo segundo que percebeu isso, ela sentiu um amargor dentro de si e uma agonia diferente, única, que ela nunca tinha sentido antes. Ela não queria que o seu próprio filho tivesse medo dela. - Ei, você não precisa ter medo de mim. - Ela disse, guardando a espada. - Eu nunca machucaria você. - Angelina falou, mas não se aproximou. Achou que não seria prudente, ele poderia se afastar em resposta. O que se seguiu foi ainda mais estranho, Jasper ficou com um olhar perdido, como se não soubesse onde estava e tentasse buscar a resposta para isso nos detalhes do cenário onde se encontrava. Isso ficou por alguns segundos até que ele começou a correr. Não, aquilo não estava nada certo. Não era só medo dela. Aquelas catacumbas, graças a iluminação feita por tochas, eram cheias de sombras, então Angelina mergulhou na mais próxima e apareceu em outra sombra à frente de Jasper. Ela pegou-o de surpresa e o segurou pelos ombros. - Ei, Jasper, olha para mim. O que aconteceu? - Ele gritou para ela sair, soltando-se dela e encontrando uma espada em um dos cadáveres sepultados. Ele segurou a arma com ambas as mãos e posicionou a frente do corpo como se nunca tivesse pego numa dessas na vida. O que tinha acontecido com ele? Angelina estava ficando preocupada de verdade, não sabia o que fazer. Era como se Jasper não fosse Jasper, e olha que ela só tinha o conhecido para valer a algumas horas atrás. Ela não viu alternativas senão ir até o garoto, desviar facilmente do golpe fuleiro que ele deu e segurá-lo pela cabeça, a batendo forte contra a parede das catacumbas. O garoto desmaiou. Angelina respirou fundo, confusa com o que tinha acabado de acontecer. Poderia ela ter deixado Jasper em choque com o seu show? Não, não fazia sentido, segundo o que tinham observado dele, ele não tinha problemas com aquelas coisas. Sem muito o que fazer, a mulher sentou-se e aguardou pacientemente, gastando o tempo que tinha que esperar limpando a sua espada, ou seja, passando o dedo pela lâmina e bebendo o sangue. Angelina julgou que uns vinte minutos tinham se passado desde o desmaio de Jasper quando ele começou a acordar. Ela parou de beber o sangue da espada no mesmo segundo e olhou para ele. - Jasper? - Angelina o chamou. Por um momento, ela pensou ter visto as expressões de medo nos olhos dele, mas logo isso se transformou numa longa encarada sem nenhuma palavra. Jasper olhava para todos os elementos do cenário outra vez, como se estivesse procurando sentido nas coisas, mas não mexia nenhum músculo a mais do que os dos olhos. - Qual é a última coisa que você se lembra? - Ela perguntou. Considerando que ele não tinha saído correndo, ela considerou uma vitória.

Um novo silêncio se fez, Angelina aguardou com uma certa ansiedade Jasper responder, e quando veio a resposta, o garoto pareceu desconversar, dizendo que estava ali o tempo todo e tinha visto tudo, ou seja, não tinha sentido a pergunta dela sobre o que ele se lembrava. Aquilo era uma mentira, uma clara mentira. - Você está escondendo coisas de mim de novo. Eu vou te contar o que aconteceu. Você ficou com medo de mim, isso eu poderia entender, mas você pareceu não saber sequer onde estava. Eu tentei te acalmar, mas você segurou uma espada para se defender como se fosse uma criança de cinco anos, nem parecia um semideus. Depois, eu bati sua cabeça contra a parede para você desmaiar. Infelizmente, eu não sei métodos melhores de tentar reiniciar uma pessoa. Você não quer me dizer nada? Tudo bem, mas isso não é normal e você deveria se preocupar. - Ela disse com seriedade, verdadeiramente preocupada. Angelina já tinha visto muita coisa nessa vida, mas aquilo que acabou de passar com Jasper foi a primeira vez. Era como se o menino, por um curto período de tempo, fosse outra pessoa, indo de um garoto rebelde e respondão para um medroso perdido. Mais uma vez, Jasper desconversou, se levantando e falando que não deveria ter a acompanhado na missão. Angelina se levantou também. Aquilo mexia com ela. De certa forma, ela havia criado uma expectativa com Jasper ao saber de seus informantes que o seu filho tinha uma certa fixação por sangue. Era como se ele e ela compartilhassem algo em comum, algo pelo qual poderiam se aproximar, mesmo que não pudessem ter vivido os anos como mãe e filho. Além disso, pensar que seu filho não tinha todas as moralidades corretas da sociedade a deixava mais tranquila, porque entendia que assim seria menos julgada por ele. Quando o viu sentir medo, além da agonia de ver o jovem com aquela expressão para ela, o amargor de toda essa expectativa quebrada foi inevitável. Porém, agora, Angelina só estava confusa porque não sabia o que se passava com Jasper… E ele também não ajudava, porque nada revelava sobre si mesmo. - Eu sou a maluca? - Ela perguntou numa forma de desabafo. - É você que gosta de ver sangue e depois fica com medo. Tem algo de errado, não acha? - E foi naquele momento que Angelina percebeu que tinha falado demais. Ela deu a entender que sabia sobre o gosto dele, mesmo que ele não tivesse demonstrado isso e nem falado nada sobre no período de tempo que tiveram um com o outro. Merda. Ela precisava desconversar o quanto antes. - Eu tenho uma missão para cumprir. - Angelina falou e deu as costas para o garoto, começando a andar em frente, mas ele era inteligente, percebeu o que aconteceu e perguntou quem ela era. - Angelina. - Ela respondeu sem olhar para trás. Foi quando ouviu barulhos diferentes atrás de si e percebeu que o garoto iria atacá-la. Ela rapidamente se virou a tempo de ver o garoto lançar o escudo que tinha contra a mulher. Dada a proximidade entre os dois ainda, não foi difícil para Angelina agarrá-lo no ar antes de atingi-la, como se fosse uma partida de queimado. Pelo visto, ele tinha herdado algo dela sim: teimosia.

- Não abuse, em uma luta eu venço você. - Angelina falou deixando o escudo cair no chão. Sua ameaça não foi velada, ela sabia que venceria o garoto se lutasse com ele. Apesar disso, Jasper falou que duvidava, então Angelina mais uma vez usou a viagem das sombras, dessa vez para posicionar-se atrás de Jasper e conseguir segurá-lo pelas costas, sacando a espada rapidamente e colocando rente ao pescoço do menino. - Tem certeza? - Ela perguntou e aproximou o seu rosto do pescoço dele. Por um momento, ela sentiu uma enorme curiosidade em saber como era o gosto do sangue dele. Como seria o gosto do sangue de um filho? Quem sabe um dia ela descobrisse. - Não esqueça que eu sou uma vampira, eu nem sequer preciso dessa espada. - Ela o advertiu. Jasper não tentou fazer nada, mas perguntou porque ela tinha dito que ele gostava de ver sangue. - Você tem os seus segredos, eu tenho os meus. - Angelina respondeu, então o soltou. - Você não ficou medo de mim, bem vindo de volta. - Ela disse com um sorriso singelo e verdadeiro. Suas expectativas estavam sendo atendidas novamente. Jasper não tinha medo dela, tão pouco parecia um moralista. Ele parecia ter voltado a ser simplesmente o Jasper. Passando este momento, Jasper perguntou se Angelina era filha de Hades. - Filha de Hades. - Ela confirmou, voltando a seguir seu caminho pelas catacumbas, passando pelos dois homem que tinha matado. Jasper veio logo atrás, perguntando se ela era uma vampira também. - Eu sou. - Ela sabia que a pergunta que veria em seguida seria “como?”, todo mundo pergunta isso. Ela não se importava de já falar sobre isso. - Eu queria ser mais forte. Fui até o rei dos monstros, Tifão, e o enganei para que me desse poder. Ele me tornou uma vampira. - Após Angelina terminar, Jasper fez aquela fatídica pergunta novamente, porque ela tinha falado que ele gostava de sangue. Ele não ia esquecer. Ela virou-se para o menino e percebeu um olhar mais singelo da parte dele. Ele… Realmente queria saber disso, era importante para ele. O que responder? Ela sentia vontade de contar a verdade, mas ainda não se sentia nem um pouco preparada para isso. - Eu… - Ela começou, mas não conseguiu dizer nada, seu olhar desceu para o chão. Porque eu não consigo contar? Ela perguntou para si mesma e, lá no fundo, ela sabia a resposta. Era sempre o mesmo problema de todos… Ela tinha medo. Medo da rejeição. Jasper estava ligando os pontos, disse que Ares não tinha os colocado naquela missão junto por mera coincidência e fez a pergunta mais uma vez. Os olhos dele estavam vermelhos, como se ele estivesse segurando lágrimas. Aquilo era realmente muito importante para ele. Angelina nem sabia que seria tanto. Uma simples menção ao seu gosto por sangue, mas que para ele parecia ser muito mais. Angelina suspirou. Ela não iria conseguir… Não iria conseguir esconder dele, não quando o menino está prestes a chorar na sua frente. Ela não queria vê-lo chorar. - Vou ter que ensinar Ares a não meter mais o nariz onde não foi convidado. - Ela resmungou em forma de prece, esperando que Ares a escutasse muito bem, então voltou sua atenção para o menino. - Eu sou a sua mãe. - Ela disse. O que aconteceria agora? Ela esperou choro, esperou perguntas, numa imaginação mais longínqua ela esperou até um abraço… Mas não esperou desdém, e foi isso que Jasper deu a ela, falando que “então ele era Poseidon”. Ríspida, ela não demorou em rebater. - Você queria saber, essa é a verdade. Se não acredita, o problema é seu, filho de Poseidon, 15 anos. - Ela falou quase cuspindo as palavras. O medo dela estava começando a se concretizar… A rejeição estava vindo. Você sabe como as feras feridas agem quando ameaçadas? Isso mesmo, elas tentam ferir.

Jasper disse que não estava convencido e perguntou qual era o seu sobrenome, enfatizando que os dois deveriam ter o mesmo e usando a palavra “mãe” em sua fala de forma sarcástica. Angelina teve que juntar o que tinha de autocontrole para responder tudo com clareza. - Seu sobrenome é Seymour. Nós não temos o mesmo sobrenome, o meu é Schuyler. Seu pai tirou você de mim e te pôs esse sobrenome. Ele não me deu chance nem de ver você quando nasceu. Foram anos até eu conseguir ter condições para te procurar, saber quem você era. Eu não sabia como contar, então mandei a carta. Sou a Mariposa. Continuaria mandando cartas até você e eu estarmos mais preparados, se não fosse Ares metendo o nariz onde não é chamado... Graças a ele você não está acreditando em mim. - Aqui vai uma breve explicação ao leitor: quando Angelina soube quem eram os seus filhos, ela mandou cartas para tentar se aproximar deles de alguma forma, assinando-as com um pseudônimo: Mariposa Vampira. - Pense Jasper, você é inteligente. Que adulto quer um filho de graça? E se acha que eu quero o dinheiro da sua família adotiva, está errado. Sou tão rica quando você. - Talvez até mais. O crime pode dar muito dinheiro, especialmente se você faz trabalhos de elite, como os que Angelina realiza. Se ela quisesse, poderia juntar fortunas, apenas não almejava grandes quantidades de dinheiro em sua vida. - Eu sou a sua mãe... Eu não queria dizer isso aqui, mas é a verdade... Agora, vamos, ainda tenho que destruir o culto. - Angelina disse, voltando a seguir o caminho. Basicamente, eles tinham entrado em um pequeno corredor, corredor este que os dois cultistas lá atrás tentaram proteger. Se não fosse pela conversa, Angelina já teria alcançado o final. Isso não era mais um problema agora, porque Jasper ficou em silêncio. Angelina preferiu não falar mais nada também, ele precisava de tempo para pensar. Em poucos segundos, ela chegou ao final do corredor. Ele se abria numa grande câmara, talvez a maior da catacumba. Como toda a catacumba em si, as paredes daquela câmara também eram abertas em vários buracos retangulares para guardar corpos, mas eram buracos um pouco maiores e mais separados uns dos outros, dando a entender que ali eram sepultadas pessoas mais ricas, nobres da antiga sociedade daquela cidade, talvez. O que tinha de diferente naquele lugar estava rente a essas paredes, fazendo uma estranha decoração ao local. Tapeçarias estavam penduradas em algumas delas, retratando um homem acorrentando outro perto de uma pedra de várias formas. Em cima da pedra, uma águia parecia aguardar alguma coisa. Em outras tapeçarias, a águia aparecia sobrevoando o local, ainda esperando. Na câmara também haviam várias estátuas dispostas com várias representações de um mesmo homem forte e musculoso com uma expressão séria em seu rosto. Até então, Angelina não tinha entendido quem era esse homem, passou a compreender apenas quando aproximou-se de um robusto altar no centro da câmara. O altar continha várias estatuazinhas menores representando o mesmo homem forte musculoso com expressão séria no rosto… Mas uma delas ela reconheceu. Ela pegou a estátua conhecida, que retratava um homem cinzento careca com uma cara carrancuda, tendo uma faixa vermelha pintada em seu corpo, passando pelo braço, peito e cabeça, transpassando um dos olhos. No outro olho, transpassava uma cicatriz. Em suas mãos, ele empunhava duas grossas lâminas que eram acorrentadas aos seus braços. Aquela pequena estátua era uma action figure de um personagem de video-game: Kratos.

Ao ver a action figure, Angelina entendeu tudo. Ela se lembrou de uma figura mitológica não muito popular: Cratos. Cratos era um titã que aparecia principalmente nas histórias de Prometeu, sendo um dos seres que acorrentou Prometeu, a mando de Zeus, na rocha para que sofresse a punição de ter o seu fígado comido por uma águia para sempre. Era isso o que estava representado nas tapeçarias. Também havia um mito onde Zeus começou a ficar incomodado com o temperamento arrogante e prepotente de Ares, considerando Cratos para assumir o seu lugar como deus da guerra, pois o titã era a personificação da força e poder, bem como um forte executor da vontade dos deuses olimpianos. Porém, antes que Zeus colocasse o seu plano em prática, Ares descobriu e lançou Cratos no Tártaro, o aprisionando ali. As estátuas grandes presentes na câmara representavam Cratos, enquanto as menores no altar representavam tanto o deus quanto todo o tipo de personagem atual que foi inspirado nele, sendo um desses o “Kratos, o fantasma de Esparta”, mostrando como a memória do titã ainda estava viva. Era por isso que Ares estava tão irritado com aquele culto, por isso que o queria destruído, era uma clara afronta ao deus da guerra. - Cratos, uma nobre representação de força e poder. - Disse Angelina, lembrando-se do nome do morto no túmulo e também da inscrição póstuma. Eram referências ao culto que estava localizado nas catacumbas. Angelina esperou uma resposta de Jasper, mas o garoto se manteve em silêncio. Ela, então, virou-se para trás para ver como ele estava, mas nada encontrou. Os minutos em que passou descobrindo o mistério do culto também foram os minutos em que Jasper esgueirou-se e fugiu. Ele tinha ido embora.

Parte 4: Rejeição {Dia 2 - 18:36 - Mount Moriah Cemetery, Deadwood}

Parada no mesmo lugar desde que percebeu que Jasper tinha ido embora, Angelina começou a sentir as lágrimas brotarem em seus olhos. Ela tinha vindo novamente: a rejeição. Porque todas as pessoas de sua vida iam embora? A detestavam? Só faltava Thora… Talvez até sua própria irmã já não fosse mais com a cara dela, mas ainda se mantivesse por perto por pura pena. As lágrimas caíram sem ela nem precisar piscar os olhos. Ela não entendia porque tinha que terminar daquele jeito, sozinha. O tanto que ela tentou salvar as pessoas que amava não serviu para nada senão fazer com que elas a odiassem. Até quando não era culpa dela, o caso de Jasper, mesmo assim ela não era bem recebida. Que culpa tinha de Poseidon ter levado embora os bebês dela assim que nasceram? Ela nunca teve a chance de ser mãe, nem podia se considerar uma, por mais que tivesse ficado grávida e dado à luz. Jasper sequer acreditou nela! Tudo por culpa de Ares, porque ela estava indo devagar com as cartas, mas ele extrapolou seus planos. Porque? A pergunta não parava de repetir em sua cabeça. Vários sentimentos se misturaram nela: tristeza, raiva, mágoa, decepção, confusão. Ela não aguentava mais aquele mundo, aquela solidão, aquela merda. Angelina começou a apertar a action figure que segurava em uma das mãos e a atirou longe, fazendo-a se quebrar em uma das paredes da catacumba. Sem pensar, ela pegou a próxima representação de Cratos no altar e atirou novamente, e fez isso inúmeras vezes, gritando a cada pequena estátua que lançava e quebrava. Lágrimas continuavam a cair de seus olhos, a dor emanava de seu corpo enquanto ela fazia questão de quebrar tudo que visse pela frente. Angelina acabou com todas as pequenas estátuas, empurrou para longe a mesa que servia de suporte para o altar, derrubou as estátuas maiores e arrancou fora as tapeçarias das paredes, gastando longos minutos para rasgá-las por completo, transformar aqueles belos desenhos de linhas em apenas trapos rasgados e sujos no chão. Nada daquilo a satisfazia, ela queria mais destruição, ela queria gritar mais, queria berrar mais, queria chorar mais, queria explodir e surtar. Ela não aguentava mais. Angelina deixou o seu corpo cair de joelhos no chão e afundou suas mãos nele. Gritando e chorando, ela invocou o seu poder e fez o chão daquele lugar tremer, bem como suas paredes e seu teto. Poeira voou e se ainda tinha alguma coisa intacta naquele espaço, foi quebrada pelo abalo que se deu ali dentro. Ela fez um pequeno terremoto no local, algo que os filhos de Hades eram capazes. Só, então, ela finalmente desistiu. Tudo ao seu redor era destruição. Até os corpos de alguns sepultados estavam aos pedaços, com os ossos espalhados pela câmara. Angelina sentou-se no chão e chorou, sozinha ali embaixo, sequer percebendo que tinha acabado de fazer o que Ares queria: tinha destruído o cerne do culto.

Facilmente Angelina passou uma hora chorando, pensando em onde a sua vida foi parar. De ter tudo para não ter nada. E quando ela fala tudo, não estava falando de coisas materiais, mas sim daquelas que não podia comprar, como afeto, paixão, amor. Essas coisas lhe faziam uma imensa falta, lhe tiravam a vontade de continuar, de seguir vivendo. Depois que este tempo passou, ela parou para pensar no que tinha feito com aquele lugar e em como, no fim das contas, fez o que Ares tinha lhe pedido. Que bela merda. Até sem intenção ela fez a vontade de um deus, um deus que atrapalhou a sua vida, como todos faziam. Incrível como não tinha um que se salvasse. Quando conheceu Ares, ela pensou que ele poderia ser diferente, mesmo com aquele jeitão grosseiro e irreverente, mas não, ele era igual a todos os outros, apenas preocupado com si próprio. Porém, ainda faltava uma coisa para ela completar a sua missão: deixar uma marca. Ah… Ela deixaria uma marca, pode ter certeza. Angelina voltou ao corredor e encontrou os dois cultistas que tinha matado. Um após o outro, elas os arrastou até o centro da câmara onde agora jazia o cerne do culto à Cratos todo destruído. Angelina sacou a sua espada e começou a cortar os corpos deles sem piedade ou qualquer sentimento senão o todos aqueles negativos que ela já estava tendo, a tristeza, a raiva, a mágoa, o ódio. Quando terminou, ela tinha uma série de pedaços de gente para usar na sua marca. Braços, pernas, órgãos, cabeças, colunas, barrigas, pés, mãos, dedos, tripas e o que mais você conseguir pensar que faz parte de um corpo humano. Ela começou a organizar os pedaços no chão. De tempos em tempos, ela se afastava e ia para a entrada da câmara, vendo como estava ficando sua obra, então voltava para o centro e continuava a fazê-la ou ajeitava algum defeito. Ela queria que a obra fosse vista de seu melhor ângulo por aqueles que ali entrassem pelo corredor principal. Minutos depois, ela terminou. Escrito no chão, através de pedaços dos dois cultistas mortos, estava uma única palavra: Ares. Se o deus quisesse uma marca mais óbvia do que essa para simbolizar que ele quem ordenou aquele estrago… Bom, o problema era unicamente dele. Porém, Angelina não fez aquele nome no chão apenas para terminar a sua missão, ela também queria demonstrar o quanto estava irritada com Ares, cuspindo em cima daquele nome assim que o terminou. Era o seu presente para o deus da guerra por ter feito ela não conseguir ter um bom começo com o seu filho, por ter controlado o destino dela como todos os outros.

Ainda com os olhos vermelhos e marejados, Angelina fez o caminho de volta pelas catacumbas, saindo dali pelo alçapão em forma de túmulo. Quando Angelina entrou ali, estava de tarde, mas agora era a noite quem banhava o céu. Ela olhou em volta e não viu ninguém no cemitério. São poucos aqueles que se aventuram num lugar desses durante a noite. Angelina estava pouco se lixando se alguém a visse, por mais que Ares tivesse dito que ser vista não iria ser bom para o show. No fim das contas, ninguém tinha a visto saindo e nem antes, quando entrou. Cemitérios, afinal, são lugares pouco frequentados e, ainda que uma pessoa vá, usualmente está tão absorta em seu luto que não nota tanto as imediações. Ela pensou que deveria ir embora, porém, não quis. Ela caminhou pelo cemitério, encontrando um túmulo maior que conseguiu usar de banco para se sentar. Ali ela ficou, olhando para as estrelas do céu, na companhia dos mortos, porque os vivos não a queriam por perto.
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Re: Estados Unidos

Mensagem por Ivanna Klaasje Qui Ago 31, 2023 10:54 pm

XX:XX
Vários lugares

PS25
O Massacre Das Flechas
P
arte 1: O Sonho {Dia 1 - XX:XX (Madrugada) - Dentro de um sonho}

Por que Ivanna não estava conseguindo dormir? Ela não sabia. Apenas sabia que estava há horas e horas se revirando naquela cama, abrindo e fechando os olhos, tentando chegar perto de um sono que parecia ainda muitíssimo distante. Havia algo dentro dela que não estava deixando-a dormir, uma inquietação estranha como se algo fosse acontecer. E aconteceu. Uma luz. Do nada, uma luz entrou por uma das janelas abertas do chalé 6. Parece que eu não sou a única que não está conseguindo dormir hoje. Ela pensou com um certo bom humor, mas percebeu que aquela não era uma luz qualquer quando a mesma começou a piscar. Quanto mais Ivanna observava a luz piscante, mais curiosa ela ficava com aquilo, até que não aguentou mais e decidiu se levantar para investigar. Pé por pé, Ivanna andou até a porta do chalé, evitando acordar os seus meio-irmãos. Ela abriu a porta de entrada de forma delicada e colocou-se para fora através de uma fresta. Quando prestou atenção no ambiente e não na possibilidade de acordar alguém, a garota percebeu que não estava na área dos chalés do acampamento, mas sim num grande campo de flores. Por sinal, já não era mais noite, o sol batia forte naquele campo, estava de tarde. O que tá acontecendo? Ela se perguntou. Aquilo tinha que ser coisa dos deuses, estava óbvio, mas ela ainda não sabia o que tinha acontecido. Teria sido ela teletransportada em instantes? Ivanna observou o campo de flores. Era bonito, não tinha como negar. Mesmo com toda a confusão que ela estava passando, a beleza daquele jardim natural era impossível de passar despercebida, especialmente pelo contraste do vermelho das pétalas com o verde do campo. Enquanto admirava o local, Ivanna ouviu uma conhecida voz atrás de si. Ela se virou e avistou a deusa Hera. Como sempre, a deusa estava usando um vestido estilo grego fino com vários adornos ricos em seus pulsos e pescoço. Na sua cabeça, vinha uma tiara que lembrava o desenho de uma coroa de louros. A coroa de uma rainha. Suas expressões não mudaram desde a última vez que Ivanna a viu: Hera continuava soberana, altiva. As primeiras palavras da deusa surpreenderam Ivanna, porque ela disse que a garota a surpreendia, além de imaginar o que a filha de Atena deveria pensar de tantas visitas de sua parte. Ivanna pensou brevemente sobre isso, não sabendo exatamente o que sentir. Hera lhe deu algumas de suas missões mais imorais… Mas ela ainda não conseguia odiar aquela deusa. Havia algo… Algo que ela gostava em Hera, mas ela não sabia dizer o que ainda.

Aquela não era a primeira, nem segunda, nem terceira vez que um deus veio falar com Ivanna, e ela desconfiava que não seria a última. Portanto, não foi uma grande surpresa quando Hera começou a lhe explicar sobre uma pequena ilha chamada de Pollepel, um lugar sagrado para Hera devido a ter um jardim como o que elas estavam pisando naquele momento. Hera também falou sobre como a papoula era uma flor única… E foi uma das poucas vezes que Ivanna pode ver ternura na voz daquela mulher. Ela realmente gostava do jardim. Então essas são papoulas… Ivanna pensou olhando em volta. Ela não sabe reconhecer tipos de flores, nunca foi interessada pelo assunto, mas ao menos agora saberia reconhecer uma papoula se visse uma. Ela se lembrou que já tinha lido sobre papoulas em algum lugar antes, mas mesmo forçando a memória, não conseguiu lembrar-se do contexto. Hera contou que, há muito tempo, um ritual era feito naquela ilha em sua honra, ritual este que precisava da flor de papoula e que também justificava a existência daquele jardim na ilha. A deusa estava querendo uma das papoulas, caberia a Ivanna fazer o serviço. Comparado a transformar a minha tia em um pavão e fazer uma outra amante de Zeus sofrer… Não me parece ruim. Ela não resistiu a pensar nisso, mas Hera ainda não tinha dito tudo. A flor não era o bastante, também seria necessário pegar um cálice localizado no abandonado castelo que fica na ilha, pois o poder dele era muito grande. O Santo Graal dos deuses gregos? Este foi um pensamento bem humorado, mas é claro que ela jamais o mencionaria. Já pensou falar uma coisa dessas para a rainha do Olimpo? Blasfêmia e das grandes. Depois de falar o que queria, Hera afirmou que reconhecia os grandes feitos de Ivanna, algo que, por mais que fosse difícil de admitir, deu a garota uma pontada de orgulho. Porém, sua frase posterior deixou Ivanna confusa. A deusa disse que não era necessário que Ivanna se provasse a ela, mas que se provasse a si mesma. Ivanna ficou olhando para a deusa, tentando entender, e quando decidiu que iria perguntar o significado daquilo, ela sentiu seus olhos abrirem. Ivanna estava novamente no chalé 6, olhando para o teto de sua beliche. Ela tinha acabado de acordar… E tudo não tinha passado de um sonho.

Parte 2: A Papoula E O Cálice {Dia 1 - 15:45 - Ilha Pollepel}

Ivanna voltou a dormir depois do sonho. Sonhar que não consegue dormir é algo que te deixa exausto, mesmo que, em teoria, você estivesse dormindo para estar sonhando. Quando acordou pela manhã, Ivanna foi conversar com alguns filhos de Hermes para saber onde ficava a Ilha Pollepel. É incrível como eles sempre tem informações sobre onde fica um lugar. Felizmente, Pollepel não fica muito longe de Nova York, cerca de uma hora e quarenta minutos de trem, então deu tempo para Ivanna almoçar no acampamento, preparar as suas coisas e pegar uma carona com Argos até o centro de Nova York. Aquela missão não parecia ter nada de imoral, nada que a garota precisasse ou quisesse esconder, sendo assim, ela falou com Héstia sobre o sonho com Hera, conseguindo dinheiro para a passagem de trem e a carona com o segurança do acampamento. Em Nova York, dali ela pegou o trem que a levaria a uma parada bem próxima da ilha. Por ser um lugar turístico, as linhas de trem passavam bem do lado do local. Depois de pegar um barco com vários turistas, Ivanna finalmente colocou os pés na Ilha Pollepel. Era uma ilha pequena, mesmo assim, uma pessoa poderia gastar umas boas horas andando nela para revistar cada lugar… E foi assim que Ivanna começou a sua jornada de procura, simplesmente andando, observando o local. Seu primeiro objetivo era encontrar o campo de papoulas, o que ela julgava ser o mais difícil no momento, considerando que achar o castelo… Bom, era só olhar para cima, ele é grande. Cerca de uma hora depois andando pela ilha, utilizando de algumas trilhas entre as árvores e pequenas florestas, se afastando consideravelmente da área onde os turistas se concentravam mais, Ivanna encontrou o campo de papoulas. Ela até achou que poderiam proibir sua caminhada afastada, mas, ao que parecia, andar pela ilha era algo livre… Ou a segurança e logística do local eram péssimas. De toda forma, o campo de papoulas era tão bonito quanto em seu sonho… E por mais que aquilo fosse uma missão e que encontrar um monstro ali era algo favorável, Ivanna não deixou de gastar alguns minutos sentada no chão, meramente observando aquele bonito cenário e respirando um pouco de ar puro da natureza. Aquele lugar realmente merecia ser sagrado. Talvez fosse por isso que nenhum monstro a incomodou no tempo em que ficou ali, ou quando levantou-se e foi até uma das papoulas, a colhendo. Girando a flor em uma das mãos, observando suas belas pétalas vermelhas, Ivanna passou a caminhar até o castelo. Ela ainda tentava se lembrar do que já tinha lido sobre papoulas, mas nada vinha à sua cabeça. Ela já estava começando a se questionar se realmente tinha lido algo sobre essa flor ou se era apenas a missão enviesando o seu cérebro.

O caminho de volta foi bem mais rápido do que o de ida, considerando que Ivanna não precisava procurar o castelo, bastava olhar para cima e seguir as ruínas. Ela demorou cerca de uma meia hora, não poupando seus olhos para a beleza do local que, atualmente, era pouco tocado pelo homem. Quando chegou nas ruínas do castelo, Ivanna estranhou a falta de presença dos turistas. Para onde teriam ido? O horário de visitação já tinha terminado? Eles tinham sido puxados para um outro lugar da ilha por um guia? Ela não sabia, mas, de certa forma, gostou da solidão. Se algum monstro aparecesse, nenhum mortal ficaria em perigo. Ivanna chegou até a “entrada” do castelo, encontrando uma placa informativa ao lado de uma das paredes. “Castelo de Bannerman. Seu proprietário foi o francês Francis Bannerman, detentor de uma empresa de material bélico no século XX. Bannerman comprou a Ilha Pollepel para transformá-la em um depósito seguro para armamentos.”. Ela estava no lugar certo. As ruínas do castelo lembraram o Coliseu de Roma no sentido “preservado pela metade”. Parecia que apenas metade das paredes do que um dia foi o Castelo de Bannerman estava de pé. Algumas paredes, inclusive, tinham grossas barras de metal atuais, do lado de fora, para que continuassem sustentadas. Ivanna entrou no que deveria ter sido o interior do castelo e olhou para as entradas de alguns cômodos que tinham sobrevivido ao tempo. Algumas entradas continham escadas brancas feitas atualmente, pois seus acessos apenas pelas ruínas do castelo não eram mais possíveis. Também haviam alguns banners em algumas paredes que explicavam mais sobre o castelo ou sobre sua época. A garota olhou com um certo interesse, embora sua atenção estivesse mais voltada para encontrar um cálice. - Onde está o seu cálice? - Ela perguntou para a flor de papoula em suas mãos despretensiosamente, mais falando sozinha do que qualquer outra coisa. Ela não estava sentindo nenhuma energia mágica diferente para se guiar por ela, por mais que, segundo Hera, o objeto em si tivesse um poder muito grande. Porém, Hera também falou outra coisa que se tornou realidade: ela certamente saberia encontrá-lo. Foi mais fácil do que Ivanna julgou que seria, considerando que bastou ela olhar com mais atenção para uma das paredes da ruína e enxergar que uma de suas decorações era um cálice entalhado. Quer dizer, parecia entalhado, mas na verdade, era mesmo um cálice que estava ali, dentro da parede, perfeitamente alocado e pintado da mesma cor dela para parecer que fizesse parte da estrutura. Talvez, para os mortais, eles realmente enxergassem um cálice meramente entalhado, mas Ivanna sabia que não era isso. Ela começou a caminhar até a parede, mas não deu nem dois passos antes de sair, de um dos cômodos do castelo, um basilisco bem ao lado da parede… E pelo jeito que a criatura se colocou entre a parede e Ivanna, estava ali para proteger o cálice de ser retirado. É claro que tem que ter algum monstro aqui para proteger o cálice, estava fácil demais. A garota pensou, guardando a flor de papoula e preparando seu arco e flecha nas mãos.

Parte 3: O Delírio {Dia 1 - 17:54 - Ruínas do Castelo de Bannerman}

O basilisco não a assustou. Depois de ter enfrentado vários deles dentro do Pequeno Lago do acampamento, durante os desafios de Ares, enfrentar apenas um em terra firme não parecia um desafio tão grandioso. Ela se lembrou das regras básicas de enfrentar um basilisco: não toque no corpo dele, pois é venenoso, e cuidado com as bolas de fogo que elas podem disparar pela boca. E por falar numa dessas bolas de fogo, foi a primeira coisa que o basilisco tentou fazer, abriu a sua boca, mostrando o vermelho incandescente ali dentro crescer e se transformar numa bola que foi arremessada diretamente na direção da semideusa. Para o azar do basilisco, porém, Ivanna estava cada vez mais se tornando mestra no arco e flecha e depois de tanto lidar com projéteis, ela estava muito boa em desviar deles, em entender suas trajetórias precisamente. Escapar daquela bola de fogo não foi um grande trabalho, ela entendeu que o basilisco mirou bem no corpo dela, então bastou dar uma corrida para o lado. Enquanto a bola de fogo caía no chão, que por ser de pedra não chegou a inflamar, Ivanna puxou a corda do arco e disparou uma flecha contra a criatura, acertando-a na “cauda”. Ela tinha mirado na cabeça do bicho, mas bem na hora ele moveu o seu corpo, rastejando para o lado. O resultado foi que ela não acertou sua cabeça, mas acabou acertando a “cauda”, o que não fazia muita diferença, porque o monstro ainda conseguia se mover com uma agilidade considerável. Sem demorar, Ivanna preparou uma nova flecha e atirou contra o basilisco. O resultado foi o mesmo, na verdade, até pior, porque o basilisco conseguiu esquivar totalmente dessa vez, sequer sendo acertado no “rabo”. Mesmo assim, Ivanna não se abalou, porque aquilo a fez ter uma estratégia, um plano para derrotar o monstro. A luta virou uma batalha de tiros a partir de então. O basilisco tentava atirar contra Ivanna bolas de fogo, das quais ela esquivava com corridas e, ocasionalmente, alguns rolamentos quando o basilisco produzia bolas de fogo maiores. Ivanna, por sua vez, revidava com várias flechadas uma após a outra, das quais o basilisco se movia para desviar. Ela conseguiu acertar outra flecha no “rabo” do bicho, mas novamente não foi nada expressivo. Pelo menos, não em termos de dano, porque em termos de estratégia estava sendo muito bom. As flechas que Ivanna disparava tinham uma pretensão a mais do que apenas gerar um dano, elas estavam conduzindo o basilisco para o canto das paredes que ainda existiam no castelo. Como a criatura sempre desviava se movendo, rastejando para algum lado, Ivanna começou a atirar as flechas de forma a conduzir o basilisco para o lado que ela queria, o levando até o canto do castelo. No canto, o basilisco acabou ficando encurralado. - Agora você não me escapa. - Ela murmurou para si mesma enquanto preparava uma nova flecha no arco, alinhando a mesma com o seu olho, mirando bem na cabeça do basilisco que agora não teria espaço para esquivar. Porém, antes que atirasse a flecha, algo entrou na frente de sua mira… Algo que Ivanna não esperava nem em suas imaginações mais psicodélicas.

Bem à sua frente estava a sua tia, a mãe de Dominic, aquela que ela teve que transformar em pavão a mando de Hera. - Se não é a minha sobrinha desnaturada que me entregou para a pior deusa. - Disse a mulher. Em seguida, outra apareceu do lado dela. - E agora está trabalhando para ela de novo! - Aquela outra mulher era uma amante de Zeus que Ivanna teve que intimidar a mando de Hera. - Também é a garota que me matou. - Aquela voz. Ivanna arregalou os olhos, olhando para a direita, de onde ela vinha. Ali estava um garoto usando camiseta roxa e calça jeans, carregando em suas costas um machado de batalha de dupla lâmina robusto e amedrontador, pois um lado era fino e cortante, enquanto o outro parecia um martelo de carne feito para esmagar. Uma arma versátil e perigosa. Em uma de suas mãos, ele balançava uma garrafa que lembrava muito uma de bebida alcoólica, mas que Ivanna sabia muito bem que não era mais do que isso. - Lembra de mim, imunda? Quer outro shot? - Todos os pelos de Ivanna se arrepiaram e pela primeira vez naquela missão ela sentiu medo. Aquela garrafa era um vinho especial de Dionísio que somente seus filhos poderiam tomar sem sofrer danos, mas que para outros semideuses e monstros era um veneno doloroso e paralisante. Ivanna se lembrava de sentí-lo em seu corpo, porque aquele garoto tinha o usado contra ela quando os dois lutaram no templo de Ares, pois só um deles poderia sair de lá com vida. Sim, um jogo idiota e doentio do deus da guerra por um motivo super fútil, como era do feitio dele. Beber aquilo era como beber lava… E aos poucos, o corpo da pessoa fica paralisado e em dor, se tornando uma prisão de sofrimento por longas horas. A dor era tanta que Ivanna se lembrava de pensar e temer se ficaria para sempre daquele jeito, para sempre naquela dor interminável. Ela nunca mais queria ver aquela bebida outra vez em sua vida, mas estava ali, diante de seus olhos, bem como um cara que deveria estar morto. Isso a fez acordar. Não tem como eles estarem aqui, são ilusões. Ela pensou, porque essa era a única explicação lógica para o que ela estava vendo. Primeiro: a amante de Zeus era mortal, não viria fazer discursos agressivos para Ivanna. Segundo: o filho de Dionísio estava morto, ela mesma tinha o matado com várias flechadas em seu pescoço… E não foram flechadas disparadas pelo seu arco, foi apenas uma flecha que ela pegou com a própria mão e o acertou no pescoço várias vezes. Meras ilusões. Ela falou, convencendo a si mesma. Ela voltou o seu olhar para o basílico atrás das mulheres. Ele tinha acabado de disparar uma nova bola de fogo que Ivanna teve que se atirar para o lado para desviar. Por muito pouco não foi pega, tanto que parte de sua blusa ficou chamuscada. Aquelas ilusões estavam a distraindo do basilisco, a única coisa que parecia real ali. Porém, essa percepção de Ivanna estava para mudar quando ela sentiu uma dor excruciante em sua perna direita. Quando ela olhou para baixo, por segundos, a mesma estava sangrando abertamente, porque um vergão metálico dourado tinha a atingido. Ela virou a cabeça para trás e viu quem tinha feito isso: Klepa, a gárgula. Espera, mas Ivanna tinha a matado também! E aquele vergão não era qualquer vergão, era uma parte do interior do corpo de Talos, o gigante de metal que protege o Ferro Velho dos Deuses. Que porra era aquela? E não era apenas uma mera ilusão, porque a dor na perna era muito real, o sangue era real!

Se aquelas figuras familiares em frente a Ivanna não eram meras ilusões, então deveriam ser um outro tipo de monstro que pode acessar memórias e assumir a aparência de envolvidos nelas… E, pelo visto, aqueles seres tinham escolhido as missões que ela teve que passar. - Quem… São vocês? - Ivanna perguntou com dificuldade considerando a dor que estava sentindo na perna por causa do vergão dourado. - Ah… Por favor, não finja que você não nos conhece. - Falou o filho de Dionísio. Atrás das mulheres, Ivanna viu novamente o basilisco preparar uma nova bola de fogo. Seu instinto pensou primeiro em desviar, mas a dor na perna a lembrou que ela podia dizer adeus para os artifícios de esquiva, desvio ou rolamentos. Com um vergão atravessando sua coxa, era impossível. Merda. Ela pensou, ficando irritada. Filho da puta! O xingamento foi para um ser em especial que não estava naquela cena, sequer fazia parte daquela missão de alguma forma: Ares. - Quem são vocês de verdade? - Ivanna perguntou e, ao mesmo tempo, também pegou um objeto que estava guardado dentro da bolsa tiracolo que trouxe consigo para a missão. Ela tinha trago vários apetrechos… E detestou que o que a pudesse ajudar naquele momento fosse justamente um item do deus mais imprestável de todos: o deus da guerra. O basilisco atirou a sua bola de fogo, atingindo-a em cheio. Porém, nada ocorreu com Ivanna, porque ela tinha colocado ao redor de seu pescoço uma coleira deveras chamativa chamada de Coleira Corta-Fogo. Uma coleira, feita por Ares, que deixa quem a usa totalmente imune a qualquer dano por fogo. Com aquilo, Ivanna não precisaria mais se preocupar com as bolas de fogo do basilisco, ele podia atirar quantas quisesse. - Minha cara sobrinha, eu sou a mulher que você mandou para um tormento com a deusa Hera. - Disse a mãe de Dominic. - E eu sou aquela que você lançou uma flechada a mando da mesma deusa. - Disse a amante de Zeus. - Eu sou o garoto que você matou. Acho que Klepa também dispensa apresentações, você matou ela. - Klepa, a gárgula, tinha uma história também. Ivanna matou ela por pura obrigação, porque se tivesse uma forma de completar a sua missão para a deusa Atena sem precisar matá-la, ela assim o faria. Klepa foi uma nobre grega há muitos e muitos anos atrás, porém detestava o seu lugar na sociedade de Atenas. O que ela gostava de verdade era lutar, mas em Atenas as mulheres não passavam de meras subservientes dos homens. Ela roubava espadas e treinava escondida, começando também a rezar para Ares que a tirasse daquele lugar e a abençoasse. O deus da guerra a atendeu, fazendo com que os caminhos de sua vida a levassem para Esparta, onde as mulheres eram mais prestigiadas e, apesar de não serem guerreiras por si só, poderiam participar competições esportivas, algo pouco comum para a época. Lá, Klepa teve uma boa vida e ofereceu seus serviços a Ares por isso, dizendo que gostaria de lutar guerras por ele em forma de agradecimento. Ao final de sua vida, Klepa foi transformada em uma gárgula para servir Ares em suas batalhas. Ela ficou feliz com seu destino final. Ivanna a conheceu numa missão que teve que prestar para sua mãe, onde tinha que recuperar o escudo dela roubado por um filho de Ares que estava tendo como ajudante Klepa. Ivanna simpatizou com a história de Klepa e só a matou porque, naquele campo de batalha, elas foram inimigas.

Não podem ser eles de verdade. Pensou Ivanna. Não tinha como, não tinha lógica até mesmo para a mitologia grega. Mesmo assim, ela não podia ignorar a ameaça. - O que vocês querem? - Ela perguntou, recebendo uma nova bola de fogo do basilisco. Era uma experiência bem única estar envolta em chamas, mas não sofrer qualquer dano por elas. O fogo passava o seu calor, mas nada além disso. Os presentes não pareciam nem um pouco abalados com o fato de Ivanna estar sobrevivendo às bolas de fogo. Eles também estavam completamente alheios ao basilisco, o único foco deles era a filha de Atena. - O que queremos? Não é simples? - Perguntou a mãe de Dominic. - Eu diria que eu quero meter uma flecha no seu ombro e torcê-la igual você fez comigo. - A amante de Zeus falou fingindo falso pensar. - Eu quero ver você agonizando com a minha bebida, da última vez eu mal pude ver antes de morrer. Você vai morrer sentindo essa dor. - Atrás de Ivanna, Klepa rugiu em concordância. - Nós queremos vingança, imunda. Nós viemos apenas para isso. - Seria aquela alguma magia do cálice? Seria este o poder do objeto? Sua autodefesa? Trazer de volta pessoas que foram lesadas pelo indivíduo que vem com a intenção de tirar o cálice do seu lugar? Essa explicação parecia um pouco mais lógica, embora Ivanna ainda sentisse que aquelas pessoas não eram reais. Era como se ela estivesse vivendo um sonho muito real. - Você teria me matado se não fosse eu! Era a nossa missão! Só um podia sair com vida daquele templo! - Ivanna argumentou. Ela sabia que não deveria ficar falando com possíveis ilusões, mas a dor em sua perna não estava a deixando pensar direito. Se está se perguntando sobre a missão de Ares, foi o seguinte: ele sentiu que não estava sendo venerado o bastante, então colocou três pessoas dentro de um de seus templos para fazer um banho de sangue, uma guerra particular. Somente um poderia sair, os outros dois teriam que morrer. Uma dessas pessoas era um militar que acreditava em Ares, mesmo sendo mortal, e acabou sendo morto pelo filho de Dionísio. Posteriormente, Ivanna conseguiu matá-lo e pode sair do templo. De longe foi a pior missão que ela já passou e o porquê dela odiar tanto o deus da guerra. - Me poupe do seu discursinho “era nosso dever”, você foi até o templo de Ares porque quis. Porque não desafiou o deus? - Essa era uma pergunta que ela se fazia toda vez que ia para uma missão imoral. - Porque não desafiou a deusa quando ela mandou você me transformar em pavão? - Perguntou a mãe de Dominic. - Como eu posso desafiar um deus? Eles me matariam com um estalar de dedos! - Ivanna gritou em sua defesa, começando a ficar envolvida com aquilo. Outra bolo de fogo a atingiu, ela sequer percebeu quando o basilisco tinha começado a moldá-la em sua boca. - Olha como ela é fingida! - Disse a amante. - No meu caso, ela só tinha que garantir que eu não pedisse outra coisa de Hera para Zeus novamente, mas o que ela fez? Isso mesmo, ela quis me machucar! - Porque você foi a mortal mais estúpida, burra e arrogante que eu já conheci. Ivanna pensou, mas não quis responder, péssimo argumento. O filho de Dionísio soltou uma risada. - Ivanna Klaasje, toda moralista… Mas por dentro é podre. - Como eles sabiam tantos detalhes? Ela não se lembrava de ter dito seu nome para o filho de Dionísio e nem que a amante de Zeus soubesse os detalhes da missão ao qual foi envolvida. Ainda assim, Ivanna continuou envolvida com aquilo… Era impossível não ficar. - Porque vocês estão querendo vingança contra mim? Foram os deuses, eles mandaram! - A garota falou aquilo numa espécie de desabafo. Era por isso que estava tão envolvida, porque tudo o que aqueles personagens de suas missões estavam falando eram, na verdade, questionamentos que ela própria tinha, pensamentos que, por muitas vezes, a trouxeram insônia durante a noite.

- Essa é a sua desculpa? - Perguntou a mãe de Dominic olhando profundamente nos olhos de Ivanna. - Você acha que eu mereci o que você fez comigo? - A mulher perguntou. Todos os presentes estavam agressivos, mas ela era a menos agressiva. Ela quase parecia querer que Ivanna apenas pedisse desculpas. - Não valeria a pena morrer num estalar de dedos do que ir contra os seus próprios pensamentos? O que você achou que era? O que almejou ser? - Quantas vezes Ivanna já tinha pensado nisso? Se valeria mais a pena desrespeitar os deuses e acabar morrendo do que respeitar as vontades deles e, no fim das contas, ir contra tudo aquilo que um dia acreditou. Ivanna, antes de ter sua primeira missão, sempre queria uma. Ela queria ser uma heroína, queria provar-se autossuficiente para seu pai e para todos, até para si mesma. Ela queria também fazer a diferença e ser uma boa pessoa, mas a sua primeira missão foi um balde de água fria em todos aqueles sonhos, porque a primeira coisa que ela teve que fazer para um deus foi justamente transformar a sua tia, que não tinha culpa de nada, em um pavão e entregá-la para Hera. Até hoje Ivanna nunca soube o que Hera tinha feito com a mãe de Dominic, mas boa coisa não deve ter sido, dado o ódio que Hera tem por todas as amantes de seu marido. Porém, por mais que Ivanna pensasse que o correto seria entregar-se para morte e continuar com sua honra intacta, ela sempre fazia o contrário na hora do “vamos ver”. O pior? É que depois ela vivia normalmente. Viveu normalmente depois da primeira missão, viveu normalmente depois de machucar a outra amante de Zeus, viveu depois de matar o filho de Dionísio e viveu depois de matar Klepa. Aquelas missões, por mais imorais que tivessem sido, podiam até tirar o sono de Ivanna, mas não a impediam de continuar vivendo normalmente. Às vezes ela pensava que se se desprendesse do que a sociedade achava com moral, ela sequer se importaria mais com o que tinha feito. Claro, no fundo isso não passava de especulações, porque na hora do “vamos ver” Ivanna já tinha se provado inúmeras vezes que era uma pessoa que mudava de ideia. Ivanna estava para responder sua tia, dizer que ela, de fato, não merecia o que aconteceu com ela, mas algo puxou a sua atenção. Os seus reflexos estavam alerta, ainda mais com tanta gente ameaçando vingar-se de Ivanna ao redor dela, de forma que ela percebeu quando o basilisco começou a avançar em sua direção para dar um bote, não querendo mais atirar bolas de fogo que a criatura enfim percebeu estarem sendo completamente infrutíferas. - Merda. - Ela falou puxando a corda do arco e lançando três flechas, uma após a outra, na direção do basilisco. Ela não conseguia desviar, sua única alternativa eram as flechas. As duas primeiras ela errou, não era exatamente fácil mirar quando se está aguentando uma dor, mas a terceira flecha ela acertou bem no olho do bicho, que começou a silvar e andar sem rumo, aturdido pela flecha que atingiu o seu campo de visão. Aquilo a daria um pouco de tempo para lidar com os fantasmas de suas missões. - Porque você ainda continua fazendo o que os deuses mandam, Ivanna? - A mãe de Dominic perguntou antes que Ivanna pudesse falar qualquer coisa para ela. - Porque continuar matando por eles? - O filho de Dionísio perguntou. - Porque continuar quase morrendo por eles? - A amante de Zeus também fez sua pergunta. Ivanna percebeu que, aos poucos, eles estavam se aproximando dela, a encurralando. - Talvez você precise se lembrar um pouco de como é quase morrer, já que o vergão não foi o bastante. - Ivanna olhou de relance para o vergão. O sangue tinha pintado toda a sua perna. Ela não gostava daquela memória, uma missão para Hefesto que ela só sobreviveu porque o deus veio ajudá-la.

As coisas aconteceram rapidamente a partir de então. Ivanna sentiu algo agarrar o seu corpo por trás e ela percebeu que se tratava de Klepa. A gárgula era forte e com uma perna machucada, ficaria difícil se desvencilhar do aperto que ela estava dando em sua cintura. A mãe de Dominic veio em seguida, forçando que ela soltasse o seu arco e flecha, que caiu no chão, em seguida segurando ambas as mãos dela para que não as usasse. - Abre a boca Ivanna. - O filho de Dionísio falou a sua frente, abrindo a tampa de sua garrafa. Não. Não. Ela repetiu em sua mente, o medo invadindo o seu corpo. Ela manteve a boca fechada, tentando afastar o rosto o máximo possível das investidas que o filho de Dionísio fazia com a sua garrafa. - Não seja teimosa, imunda. Você merece isso pelo que fez com a gente, por ser quem é. - Ivanna continuou a resistir. - Eu sei uma forma de fazer ela abrir a boca. - Disse a amante de Zeus, Ivanna direcionou o seu olhar para ela e percebeu que ela estava segurando uma das flechas que a semideusa tinha errado, tendo pego-a do chão. - Acho que eu vou ser a primeira a me vingar, neste caso. - Ela se aproximou de Ivanna e cravou a flecha no ombro da garota. Ela entendeu o plano da outra nesse momento, queria forçar que Ivanna abrisse a boca para gritar. Ela tentou resistir o máximo que pode, mas a mulher começou a torcer a flecha, fazendo a ferida doer cada vez mais até um ponto em que Ivanna não aguentou mais e precisou abrir a boca. O seu grito sequer saiu, porque o filho de Dionísio enfiou o bico da garrafa na boca dela, obrigando-a a beber o líquido que estava ali dentro. Ivanna tentou tossir o máximo para fora, mas boa parte tinha entrado, ela não iria escapar de seus efeitos que já estavam começando a agir, ela sentia aquele líquido descer por sua gargante e corroer tudo em seu caminho, começando pelo seu esôfago. Em breve, aquele líquido iria começar a se espalhar por todo o corpo dela, fazer ele por inteiro doer como se estivesse sendo queimado por dentro, como se tivessem injetado ácido em suas veias. Ela tinha pouco tempo para resolver toda aquela situação, ou morreria. Morreria ou para os que vieram se vingar dela ou para o basilisco, que ainda estava ali, apesar de continuar incomodado com a flechada no olho. - Já tá começando a lembrar como é quase morrer? - O semideus perguntou segurando o queixo dela. - Eu posso lembrar como foi. - Dizia a mãe de Dominic próxima ao ouvido de Ivanna. - Porque não olha de novo para a sua perna? - Ela não queria olhar, não queria lembrar. - Olhe! - Ela ordenou e Ivanna sentiu algo forçar a sua cabeça para baixo. Uma das asas de Klepa. Ivanna fechou os olhos. - Abre os olhos dela pra mim. - A mulher ordenou e Ivanna sentiu dedos perto de suas pálpebras, as forçando abrir. Aos poucos, ela começou a enxergar a sua perna, observando-a por mais segundos do que gostaria, observando por segundos o suficiente para que ela se lembrasse de como aquela visão era assustadora. Um vergão na coxa não é um ferimento qualquer, é grave, o sangue é abundante, você pensa que vai morrer na mesma hora porque é demais, é muito feio. Ivanna se lembrou de sua missão para Hefesto, quando teve que enfrentar o gigante Talos, entrando dentro dele e sendo acertada por um grosso vergão ali acidentalmente. Ela pensou que morreria ali dentro. Se não fosse por Hefesto tê-la resgatado, talvez ela tivesse mesmo morrido naquele Ferro Velho, morrido de hemorragia. - Mas você não vai morrer assim. - Ela ouviu a voz do filho de Dionísio. A essa altura, Ivanna estava com lágrimas nos olhos. - Você vai morrer pelo meu presente. - O “presente” já estava agindo. Já estava doendo, mas era só o começo, ficaria pior, muito pior. Seriam horas… Horas… Muitas horas de dor… Muitas horas… Horas demais… Ela não queria tanta dor… Não de novo… Ela começou a hiperventilar, a ansiedade do que estava por vir a consumindo. Ela não queria aquela dor. Ela começou a chorar abertamente.

- Sabe de quem é a culpa por você estar aqui? - Perguntou a mãe de Dominic. - É culpa da mesma deusa que acha a sua força admirável. A mesma deusa que você consegue nutrir um pouco de simpatia mesmo depois do que ela já te fez passar: Hera. - A amante de Zeus respondeu. Aquilo tudo estava sendo demais, aquele enfrentamento, todas as questões, a sua perna machucada, a bebida de Dionísio se espalhando pelo seu corpo, seu corpo estar sendo segurado, aquelas pessoas falando incessantemente em seus ouvidos… - Porque você continua? - O filho de Dionísio perguntou dando um tapa no rosto dela. Sem muitas forças, Ivanna sequer o levantou depois disso. - Você quer mesmo ver o final dessa linha? - Tudo era sobre essa pergunta. Por debaixo de todos aqueles questionamentos morais, de tanta dor física e mental, de tantas coisas imorais que teve que fazer, no fim das contas, a pergunta era essa. Ela queria ver onde tudo isso ia dar, mesmo que não tivesse escolha? Mesmo que ainda tivesse que continuar fazendo aquelas missões para os deuses? Mesmo que tivesse que ir contra algo que almejou? Ser boa ou ser má? Ser moral ou ser imoral? O que Ivanna era de verdade? Ela ainda não sabia, mas sabia a resposta para a pergunta que o filho de Dionísio fez. Seja qual fosse a resposta, algo que ela gostasse ou não gostasse, ela queria chegar ao final daquela linha. Ivanna não sabia se os deuses, no fim das contas, estavam certos, se eles eram mesmo os justos, se eles sabiam tudo o que estavam fazendo… Mas de verdade? Isso não importava tanto assim. A jornada de Ivanna não era sobre eles, era sobre autoconhecimento. Um dia ela descobriria se era boa ou má, se fazia as coisas do jeito certo ou do jeito errado, descobriria quem era ela e qual era o seu destino… Um dia ela chegaria ao final da linha… E era por isso que não iria se deixar morrer ali, era por isso que não iria desistir, era por isso que sempre iria continuar por mais difíceis que as coisas fossem. Ivanna levantou o seu rosto. Em seu campo de visão estava o filho de Dionísio a sua frente, a mãe de Dominic um pouco ao lado segurando seus pulsos e a amante de Zeus logo atrás. Kepla estava em suas costas. O basilisco estava mais a frente e parecia ter acabado de se recuperar da flecha no olho, se acostumando. Agora, o monstro estava furioso e mirando o olho bom sobressalente na direção de Ivanna, ele iria vir com tudo na direção dela. Ela tinha pouco tempo, muito pouco tempo para resolver tudo aquilo. Em segundos, Ivanna analisou a situação e formulou alguns golpes em sua mente, os executando de uma vez. Primeiro, ela moveu a sua coxa para cima como se fosse dar uma joelhada no ar, mas na verdade ela estava mirando o vergão na direção da mãe de Dominic, que foi atingida e perfurada na cintura. Obviamente, aquilo fez a perna de Ivanna doer e ela gritou junto da mulher, mas foi o necessário para que ela soltasse suas mãos. Com as mãos livres, Ivanna deu um soco na cara do filho de Dionísio, fazendo ele se afastar um pouco atordoado. A amante de Zeus veio em seguida com outra flecha nas mãos, Ivanna fez seu corpo pesar para um lado, fazendo Klepa se desequilibrar, momento em que a garota usou todas as suas forças para girar seu corpo e fazer Klepa de escudo humano (seria escudo monstro, neste caso?). A gárgula levou a flechada da amante de Zeus e, pela dor, acabou soltando Ivanna, que rapidamente atirou-se no chão na direção de seu arco e flecha, pegando-o e o empunhando contra o basilisco, que vinha na direção dela com a boca aberta, prestes a dar o seu bote. Era o momento perfeito, o monstro estava tão veloz que não iria conseguir desviar a tempo de uma flechada. Ivanna mirou no centro da boca da criatura e disparou a flecha, acertando-a. Ao sentir o impacto, o basilisco arqueou sua cabeça para cima e soltou novos silvos de dor, explodindo em pó dourado logo em seguida.

Os problemas de Ivanna, contudo, ainda não tinham terminado. A amante de Zeus veio com tudo na direção dela com uma flecha em mãos. A garota não exitou em disparar novas flechas, acertando duas no peito da mulher. Ela olhou para baixo e viu o sangue começando a pintar a sua camisa, então caiu de bruços no chão, o que apenas ajudou as flechas a entrarem mais em seu corpo. Ela morreu por causa disso. Klepa veio logo em seguida, dando um rasante em Ivanna e conseguindo arranhar os ombros da garota. A dor foi muito forte, especialmente porque Ivanna já estava sofrendo da dor da bebida do filho de Dionísio. Qualquer ferimento a mais seria uma penitência. Ainda assim, regada pela adrenalina e por sua força de vontade, Ivanna ergueu o arco e começou a atirar flechas para o alto. Ela errou tantas que nem soube dizer quantas foram, o chão ficou coberto com flechas caídas, mas mesmo as flechas erradas ajudaram, porque atrapalhou o voo de Klepa. A gárgula resolveu tentar um novo rasante, mas não calculou bem, atrapalhada como estava, dando chances para Ivanna acertar duas flechas em cada uma de suas asas. A gárgula despencou e caiu no chão. Sem nem pensar duas vezes, Ivanna aproveitou isso e mirou um tiro certeiro na cabeça da gárgula enquanto ela tentava se recuperar da queda. Ela morreu, explodindo em pó dourado. Sim, ela era um monstro hoje em dia, apesar de no passado ter sido uma pessoa. O próximo foi o filho de Dionísio, que tirou o machado de suas costas e usou a parte do martelo, fazendo um golpe de baixo para cima que acertou a barriga de Ivanna, a fez levantar alguns centímetros do chão e a jogar para longe. Tudo tinha sido muito rápido, enquanto Ivanna estava dando o tiro final em Klepa, o filho de Dionísio já estava com o seu ataque encaminhado, não tendo como ela sequer ter tempo de desviar. A dor em sua barriga foi tanta que ela sentiu que não conseguia mais puxar o ar, quando suas costas bateram no chão ela sentiu como se seu mundo estivesse rodando de tanta dor no corpo. Por um breve instante, Ivanna pensou em desistir, em deixar-se ser morta, mas foi um pensamento breve, porque ela não queria isso. Ela não queria passar por tudo o que passou para simplesmente morrer ali. Ela forçou seus sentidos a se recuperarem e levantou pelo menos o tronco, ficando sentada. Ela percebeu que o seu arco tinha voado para bem longe dela. O filho de Dionísio estava bem à sua frente e usou a parte laminada de seu machado para erguer o queixo de Ivanna, fazendo-a olhar mais para cima ainda, olhar para o rosto dele. - É tudo o que você tem? - Ele perguntou, dando um sorriso de desdém. - Achei que você era mais. Você é mais, não é? - O sorriso dele se tornou mais malicioso. - Me mostre toda essa sua força. Ficará apenas entre nós, não é? Porque, como no templo de Ares, só um de nós vai sair com vida desse lugar. - Porque ele estava dizendo aquelas coisas? O semideus tirou o machado do queixo dela, deixando-o cair com um filete de sangue de um pequeno corte feito ali no processo. Então, ergueu a arma. Ele estava prestes a dar o seu golpe final. Era agora ou nunca. No fundo, você está sempre se segurando, não está? Ela pensou como se estivesse falando consigo mesma. Sim, ela estava sempre se segurando, sempre querendo ser correta e boa. Ela queria ser um exemplo… Talvez esse não fosse o seu destino. Antes que o filho de Dionísio conseguisse descer o seu machado, Ivanna pegou uma das flechas que ela errou antes do chão e fincou na perna dele. O garoto ajoelhou-se na mesma hora, cancelando o seu golpe para utilizar o machado para se apoiar, de forma que não caísse completamente no chão.

Ivanna não perdeu tempo, pegou duas novas flechas do chão e fincou na barriga do semideus, fazendo ele se curvar para frente. Ela pegou mais flechas, dessa vez fincando-as em cada peito, como se estivesse almejando furar cada um dos pulmões dele. O garoto ainda estava vivo, mas a essa altura já tinha caído no chão de barriga para cima e não iria durar muito tempo. Mesmo assim, Ivanna pegou outra flecha, abriu a boca dele e enfiou-a ali. O corpo dele estava tendo espasmos com tantos órgãos atingidos. Ele ainda estava vivo. Ela não tinha atingido nenhum lugar que faria uma morte rápida. Ivanna pegou mais duas outras flechas e se arrastou para ficar de frente para a cabeça do garoto, com ele conseguindo olhar para ela como se ela estivesse de ponta cabeça. - Nunca mais volte para me atormentar. - Ela disse, então desceu as duas flechas no rosto do filho de Dionísio, ambas atravessando cada um de seus olhos e perfurando o seu cérebro em seguida. Agora sim, ele tinha morrido. Só que ainda não tinha acabado, faltava uma: a mãe de Dominic. Com dificuldade, Ivanna demorou longos cinco minutos só para conseguir se levantar. O efeito da bebida estava se espalhando, começando a fazer o seu corpo ficar dormente e lento. Muito em breve ela ficaria completamente paralisada. Mesmo assim, ela conseguiu se levantar com uma flecha na mão e andar lentamente na direção de onde estava a mãe de Dominic, conseguindo alcançá-la. A mulher estava deitada no chão com as mãos pressionando a ferida que o vergão tinha feito em sua cintura. Um buraco muito feio que conseguiu furar alguns órgãos, ela iria morrer de hemorragia… Bem como talvez a própria Ivanna morreria, afinal, a sua perna também não estava em melhores situações, embora o sangue fosse demorar mais para sair por completo porque o vergão ainda estava enfiado ali. Para piorar, ela ainda estava numa ilha. Não ia dar tempo de enviá-la para um hospital ou coisa parecida, mesmo que ajuda viesse. Porém, ela não queria pensar nisso agora, seus pensamentos estavam voltados para a mãe de Dominic com respiração pesada, se agarrando ao que ainda tinha de vida. Ivanna olhou para ela sem pena ou empatia. - Você matou todos eles. - Ela falou. - Foi culpa sua. - Ela continuou. De fato, todos estavam mortos, com exceção dela. Nem mesmo o basilisco, que não tinha qualquer coisa a ver com as missões que ela passou no passado, sobreviveu para contar alguma história. - Você é muito forte, muito poderosa. Essas coisas sempre têm consequências. O poder… Corrompe. - Ivanna não estava sentindo nada com tais palavras. - E toda vez que você acionar isso dentro de você, você será perigosa. - Ela ainda não estava sentindo nada. - Você sabe do que eu estou falando. - Um flash rápido, uma visão, passou na mente de Ivanna. Pessoas correndo, gritando, desesperadas, fugindo de alguma coisa. Ela não sabia o que era a visão, mas podia entender do que a mulher falava. O poder corrompe. Não seria a primeira vez que Ivanna deixaria o seu poder levá-la. Deixou uma vez, com a amante de Zeus, ao qual ela perfurou com a flecha mesmo não tendo necessidade de machucá-la na missão. Foi uma escolha. - Você nunca vai ter paz… Enquanto não lidar com isso. - Apesar de tudo, Ivanna ainda não estava sentindo nada. De verdade, ela só queria fazer uma coisa, e foi o que ela fez: enterrou a flecha que estava na sua mão na testa da mãe de Dominic, matando-a de vez. Pronto, agora estavam todos mortos. Eles ganharam o que vieram buscar. Vingança? Pois resolveram se vingar da pessoa errada… Ivanna estava farta de tentar seguir regras.

Foi percebendo que todas as ameaças tinham morrido que a adrenalina de Ivanna baixou e todos os efeitos da bebida do filho de Dionísio a atingiram em cheio. A dor se tornou tão forte que foi impossível ficar em pé, Ivanna deitou-se no chão, a perna direita de lado por causa do vergão. Seu corpo todo doía, mas os lugares que continham machucados doíam ainda mais. Deitada, seu corpo ficou ainda mais dormente até ficar completamente paralisado. As lágrimas de pura dor caiam de seus olhos que podiam apenas piscar. Ela não tinha como soltar qualquer grito porque seu corpo não mais a respondia. Seus movimentos estavam completamente cancelados. A dor não parava, parecendo que o seu corpo estava sofrendo uma espécie de combustão por dentro. Ela já sabia como era isso. Ela se lembrava. Vou ficar para sempre assim? Ela pensou. O pensamento foi o mesmo que ela teve no templo de Ares. Racionalmente, ela sabia que não iria ficar, aquilo iria passar como da primeira vez, mas emocionalmente era difícil pensar que iria conseguir sair daquela, que conseguiria viver para ver o seu corpo ficar sem dores outra vez. Surpreendentemente, porém, não estava tão ruim quanto da primeira vez. Ainda era assustador e aterrador ficar como uma boneca inanimada, jogada no chão com o corpo queimando internamente de forma intermitente, mas, de certa forma, Ivanna estava um pouco vazia depois de realizar tantas mortes. Era como se a dor fosse apenas uma consequência disso, uma penitência que ela estava conformada em receber. Um karma. Ela não se arrependia de ter matado eles. Não mesmo. Essa sensação era boa, a sensação de liberdade da moralidade, de não se importar se, em teoria, ela fez uma coisa errada. Não se importar, não se culpar, não se sentir mal por ter matado a sua própria tia era ótimo, na verdade. Era como se um peso tivesse sido removido de suas costas, e o prazer de ter esse peso retirado era o que estava trazendo acalento para a dor que ela estava sofrendo naquele momento. A dor daquela bebida poderia ser o seu karma, mas o sabor bom de não sentir culpa, de, por aquele momento, não se importar com quaisquer julgamentos de terceiros ou da sociedade, fazia valer a pena. Valia a pena passar por todo aquele karma, por mais sofrido que fosse fisicamente. A dor permaneceu por horas, como ela já esperava, e tão forte foi que, mesmo não sendo tão ruim quanto da primeira vez, ainda assim ela desmaiou de exaustão.

Parte 4: A Realidade {Dia 1 - 18:52 - Ruínas do Castelo de Bannerman}

Quando Ivanna abriu os olhos, toda a dor tinha passado. Suas últimas memórias não eram o que tinha acabado de viver com aqueles que matado, mas sim o sonho que teve durante o seu apagão. Ela sonhou com várias pessoas correndo, fugindo e gritando de flechas que voavam em várias direções. Algumas flechas erravam, outras conseguiam acertar as pessoas que tentavam fugir por suas vidas. Ninguém conseguia escapar, no fim das contas, porque eram flechas demais. O sonho ficou vivido em sua cabeça por alguns segundos até que as memórias reais mais recentes voltassem a cobrir sua cabeça. Ela se lembrou das mortes que fez. Começou a pensar em como explicaria aquilo para Dominic e para Daryl. Ivanna levantou suas mãos e olhou para elas. Estavam com alguns respingos de sangue, mas virtualmente deveriam estar completamente sujas de vermelho. Como ela tinha sido capaz de matar a mãe de Dominic daquele jeito? Podia ter tentado salvá-la. Como também ela tinha sido capaz de enterrar todas aquelas flechas no filho de Dionísio, mesmo sabendo que elas iriam causar nele uma morte mais lenta e dolorosa? Ela não se arrependia, ela sentia que tinha sido errado e cruel, mas não conseguia se arrepender. Aos poucos, Ivanna foi levantando o seu tronco. Sentia dor de cabeça, mas apenas isso. Comparado a toda dor física e emocional que tinha sentido horas atrás, uma dorzinha de cabeça não era nada que ela não pudesse aguentar. A surpresa, porém, veio quando ela olhou para a sua perna. Não tinha nenhum vergão cravado ali, não tinha sequer uma perfuração, apenas alguns respingos de sangue que não pareciam em nada com um padrão de machucado por perfuração. Ela rapidamente levou uma das mãos aos ombros e notou que não haviam arranhões de gárgula. Também percebeu que não sentiu nenhuma dor ao mexer o ombro, ou seja, não tinha uma perfuração de flecha ali. O corpo dela e suas roupas estavam todas sujas de respingos de sangue, mas ela não tinha um ferimento sequer. Nada. Seu corpo estava perfeito. Nem sequer um cortezinho ela sentia. Aquilo estava muito errado… Foi quando ela olhou em volta, tentando encontrar uma resposta lógica para aquilo, e viu uma cena que a deixou deveras chocada. Ela estava envolta de várias pessoas mortas.

Atônita, Ivanna levantou-se para ter uma visão melhor. Eram várias pessoas mortas: homens, mulheres, crianças. Todas mortas por flechas. O sonho passou em sua memória como um flash, mas dessa vez tinha cenas a mais. Ela viu as pessoas correndo, gritando, tentando salvar suas vidas das flechas que estavam sendo disparadas… Por ela. Tinha até um basilisco naquele meio de pessoas, mas elas não conseguiam ver o monstro, elas eram mortais. O monstro, inclusive, até morreu rápido com uma flecha atirada em sua boca quando tentou dar um bote, sobrando ainda várias pessoas no local, que também iam recebendo flechadas uma após a outra. - Que merda é essa? - Ivanna perguntou, sentindo-se confusa. Ela começou a andar em meio aos mortos, indo até o local onde ela se lembrava ter ficado o corpo da mãe de Dominic. O corpo não estava lá, no lugar estava o corpo de uma mulher aleatória acertada por uma flecha bem no meio da testa. Aquilo não fazia sentido. Ivanna procurou Klepa e pela amante de Zeus, também encontrando no lugar de seus corpos apenas corpos aleatórios de pessoas mortas. Mais flashs passaram em sua cabeça. Ela viu pessoas que tinham se escondido, inicialmente, dentro dos cômodos do castelo. Elas tentaram sair depois, mas Ivanna ainda estava disparando um mundo de flechas. Várias não acertavam nada, caindo no chão que ficou lotado delas, mas, no fim das contas, ninguém sobrevivia, mesmo tendo tentado antes se esconder. Ela buscou pelo filho de Dionísio… Mas parou de andar assim que percebeu o quanto procurar por ele era completamente estupido e sem sentido. Ela já tinha o matado antes, no templo de Ares… E ninguém volta à vida. Tudo bem, existem algumas histórias mitológicas de pessoas voltando à vida, mas não era aquele o caso, porque não fazia sentido, nada fazia sentido. Agora, parando para pensar, não fazia sentido a mãe de Dominic estar ali, ou a amante de Zeus, ou Klepa. Todos se reunirem ali, naquela ilha, não fazia sentido, ainda mais porque Ivanna estava indo ali para pegar uma flor e um cálice. Ela tinha recebido essa missão naquele mesmo dia e só contou para Héstia! Ainda que os vivos dessa história, ou seja, as mulheres que ficaram com Zeus, quisessem ir atrás de Ivanna e se vingar de alguma forma, não tinha como elas saberem onde a garota estava. Não tem como eles estarem aqui, são ilusões. Meras ilusões. Ela lembrou-se de ter pensado isso assim que viu aqueles que tinham estado em suas missões passadas. Sim, eles eram mesmo ilusões! A realidade começou a bater nela… - Não. - Ela negou, mas começou a entender tudo. - Não. - Seus olhos se encheram de lágrimas. - Não. Não. - Suas pernas ficaram bambas, ela caiu de joelhos. Ela tinha matado todas aquelas pessoas em sua luta falsa.

Nem tudo tinha sido falso. O basilisco não foi falso. Porém, desde que ela tinha chegado ao Castelo de Bannerman, ela já estava presa na ilusão, naquele delírio. Quando chegou ao local, a primeira coisa que ela estranhou foi a ausência dos turistas. Eles estavam ali o tempo todo, apenas ela que não os estava vendo… E quando mais ela fazia lógica de tudo aquilo, mais flashs de memória ela tinha, confirmando tudo o que estava pensando. Um flash passou em sua memória mostrando como ela tinha chegado ali e haviam várias pessoas também. As pessoas que ela tinha matado eram mortais, os turistas da ilha. Quando o basilisco apareceu, as pessoas começaram a correr. Claro que os mortais não estavam vendo uma cobra grande que cospe fogo, mas estavam vendo outra coisa certamente perigosa. Ivanna começou a atirar suas flechas contra a criatura, mas logo depois começou a ver os fantasmas de seu passado, vivendo a sua confusão mental, seus questionamentos, o porquê de continuar seguindo os deuses e tudo o que ela se lembrava com muita clareza daquela falsa luta. Durante toda aquela luta, tanto com os “fantasmas” quanto com o basilisco (embora ele fosse verdadeiro), ela tinha disparado inúmeras flechas. Chegou em um ponto que os mortais estavam com mais medo dela do que daquilo que estavam vendo no lugar do basilisco. Alguns tentaram fugir, outros tentaram se esconder primeiro, mas Ivanna acabava os atingindo. Ela conseguia, agora, relacionar que várias vezes que atacou algum “fantasma” era o lugar onde um turista jazia morto. A realidade estava ali, nua e crua diante de seus olhos. Era por isso que no seu corpo não haviam ferimentos, o vergão não era de verdade, Klepa não era de verdade, a amante de Zeus não era de verdade, o filho de Dionísio também não era de verdade, tão pouco a sua bebida horrível e dolorosa. Mesmo assim, o delírio foi tão real que Ivanna ainda conseguia se lembrar perfeitamente da dor. Podia ter sido tudo mentira, algo apenas de sua mente, mas naquele momento, foi real para ela. Ela viveu aquilo. Ela sentiu aquilo. Sentiu as dores… E sentiu o que era matar todos eles. Porque seu corpo estava com respingos de sangue? Eram dos mortais que ela matou, não dela. Ela tinha feito um massacre sem sequer saber que o estava fazendo. Ela matou várias pessoas inocentes em uma pequena janela de tempo. O choque foi tanto que ela passou longos minutos parada, observando tudo o que tinha acontecido… Até uma memória vir em sua mente, uma memória muito sútil, porém também muito esclarecedora. Ivanna pegou a flor de papoula que tinha guardado. Ela estava ali, intacta. Sequer foi amassada… Até porque toda aquela luta, rolamentos, sofrimento, foi tudo mentira. O máximo que Ivanna teve que realmente se desviar foi de algumas bolas de fogo do basilisco… E depois de ter colocado a coleira de Ares, elas pouco importavam. Ivanna girou a flor em seus dedos, a memória sútil invadindo ainda mais a sua cabeça. Ela finalmente se lembrou do que tinha lido sobre as papoulas. Elas eram a origem do ópio. Uma droga. Aquela papoula não era normal… Desde que Ivanna tinha a colhido, ela já estava começando a, gradativamente, sofrer os efeitos dela. Foi a flor que fez ela ter delírios, não o cálice. Ele poderia ser poderoso, mas não fez nada com Ivanna. - Porque você não me avisou? - Ivanna perguntou. Ela estava dirigindo a sua pergunta para Hera. A porra de merda do jardim era de Hera. Ela sabia. - PORQUE VOCÊ NÃO ME AVISOU, SUA VADIA DESGRAÇADA? SUA PUTA! FILHA DA PUTA! VAGABUNDA! - Ironicamente, Ivanna sabia a resposta, Hera tinha dito: não preciso que me prove, preciso que se prove. Ivanna tinha mesmo se provado: ela era capaz de tudo.

Parte 5: O Futuro {Dia 11 - 12:21 - Refeitório do Acampamento Meio-Sangue}

Já faziam dez dias desde que Ivanna tinha retornado da missão de Hera. Se deseja saber, ela cumpriu a missão. Ela saiu da Ilha Pollepel com a papoula e também com o cálice, ao qual ela retirou sem problemas da parede em ruínas do Castelo de Bannerman. Quando voltou ao Acampamento Meio-Sangue naquele mesmo dia, Ivanna foi até as portas do chalé de Hera, abriu-as e atirou a papoula e o cálice ali dentro sem o mínimo cuidado. Foda-se se Hera fosse se sentir afrontada com isso. Por Ivanna, Hera poderia era se ferrar com seus descontentamentos. Sabe o que ela deveria fazer? Se tocar! Literalmente! Quem sabe assim ela tinha um pouco de prazer na vida e deixava Ivanna em paz (Ivanna sentiu-se estranha em ter esse tipo de pensamento, mas o teve e não o reprimiu). Nos dias que se passaram, ela foi aos poucos voltando a frequentar as atividades do acampamento, embora estivesse mais calada e introspectiva do que o normal. Ela podia ter vivido um delírio, mas não conseguia parar de pensar que aquele delírio poderia muito bem ter sido verdadeiro. Foi verdadeiro para ela. Ela tinha escolhido matar seus “fantasmas” da forma que matou. O pior foi saber que, eventualmente, a notícia chegaria ao acampamento. Para o mundo a notícia chegou no dia seguinte. Familiares foram em busca de seus parentes que não tinham voltado do que deveria ser um agradável passeio turístico na Ilha Pollepel. A polícia foi enviada ao local depois de 24 horas do desaparecimento daquelas pessoas e pronto, foram encontrados os vários corpos flechados. Manchetes começaram a sair nos jornais e na televisão, o caso foi logo nomeado como “Massacre das Flechas”. Nos dias seguintes, investigações começaram a serem feitas. Através das câmeras de vigilância da ilha, descobriram que havia apenas uma desaparecida que ainda não tinha sido identificada dentre os mortos: uma garota por volta de seus 15 anos. Era Ivanna. A névoa disfarçou o arco e flecha por algum motivo, muito provavelmente por ele ser mágico, de forma que não atribuíram a culpa do massacre a ela. Outra coisa que tinha sido efeito da névoa foi que, justo na hora que o basilisco apareceu, a gravação foi corrompida. Não havia qualquer gravação dela atirando as flechas. Ainda assim, Ivanna se tornou um rosto popular nos jornais, sendo considerada a chave para resolver o mistério do massacre. Enquanto Ivanna ficasse no acampamento, ela estaria a salvo dos mortais. Aquele caso, como tantos outros, por mais sanguinários que possam ser, eventualmente tornaria-se esquecidos pelas autoridades. O problema estava dentro do acampamento. No décimo dia, a notícia chegou ali. Você deve lembrar que dentro do acampamento não existem eletrônicos ou televisão, as notícias do mundo lá fora chegam se alguma alma trás um jornal por acaso. Pois bem, trouxeram no décimo dia e a história de Ivanna na primeira página (sua foto estava ali, captada pela câmera de vigilância), atrelada ao massacre, foi se espalhando. Não iria demorar para chegar em Daryl e em Héstia. Em breve, eles saberiam o que ela fez. Os mortais poderiam não saber, mas eles saberiam. Eles saberiam que ela era a autora do Massacre das Flechas. Depois de tantas missões imortais que Ivanna havia conseguido esconder, aquela seria impossível.
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Re: Estados Unidos

Mensagem por Harry Kohl Black Qui Ago 31, 2023 11:27 pm

Unholy
O avental liso sobrepunha de forma exata as vestimentas sociais de Harry, amarrado na altura da cintura com um laço firme e tão bem feito que poderiam dizer se tratar de um profissional da cozinha. A mente e o olhar do garoto estavam tão focados no fogão em sua frente quanto suas mãos ao manusearem de forma minuciosa cada ingrediente que era depositado dentro de uma panela de uma última geração, mexendo-os com uma colher de silicone para se tornarem uma substância homogenia e sem deixar com que queimasse no fundo no final do processo. Os lábios levemente rosados do semideus foram tomados por um sorriso simplório, mas de muita satisfação ao notar o primeiro passo da receita ser realizada com êxito, suspirando aliviado logo após desligar o fogo. — Esse molho é bom mesmo. — Murmurou para si quando o maravilhoso aroma adentrava calmamente em suas narinas. Tudo havia dado perfeitamente certo até aquele momento, entretanto, entre uma piscadela e outra, o jovem Black via-se com a mão destra depositada diretamente sobre uma das bocas acesas do fogão. Sentia a pele formigar de uma forma incômoda e constante, e por mais que tentasse não conseguia se afastar das chamas que ardiam vividamente sob os dedos, quase como se estivesse paralisado por alguma força exterior. E havia descoberto em uma das aulas que realmente seria possível que algo assim acontecesse, afinal, o mundo divino era agraciado com habilidades incríveis e perigosas. Uma agonia se instalou tanto na mente quanto no corpo de Harry que começara a se mexer de forma desesperada numa falha tentativa de se livrar do fogo e da sensação de ardência, mas quanto mais força colocava nas próprias ações, mais sentia-se preso. Os olhos do filho de Poseidon começaram a se arregalar ao mesmo tempo que um grito de pânico saía por entre os lábios para deixar claro o quão agoniante a cena estava sendo para si. A mão não ardia tanto quanto deveria arder em um caso de queimadura tão direta como parecia ser, mas apenas o fato de estar preso numa situação desconhecida seria suficiente para que o pânico se instaurasse pelos pensamentos do garoto. Para piorar a situação, as outras bocas do fogão desataram a se acender de um só vez com uma explosão grande o suficiente para queimar qualquer pessoa desavisada no recinto e a área de explosão fora se aproximando de forma lenta e torturante em direção ao rosto de Harry que sentia as retinas doerem tanto com a claridade quanto com o vapor que antecedia as chamas. Os próximos segundos estariam nos planos da imaginação, já que o jovem Black acordara em um pulo ao mesmo tempo que as pálpebras se esticaram de forma forçada e exagerada, dando-lhe a sensação de que estaria em perigo devido ao sonho estranho. A caixa torácica se expandia com uma velocidade anormal logo após de retornar ao tamanho normal, deixando claro a respiração descompassada do filho de Poseidon que fazia um esforço para controlar o próprio corpo.


Não poderia acreditar que tivera um sonho tão bizarro e aleatório como aquele, esperaria algo mais elaborado ou uma declaração poética de algum Deus como convocação para alguma missão especial e perigosa. Mas não. Apenas havia se explodido enquanto fazia um molho esquisito. Mas algo ainda o incomodava constantemente e sem que soubesse o porquê. Harry se ajeitou sobre a cama para que pudesse dar uma olhada decente na mão direita sobre a luz para ter uma melhor visibilidade e descobrir o motivo de estar formigando como se estivesse recebendo uma chuva de fritura sem parar. — Mas que porra é essa? — O timbre baixo da voz de Harry não fazia jus ao seu completo pânico e atordoamento ao dar de cara com a aparência apodrecia, como se estivesse morto há tempos e esquecido desse grande detalhe. O primeiro ato do filho de Poseidon fora mexer todos os dedos para que pudesse confirmar que ainda mantinha os movimentos mesmo diante do aspecto de podridão. E logo após observou a mão esquerda detalhe por detalhe para se certificar de que apenas a destra estivesse contaminada ou seja lá que nome daria para aquilo. Mas antes de se dar conta da importante presença no local, a voz retumbante e poderosa se mostrou presente com uma frase impactante aos ouvidos do garoto. Uma maldição de morte? Não era exatamente esse tipo de presente que gostaria de ganhar de um Deus. Tanto a pele quanto o olhar do homem exalavam uma aura fria e incontestável que contrastavam de forma exímia com o manto assustador das incontáveis almas que iam e vinham sobre a superfície do pano, e Harry quase poderia ouvir a própria voz proferir uma piada sobre a última moda de Paris. Mas possuía a intuição de que não seria muito bem recebida pelo Deus pouco humorado em sua frente. Tinha quase a certeza de se tratar do Deus do Submundo, Hades. Tanto o modo como se vestia quanto o clima exagerado de enterro presente no chalé o sugestionava a ter essa opinião, e as seguintes frases cheias de absurdo e ditas com a simplicidade de um Deus cruel confirmava quase que de imediato o achismo. — E o que seria essa coisa tão especial? — Murmurou sem muita empolgação e com uma curiosidade limitada. O Black quase deixara um sorriso de desdém tomar conta dos lábios ao ouvir o objetivo da missão, mas apenas franziu o cenho para que não fosse morto antes mesmo de procurar a donzela perdida. — Hã, mas imagino que eu não tenha nada de especial a convença de voltar pra casa. — Admitiu sem hesitar, e talvez estivesse falando em um tom normal demais para quem negociava com Hades, mas esse era um dos defeitos de Black. Não o trataria de uma forma especial apenas por ter tido a sorte de nascer como um ser poderoso. Não demorou para que o Deus explicasse como a devolução forçada da esposa seria feita e o olhar do semideus retornou para a mão necrosada apenas para vê-la com um brilho diferente do que enxergara há alguns minutos. — Habilidade, huh? Que divertido. — O sorriso finalmente fora libertado e tomou os lábios do garoto antes de perceber a ausência mágica de Hades. As pálpebras voltaram a se esticar com os olhos arregalados. — HEY! EU PRECISO DE TRANSPORTE! — Gritou a plenos pulmões como se fosse fazer diferença para alguém que possuía onipresença. Mas tudo o que recebera de resposta se resumiria em alguns resmungos sonolentos para calar a boca e um travesseiro arremessado certeiramente sobre a lateral de sua cabeça.


Entre resmungos de um senhor de oitenta anos amargurado, Harry fora se preparar para o que poderia ser as últimas horas de sua vida caso não encontrasse a Deusa perdida nas tentações mundanas. Era quase poético uma Deusa tão poderosa precisar dar um perdido para satisfazer seus desejos com meros mortais, algo que a maioria fazia sem qualquer pudor ou hesitação. E sem mais delongas, o garoto vestira seu uniforme padrão do acampamento com o adicional único e solitário de uma lança posicionada e amarrada confortavelmente nas costas, e por último e não menos importante, o semideus destinava cinco minutos para tentar ajeitar os fios rebeldes do cabelo. Não poderia aparecer desajeitado na presença de uma divindade, certo? E fora com esse pensamento que o filho de Poseidon se pôs para fora do chalé, dando início a alguns raciocínios para buscar um meio de se transportar durante a missão de busca, e o fato de não haver um local específico para se estar dificultava ainda mais as chances de sucesso do semideus. Entretanto, antes de fazer uma tentativa desesperada para arrumar algum motorista e utilizar de um dos veículos oficiais do acampamento, as orbes de Harry focaram-se com incredibilidade no que seria a ajuda especial de Hades. Uma motocicleta da marca MORTE estava estacionada na lateral da parede do chalé e os faróis acesos em direção ao Black parecia confirmar que, de fato, se tratava do transporte pedido. As sobrancelhas do semideus se ergueram quase de forma imediata e suas expressões alternavam entre a curiosidade, medo e animação quanto mais perto chegava do veículo. — Muito obrigado. — Proferiu ao olhar para o chão, esperando que Hades recebesse o recado. Harry ergueu-se sobre a moto que parecia se adaptar perfeitamente com seu peso e altura, dando-o um equilíbrio quase tão suave quanto o de uma simplória bicicleta e mesmo sem muitas experiências na direção daquele tipo de automóvel, não demoraria mais de dez minutos até descobrir a pilotagem segura e eficiente antes de partir oficialmente para a aventura em busca da esposa infiel. E assim que as duas rodas entraram em contato com o asfalto após deixar a floresta para trás, o filho de Poseidon dera início ao seu planejamento para que não ficasse perdido diante de tantas possibilidades. Começaria com a suposição de que o orgulho e a facilidade de estar perto de um acampamento meio-sangue faria com que a Deusa não fosse tão longe, esperando que seus gostos para homens e/ou mulheres se resumissem a seres poderosos o suficiente para lembrarem minimamente os Deuses de uma forma geral. Então, talvez, Perséfone poderia estar escondida em algum Motel não muito longe da estrada principal, algo mais isolado e fácil de praticar uma fuga rápida. Com uma meta formada, Harry acelerou em direção de onde seria o primeiro alvo da estrada, e apesar de não esperar um sucesso logo de cara, seria importante para conquistar alguma informação. O Motel parecia uma estalagem dos anos noventa, sem quaisquer sinais de reforma ou conforto, não deveria ser um local muito visitado e requerido pela população próxima, imaginou.


Assim que o semideus estacionou a moto sobre a calçada em frente à entrada do estabelecimento, uma senhora que parecia mancar mais que o Capitão Gancho saía de dentro da escuridão com uma animação engraçada para receber o que imaginava ser um cliente. Mas o olhar alegre se esvaiu no mesmo segundo que a senhora percebeu os traços de Harry que entregavam a verdadeira idade do garoto, sem ao menos precisar trocar palavras para afirmar tal informação. — Garoto, você é muito novo pra isso! Saia, vá! — Proferiu e gesticulou com as mãos para que Harry fosse embora. Mas o semideus apenas dera uma risada, mantendo-se firme na frente da idosa que o olhava com um desdém ainda maior. Algo o dizia que ela teria dado umas boas palmadas caso o Black fosse seu filho, podia sentir o desprezo nas expressões dela por qualquer ato de rebelde. Padrões de pessoas mais velhas. — Não se preocupe, só preciso de uma informação. A senhora teria visto uma mulher estranha passando por aqui? Como se ela estivesse fugindo ou tivesse uma energia diferente? — Indagou sem saber exatamente o que dizer. Não era fácil descrever Deuses para seres humanos convencionais. — Meu filho, você está drogado? Eu digo que as crianças de hoje estão perdidas! Essa espelunca parece receber clientes?! — O timbre da mulher saía de uma incompreensão para grosseria em pouquíssimos segundos, e os gestos de suas mãos ficavam cada vez mais perigosos e próximos. Agradeceu por não haver uma bengala nas mãos da senhora.  Harry desatou a escapar das quase agressões e voltar para a estrada novamente sobre a moto que apelidou carinhosamente de Shelby, desviando com certa insegurança de alguns carros que atrapalhavam sua passagem. Não gostaria de demorar mais do que era necessário em qualquer momento daquela missão, pois sentia a ardência aumentar conforme as manchas necrosadas fossem avançando sobre a pele do semideus. Por mais que não fosse uma dor insuportável ou que limitasse minimamente seus movimentos, Harry preferia evitar um risco maior e de quase morto ao final do dia. Gostava de manter as situações controladas, mesmo que fosse um completo louco em certas decisões tomadas, mas era uma loucura dentro do espero. E fora entre devaneios e alguns deslizes com a moto que o semideus chegara no próximo Motel da estrada. O local parecia bem mais limpo e apresentável que o anterior, possuía um letreiro chamativo, algumas vagas preenchidas por veículos no estacionamento ao lado do estabelecimento, paredes que pareciam muito bem pintadas e o principal: nenhum velho agressivo na entrada. Harry caminhou calmamente até a recepção e observava alguns detalhes do lugar de soslaio para que não chamasse muita atenção. — Opa, boa noite. Gostaria de uma informação, por favor. — Murmurou baixo e com um sorriso simpático nos lábios. O homem que deveria ser o atendente do local observou o semideus com um olhar demorado de avaliação, indo dos sapatos até os filhos desgrenhados do cabelo e ao final, apenas dera de ombros. — Farei o que puder. — Diferentemente da idosa do Motel anterior, o homem não dava a mínima importância para a idade do Black e isso o fez dar uma risada baixa antes de prosseguir com as informações. — Saberia me dizer se alguma mulher estranha passou por aqui? Agindo diferente ou coisa parecida. — Indagou com um pouco de apreensão ao sentir um dos dedos pinicar pela ardência. O homem semicerrou os olhos quase como se quisesse entender como um garoto tão novo e inexperiente havia se colocado em uma situação tão estranha a ponto de procurar por alguém de Motel em Motel. — Difícil é não ter gente estranha aqui, garoto. Você teria que ser mais específico. — E não poderia culpá-lo, imaginava a quantidade de coisas estranhas e situações bizarras que o homem já não tinha passado ao atender em um lugar tão sugestivo. Deixou o peso do corpo pender para o outro lado enquanto pensava em como explicar para o homem o que queria exatamente, mordiscando o lábio inferior e se lembrando do momento que percebeu Hades apoiado sobre as paredes do chalé. As auras. — Você viu alguma mulher que não conseguia tirar os olhos dela? Que por mais que tentasse, era simplesmente impossível desviar sua atenção? Como se ela brilhasse tanto quanto uma estrela. — Quanto mais as palavras saíam por entre os lábios de Harry mais achava que o homem iria expulsá-lo da mesma maneira que a velha fizera, e tinha quase a certeza que dessa vez não escaparia de uma tentativa de agressão. Mas a expressão serena e de nostalgia perpassou por todo o rosto do homem que abria um sorriso de orelha a orelha. — Ah, sim... Ontem mais cedo uma mulher fantástica passou por aqui, seus cabelos pareciam seda, tinham o mesmo cheiro da fazenda que eu morava quando mais novo. Seu sorriso foi o mais bonito que eu já vi! Inclusive, ela me perguntou se eu não gostaria de participar de uma festinha particular, mas eu precisava trabalhar... — Um suspiro de tristeza se esvaiu da boca do homem que voltava a se perder nos próprios pensamentos e o Black fora obrigado a estalar os dedos à frente de seus olhos para que acordasse. — Ok, acho que falamos da mesma pessoa. E ela mencionou onde seria essa festinha? — Harry indagou sentindo o coração acelerar com as informações. — Ela disse algo sobre estar num acampamento, com muitas casas e um lugar para plantar o que a gente quisesse. Acho que eu tenho o endereço, só um minuto. — O homem retirou o papel de trás do balcão com um endereço escrito por uma caneta amarela brilhante antes de guardar novamente no bolso, dando um olhar de desconfiança para Harry. — Mas essa é minha única garantia de que vou vê-la novamente. Não posso te entregar. — Murmurou com uma voz ríspida. A mente do semideus procurava uma solução pacífica para que pegasse o papel de forma rápida e segura, mas a ardência aumentando sobre a pele de sua mão gritava para que fizesse qualquer coisa, mas que fizesse logo. E sem qualquer sinal de hesitação, Harry retirava a lança das costas e em um movimento rápido utilizava da base da haste para acertar a testa do rapaz que parecia muito surpreso para reagir com rapidez, caindo sobre o balcão com um baque seco. — Perdão, amigo. — Disse o garoto com sinceridade antes de pegar o papel no bolso de sua vítima estatelada. Mas já tinha um destino.


Dessa vez não havia qualquer resquício de insegurança na mente de Harry que apenas acelerava sem pudor algum na estrada, desviando de carros e caminhões como se sua vida dependesse disso. E dependia. O garoto não tinha a menor ideia de quanto tempo teria até a maldição tomar conta de seu corpo inteiro, e não gostaria de espiar até onde ela havia se espalhado. A ansiedade poderia atrapalhar suas decisões na missão e estaria morto sem ao menos perceber. Os minutos se tornaram longos e demorados até o momento da chegada do semideus em um portão meio escondido pela densidade dos matos e plantas que se espalhavam por quilômetros, ou pelo menos era isso que parecia. O tal acampamento ficava na beira da estrada e num fim do mundo que Harry nunca pensaria ir se não fosse para salvar a própria vida. Utilizou da ponta da lança para forçar uma entrada no local e seu queixo quase caíra ao notar o terreno enorme que se mostrava após o muro natural. E se tratava de um acampamento, mas ao invés de várias cabanas espalhadas, havia casas muito bem construídas uma ao lado da outra tal qual cabanas de caça que moradores do interior possuíam. Harry escondera as mãos com luvas que carregava nos bolsos do casaco, já que sua mente trabalhava num plano. Um pouco absurdo, mas era o que tinha no momento. E com a lança novamente nas costas, o filho de Poseidon avançou sobre os corredores que as cabanas formavam, dando algumas olhadas sobre as mesmas antes de tentar qualquer outra coisa. Não dava pra saber em qual das casas a Deusa poderia estar e isso se tornava cada vez mais perigoso, algo o dizia que tocar a pele de Perséfone não seria tão fácil quanto Hades fez parecer. Mas as coisas não se resolveriam sozinhas, então Harry finalmente decidiria bater de porta em porta até que achasse o casal fugitivo, e estaria pronto para utilizar de sua lança caso houvesse alguma força sobrenatural impedindo o encontro. E o garoto poderia até estar certo em sua desconfiança, mas nada o prepararia para os movimentos seguintes. Assim que o semideus tentou pisar sobre as escadas que dava acesso a porta da frente da casa, seu corpo fora projetado para frente e se estatelou no chão tal qual o homem do Motel há alguns minutos atrás, e a imagem da cabana tremeluziu com força antes de se desfazer e dar lugar a uma árvore enorme e com muitos cipós em sua volta. — Fodeu. — Conseguiu expressar após notar que as outras cabanas tiveram o mesmo destino, e tudo que pôde fazer foi colocar-se de pé e retirar a lança das costas para evitar alguns dos ataques dos cipós que se movimentavam feito cobras. Uma gargalhada alta e de puro divertimento podia ser escutada a alguns metros daquela bagunça. — Venha, semideus. Participe de nossa brincadeirinha... Se for capaz de sobreviver, é claro. — A risada retornara ainda mais alta e entre alguns outros sons que Harry não tivera tempo de desvendar. O filho de Poseidon contava apenas com os próprios reflexos e a habilidade certeira de corte da lança para que esquivasse dos ataques das árvores ao seu redor, sendo acertado vez ou outra por chicotadas que fazia cada centímetro de seu corpo arder de dor em um nível muito mais superior que a maldição de Hades. Entre rolamentos e desviadas, Harry conseguia ganhar alguns metros para frente, ganhando terreno aos poucos e buscando se afastar das árvores com a atenção dobrada em todas as direções, apesar de seu corpo já estar completamente machucado e com muitos arranhões. O arfar do semideus era a consequência de uma série de movimentos incessantes que realizava em um período de tempo tão curto, mas faria o que for preciso para sobreviver e não se importava com o que sentiria ao final do dia. Os cipós dançavam de um lado para o outro como se estivessem brincando com o semideus que fazia o possível para evitar danos maiores, e entre plantas decepadas e chicoteadas poderosas sobre as costas, o jovem Black parecia ter conseguido se afastar do perigo das árvores raivosas. Assim que um suspiro de alívio se libertava por entre os lábios os lábios cortados de Harry, um último e maior cipó se prendia ao tornozelo esquerdo do semideus e o puxava com tamanha força que podia sentir algum osso da região se deslocar em uma dor explosiva. Mas sua reação fora tão rápida quanto o golpe surpresa, deslizando a ponta da lança com rapidez para cortar a planta como se fosse a coisa mais repugnante da história. E antes que pudesse suspirar novamente, se afastou o suficiente para que não fosse surpreendido mais uma vez. Se lembraria de nunca criar plantas novamente na vida.


Harry se colocava de pé com dificuldade tanto por seu tornozelo que ainda o causava uma dor impressionante quanto pelas pancadas e arranhões que os diversos cipós causaram ao seu corpo, e havia um arranhão em específico na região do antebraço esquerdo que parecia arder com mais violência que os outros. Assim que conseguira dar alguns passos sem precisar cambalear, o semideus se direcionou para uma árvore extremamente longa tanto na altura quanto na largura de seu tronco. — Não é possível... — O garoto murmurou em um timbre quase inaudível ao notar uma mulher amarrada por uma corrente no meio do tronco da árvore, tendo tanto os braços quanto as pernas imobilizadas pelo objeto metálico que era protegido por um cadeado. E Perséfone, pelo menos esperava que fosse, estaria muito bem amparada por um homem enorme, seus ombros eram largos e era muitos centímetros maior que Harry. — Quais as chances de lidarmos com isso numa boa? — Indagou o garoto com um sorriso falso, alternando o olhar da Deusa para seu guarda que julgava se tratar de algum semideus perdido do acampamento. Ou simplesmente um ser humano muito do bombado. — Você acha que me entregarei facilmente, semideus? Persuadi nosso grande amigo aí a matar qualquer um que se aproximasse. Boa sorte. — Harry ainda não saberia o que o irritava mais, se era a voz debochada de Perséfone ou os olhos brilhantes e fora de si do homem que se colocava a frente como quem fosse atropelar qualquer à vista. O Black não demorou para colocar sua guarda de pé mais uma vez, e mesmo sem quaisquer condições físicas para manter uma luta justa insistiria em levar a batalha da maneira mais segura e limpa que pudesse. Teria que colocar em prática todo o treinamento que tivera em prática, esperando o primeiro movimento alheio que não demorou a vir em uma investida com o próprio corpo. Como o peso do próprio corpo estava todo sobre a perna direita, o semideus apenas havia uma opção de esquiva: um rolamento para o flanco esquerdo do inimigo. E assim o fizera. Com uma dose de dor explosiva e um ranger de dentes, Harry girou o corpo com ambos os pés bem plantados no chão para que o movimento fosse o mais rápido que conseguiria, utilizando do alcance da lança para desferir um golpe tanto com a parte afiada quanto com a haste sobre as pernas do brutamontes que demorava alguns segundos a mais para se virar. O golpe atingiu ambas as pernas do homem com firmeza e um corte se abriu sobre a pele de sua destra, fazendo-o cair com um rugir de dor. Mas seu atordoamento não durou por muito mais tempo e Harry via o segurança de Perséfone se levantar como um touro enraivecido e com um brilho ainda mais potente nos olhos, e seus movimentos se tornaram mais velozes do que o garoto havia previsto. Então, sem se dar conta, o Black fora atingido com uma braçada na região do tórax e o impacto tinha sido forte o suficiente para o fazer perder o ar por alguns longos segundos e deslocar o ombro esquerdo, mas também não teria tempo para se lamentar da falta de oxigênio e de mais uma dor. O homem não havia parado de atacar. Um poderoso chute fora aplicado com Harry ainda no chão, mas seu movimento de defesa tanto com a mão quanto com a haste da lança serviu para que a força fosse amortecida e seu corpo deslizasse por poucos metros. O filho de Poseidon havia se desligado totalmente do exterior e sua mente tratou o homem como se fosse um monstro em busca de sua cabeça, e de certa forma era bem parecido, mas com esse pensamento enclausurado em seu subconsciente, Harry não mediu o próprio movimento ao erguer a lança e a arremessar de forma não tão precisa devido as dores e ferimentos. Poderia ter matado o homem facilmente, mas a lança fincou sobre o ombro como um arpão potente, fazendo-o cair com uma dor e um sangramento de dar inveja. Com um rápido controle de respiração e sentindo o peito queimar tanto por conta do golpe do brutamontes quanto pela maldição que parecia se espalhar com rapidez se levantava com dificuldade, indo em direção ao homem que se mostrava ainda ativo, mas sem muitas forças. Harry retirava a lança de seu ombro antes de realizar o mesmo movimento que fizera em outrora no Motel, apagando o adversário com a base da haste em um golpe certeiro na testa.


Harry aparentava ter sido atropelado por um trem-bala várias e várias vezes, mancava, sangrava e gemia de dor a cada movimento que realizava ao dar passos em direção à Perséfone. — Por favor, me diz que eu não preciso de uma chave... — Disse ao se apoiar sobre a lança enquanto observava a Deusa com um sorriso divertido no rosto. Algo o dizia que aquilo não passava de uma diversão para a divindade, e se caso ela decidisse praticar seus poderes de uma maneira mais realista, Harry viraria adubo para uma plantação de trigo. — Muito bem, criança. Fique à vontade, pode me tocar. Mas só porque você conseguiu me entreter. — Harry retirou a luva das mãos e quase dera uma risada ao lembrar do plano inicial. Tentaria de alguma forma se aproximar de Perséfone como se quisesse participar das “brincadeirinhas” e a tocaria no melhor momento com a mão necrosada. Mas a surpresa fora tanta que havia até esquecido no que pensaria antes de enfrentar as árvores. — Agradeço. — Murmurou cansado, direcionando os dedos direitos para o rosto da Deusa e a tocando com certa insegurança. Mas assim que realizou o movimento, seu corpo pareceu ser teletransportado pelas sombras de uma só vez. Antes que a maldição fosse completamente retirada, Harry caminhou até o homem que permanecia no chão ensanguentado e o tocou com as mesmas partes da mão amaldiçoada, torcendo para que fosse enviado para o mesmo lugar que a Deusa e pudesse ser curado. Ou talvez só estaria o enviando para alguma tortura nas mãos de Hades. Não se importava tanto quanto deveria com as opções, apenas esperava conseguir voltar para o próprio acampamento de forma segura e bem lenta em sua moto. Algo o dizia que as dores iriam piorar muito mais nas próximas horas.

 




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Re: Estados Unidos

Mensagem por Marissa Seymour Dom Out 08, 2023 10:58 pm

A Fonte Submersa
Desde a infância, eu sempre fui atraída pelo mar. Estar perto dele, assistir o quebrar de suas ondas, ouvi-lo, senti-lo... Era como se o próprio mar fosse parte de mim, uma extensão de quem eu sou. Meu tio costumava até se preocupar com o ímpeto, que frequentemente me invadia, de correr ao encontro das águas e deixar as ondas brincarem comigo quando ainda era muito pequena. Ele tinha medo que eu me afogasse, que o mar me levasse para longe, mas isso nunca aconteceu. Eu sempre passava horas na praia, atrás de mariscos. Observava o vai e vem das marés, caminhava pela areia com meus pés descalços, sentindo a água salgada acariciar minha pele. Era como se o mar fosse meu maior confidente, além de meu primo Jay. Por vezes, eu tinha impressão de ouvi-lo sussurrar para mim, como se me chamasse, ou como se quisesse me contar algum segredo. Mas já não acontecia há muito tempo... Desde o dia em que precisei deixar o brejo. E certamente nunca aconteceu como na fatídica tarde que eu guardarei para sempre na lembrança.

Estávamos no fim de uma caçada, eu e minhas irmãs, perto da costa. Tínhamos acabado de vencer mais uma batalha quando eu o ouvi. Não foi um sussurro. Foi um chamado. Um chamado que fez meu coração disparar e uma sensação indescritível tomar conta de mim. Era como se o mar, meu antigo amigo silencioso, que hoje eu sei ser mais que isso, tivesse reencontrado sua voz e estivesse me chamando de volta. E eu precisava ir. Cada passo que eu dava em direção à praia era como um eco das minhas lembranças de infância, de quando eu corria livremente na areia após pegar uma quantidade suficiente de mariscos para ajudar meu tio e cumprir minhas responsabilidades. Aos poucos, o som das ondas foi se tornando mais alto, conforme eu me aproximava, como se elas estivessem entoando uma melodia só para mim. O cheiro da água salgada logo chegou às minhas narinas, e eu senti a brisa do oceano começar a acariciar meu rosto, me fazendo sorrir. Eu estava sendo chamada de volta às águas que sempre foram parte de mim, e sabia que não poderia ignorar tal chamado, nem queria ignorá-lo. E foi com o sorriso no rosto e o coração cheio de determinação que eu continuei a seguir a voz que chamava, tão familiar, mas ao mesmo tempo pouco conhecida, pronta para encontrar o que quer que estivesse à minha espera na praia.

Logo a vastidão da areia se estendeu diante de mim, e assim que meus pés pisaram sobre ela, a visão da praia foi capaz de tirar meu fôlego. Já fazia um tempo, desde o dia em que entrei na Caçada, que eu não ia mais à praia todos os dias, afinal, passávamos, por vezes, longos períodos longe do acampamento. E por mais que, como na ocasião, passássemos por regiões costeiras, nem sempre era possível tirar um tempinho para ir até a praia. O sol já começava a se pôr no horizonte, tingindo o céu com tons de laranja e dourado, lançando reflexos brilhantes sobre as águas, calmas naquele momento. A brisa bagunçou meus cabelos, me saudando em minha chegada. A sensação de estar indo ao encontro de algo grandioso se intensificou, e diante do oceano, conforme meus pés afundavam levemente na areia macia enquanto eu avançava, algo mágico aconteceu. Meu olhar logo recaiu sobre uma figura, em pé, à beira-mar, à minha espera. Os raios alaranjados do pôr do sol pintavam sua silhueta, seus cabelos esvoaçavam suavemente com a brisa marinha, como os meus. Eu imediatamente soube quem era. Meu coração acelerou, e meu profundo respeito por ele se transformou em uma emoção indescritível. Eu esperava por aquele momento desde o dia em que descobri ser uma semideusa, e desde a minha reclamação. O encontro com meu pai... O encontro com Poseidon. A emoção quase chegou a transbordar, brilhando lágrimas em meus olhos. Muitos o descreviam como uma divindade temível, vingativa, mas eu não vi qualquer traço disso nele naquele momento. Parecia tão calmo quanto as águas ao seu redor. Quando me aproximei, seus olhos, que refletiam os tons do oceano, encontraram os meus, e então ele disse meu nome, com uma voz que era como o eco das ondas, suave e profunda ao mesmo tempo. Eu senti toda a minha pele se arrepiar, e respondendo aos meus anseios e à emoção que me invadia naquele instante tão especial, eu me abaixei para encostar um dos joelhos no chão, em reverência a ele, e levar uma das mãos, fechada em punho, ao coração. Não foi como um gesto de submissão, mas uma demonstração de respeito e gratidão "Pai...". Não sei dizer com certeza se minha voz saiu alta o suficiente para ser ouvida, ou se foi como um sussurro. Era a primeira vez que eu o via pessoalmente, mas depois de saber minha verdadeira natureza, eu entendi que ele nunca esteve ausente. Eu, meu tio e Jay dependíamos diretamente do mar para sobreviver, e nunca nos faltou o que precisávamos. Eu sentia a presença dele constantemente enquanto estava na praia. Se hoje eu estou viva, é graças aos cuidados de meu tio, mas também graças a meu pai, mesmo aquele sendo o primeiro encontro que eu, de fato, tinha com ele pessoalmente. E eu nunca deixarei de ser grata por isso.

Ouvir meu pai falando diretamente comigo foi uma experiência indescritível. Saber que ele reconhecia minha devoção e respeito aqueceu meu coração como o sol poente lá no horizonte do oceano. Minha força e capacidade... Estas eu ainda estou tentando encontrar, embora Hefesto, Ártemis, e naquele momento o próprio Poseidon estivesse falando dela para mim. Por vezes, eu ainda me sinto a garotinha pequena e vulnerável do brejo. Eu estava me levantando no momento em que ele citou o lugar onde nasci. Vinha contendo o sorriso largo que queria permanecer em meu rosto, procurando manter uma expressão neutra e respeitosa, sem demonstrar demais. Queria que ele soubesse do meu respeito, mas a minha alegria em encontrá-lo, aquela eu podia guardar para mim mesma. Não queria que ele me visse como uma garota deslumbrada. Até porque, o que ele tinha a me dizer era muito sério, e eu reconheci isso rapidamente, percebendo o pesar de sua voz. Uma aldeia costeira estava enfrentando a seca, e os habitantes sofrendo pela falta de água. Foi impossível não acabar me lembrando das dificuldades que, por vezes, os moradores de Barkley Cove, a cidadezinha ao lado do brejo, passavam. Eles viviam reclamando que as colheitas eram infrutíferas, e diversas vezes eu presenciei alguns deles sondando meu tio, perguntando como eram as coisas para nós. Ele nunca respondia. Suas respostas normalmente eram elaboradas em formato de outra pergunta, porque ele sabia que o interesse não era em nosso bem estar. Eu demorei a entender que na verdade o que eles queriam era saber se onde morávamos as coisas eram melhores, na intenção de que, se fosse o caso, pudessem reclamar como deles o que conseguíamos. Mas a colheita, no brejo, sempre foi difícil. Vivíamos dos frutos do mar, da pesca. E felizmente, para nós, a água nunca faltou, porque sabíamos respeitar e cuidar muito bem de toda a natureza que nos cercava. Meu pai continuou, dizendo que o segredo para ajudar a aldeia estava em uma nascente mágica escondida, adormecida sob a terra seca. Aqueceu meu coração, outra vez, ouvi-lo afirmar em alto e bom som que eu era sua filha, e por isso saberia muito bem ajudar aquelas pessoas. Cheguei a, nesse momento, permitir que o sorriso se estampasse em meu rosto.

Eu quis segui-lo quando ele começou a se afastar até ficar coberto pelas ondas do mar e não ser mais possível ver sua figura. Mas as últimas palavras dele me fizeram ficar paralisada, e de qualquer forma, eu soube que não poderia ir atrás dele. Dentro de mim, eu sei que todos os nossos encontros serão breves, isso se eu encontrá-lo de novo. O Rio Roanoke... Foi este o nome que me paralisou. Era a pista, dada por Poseidon, para que eu encontrasse a aldeia enfrentando a seca. E se o lugar ficava às beiras daquele rio, então... Era muito perto do brejo onde cresci. Eu teria a chance de, ao menos por algumas horas, voltar ao brejo, ao meu brejo? Eu fiquei extasiada. Acho que pouquíssimas vezes antes fui tomada por uma emoção tão grande. Depois dele desaparecer nas águas, deixei que as lágrimas de felicidade escorressem, e sussurrei para a brisa, caminhando até sentir o mar na altura dos meus joelhos. "Eu irei, pai... Encontrarei a fonte, ajudarei as pessoas. Pode contar comigo". Respirei fundo, sentindo o cheiro salgado "O senhor pode sempre contar comigo". Levei as duas mãos ao mar, formei uma concha com elas e lavei meu rosto com a água.

O Rio Roanoke:

A Senhora Ártemis compreendeu que eu precisava atender ao chamado de meu pai. Ela, que conhece tão bem a natureza e os laços que nos conectam a ela, viu o destino traçado nas estrelas e entendeu que minha jornada, naquela missão, era muito importante. Estávamos na costa leste, e dali a caçada seguiria até o acampamento. Talvez uma nova irmã estivesse prestes a fazer seu juramento. Pude seguir com elas durante aquela noite até a Carolina do Norte, mas daí em diante, elas seguiram seu caminho, e eu fiquei, para cumprir minha missão e encontrar a nascente.

O Rio Roanoke era a chave para minha busca. Uma pista, foi o que disse meu pai. Eu poderia tentar encontrá-lo seguindo pelas cidades e vilas, perguntando às pessoas, mas… Por que, se me guiar pela natureza foi o que sempre fiz, desde que me conheço por gente? Meus olhos eram acostumados à noite, eu conhecia as vegetações comuns à beira de rio, os sons, os cheiros… E além do mais, tratava-se do rio tão familiar para mim, que fazia parte do meu lar, no brejo. Eu seria perfeitamente capaz de encontrá-lo sem precisar perguntar a alguém, somente seguindo meus instintos… E meu coração. Era como estar indo para casa.

Cada passo que eu dava, embrenhando-me pela mata, gerava um murmúrio suave na folhagem. A familiaridade do cheiro da terra úmida indicava uma chuva recente. Meus olhos se ajustavam lentamente à escuridão da madrugada. Os sons da noite eram uma sinfonia confortável ao meu redor. Muitos costumam falar sobre o silêncio da noite, mas a verdade é que, na natureza, ela não é tão silenciosa assim. Grilos cantavam em coro, suas melodias intercaladas com o farfalhar das folhas e o ocasional piar de uma coruja. No alto das árvores, os galhos rangiam suavemente com a brisa, criando um cenário sonoro repleto de vida. E em meio àqueles sons, eu sabia exatamente quais deveriam chamar minha atenção e deixar-me mais atenta. A floresta sussurrava segredos ao meu redor. O coaxar dos sapos, por exemplo, sempre indica proximidade com a água. E eu comecei a procurar mais sinais de atividade animal, lembrando-me das tantas técnicas de rastreamento já ensinadas por meu tio conforme eu e Jay crescíamos.

Infelizmente, minha visão não era tão aguçada quanto a de uma coruja, e a falta de luz da lua, quanto mais densa se tornava a vegetação, tornava difícil discernir alguns detalhes da floresta. Porém, eu sabia que quanto mais densa ela se tornasse, mais eu estava no caminho certo. Continuei caminhando até me deparar, em uma clareira, com auxílio, enfim, da luz da lua, com pegadas frescas de veado na terra molhada. Estudei com atenção as impressões no solo, felizmente a chuva recente facilitava a visualização. A pegada ainda estava nítida, indicando que o animal não estava longe, e fazia pouco tempo que passara por ali. Pelo padrão, ele não saíra correndo de algum predador, eram passadas tranquilas, e aquilo talvez pudesse indicar que estava atrás de água. Era minha chance de tentar seguir o rastro e, talvez, encontrar o caminho até o Rio Roanoke. Mas o escuro da noite não facilitava aquela estratégia. Infelizmente, não demorei muito para perder as pegadas de vista. No entanto, fechei os olhos, respirei fundo, me concentrei, deixei que a natureza falasse comigo, e deixei que minha conexão com a água também ajudasse a me guiar. E foi nesse momento que uma memória importante brincou em meus pensamentos.

“Eu não estava perdida! Eu só fui brincar na beira do rio!”. Lembro-me que não quis contar a meu tio o verdadeiro motivo de ter chegado tão tarde em casa naquela noite. Eu desobedecera uma regra importante imposta por ele. Jamais deveríamos atravessar para o outro lado do rio, pois lá costumava ter muitos ursos. E foi justamente um deles que acabou me atrasando, o meu primeiro encontro com um predador grande e feroz. Eu consegui me esconder e não ser notada por ele, mas meu tio se preocupou, e ficou bravo comigo por ter chegado tão tarde. Quando tudo se acalmou, ele sentou ao meu lado no tronco caído, na frente do barracão, quando as estrelas já apontavam no céu. Costumávamos fazer isso muitas noites. Gostávamos de admirar o céu estrelado. Era o nosso momento de tranquilidade, quando todas as responsabilidades do dia já tinham sido cumpridas, e podíamos nos reunir para só… Relaxar. E conversar. Mas naquele dia, a conversa foi, na verdade, uma lição. “Viu aquela constelação no céu, Dani?”. Ele me perguntou, e eu imediatamente direcionei o olhar para o lugar que ele apontava no céu noturno. “A Ursa Menor”, eu prontamente respondi.  Meu tio sorriu, orgulhoso. “Isso. A Ursa Menor. Está vendo ali aquela estrela que brilha mais que as outras? Nós a chamamos de Estrela Polar”. Eu repeti sussurrando, para guardar o nome enquanto ele continuava “Se um dia você se perder, e for difícil de se guiar pela mata durante a noite, quero que aprenda um segredo. Me dê sua mão”. Naquela noite, ele me ensinou que, usando aquela constelação como referência, e identificando a Estrela Polar, a direção em que ela apontasse seria sempre o norte. O Rio Roanoke, ele também nos ensinou, corria a sudeste. Eu podia sempre usar aquilo para me guiar de volta para casa.

Era difícil ter uma boa visualização do céu na mata fechada, mas sempre que encontrava uma clareira, eu aproveitava para olhar as estrelas, conseguia reencontrar a direção das pegadas, e pouco tempo depois, concentrando-me nos sons da floresta, eu ouvi o que me fez sorrir e ter certeza que eu estava no caminho certo: O coaxar dos sapos. Guiando-me por eles, a partir daquele ponto, eu não demorei muito mais para chegar até o rio. Assim que meus olhos o viram, eu suspirei com felicidade, e olhando para o céu, sabendo qual era a direção norte, tive certeza que era o Roanoke. As águas corriam a sudeste. Era ele… O nosso Rio Roanoke. Não consegui evitar ir até a água e tocá-la com minhas mãos “Oi, velho amigo…”. Qualquer um que me visse, naquele momento, falando com o rio, certamente pensaria que eu era uma maluca. Muitos já me consideraram uma aberração, e sequer precisaram me ver fazendo algo parecido para chegar a tal conclusão. Mas era isso o que eu tanto amava no meu lar, no brejo: Não havia qualquer pessoa ali para me ver. Éramos eu e a natureza. Eu não via problema em conversar com os animais, com as plantas, com o rio, dar nomes, considerá-los tão parte da minha vida quanto meu tio e Jay. E sinceramente, venho cada vez me importando menos com o que as pessoas podem pensar.

Bem, ali estava eu, no Rio Roanoke, seguindo a pista passada por meu pai. Agora eu precisava encontrar a aldeia. Naquela altura do rio não parecia ter pessoas morando, a mata era muito fechada ao redor. Mas eu sabia que se seguisse seu curso, ele me levaria até a costa, até a baía de Albemarle, e eu provavelmente encontraria pessoas que, assim como eu, moravam nas regiões próximas. Eu já passara com meu tio e Jay por algumas aldeias, quando íamos pescar, onde também viviam famílias afastadas das cidades. Tudo que eu tinha que fazer era continuar seguindo na mesma direção das águas do rio. E foi o que fiz, entoando baixinho uma canção que costumava cantarolar antes de dormir "Lace your heart with mine, let your sleeping soul take flight, take me through the night, down down down by the river... Down down down by the river...". Aos poucos, fui percebendo a noite começar a dar lugar à manhã "Hanging moon in fog, mists will lead where you belong, sweep me off my feet, down down down by the river... Down down down by the river... Down down down by the river".

A Aldeia Costeira:

Foram os carvalhos que chamaram minha atenção primeiro. Lá do outro lado do rio, com o início do raiar do sol, comecei a perceber um padrão muito familiar. Meu coração também sentiu. E logo elas surgiram, as árvores tão vergadas que tinham o mesmo formato do vento. O brejo! Meu brejo! Meu lar! As lágrimas chegaram aos meus olhos antes mesmo que eu me desse conta da presença delas. E quando dei por mim, eu já estava correndo. No entanto, lá, onde antes se erguia o barracão modesto que meu tio construíra com suas próprias mãos, agora havia uma casa de concreto e mais outras ao redor. As árvores que eu cresci escalando, que nos davam frutos, que outrora dançavam ao vento do brejo tinham desaparecido, cortadas e substituídas, sem restar qualquer sinal da existência delas.

O lamaceiro, que raramente cruzávamos para ir até a cidade, estava todo marcado com trilhas de pneus de caminhonetes, duas delas estacionadas à sombra do grande carvalho. A felicidade, que antes me invadiu, sumiu rapidamente. Em seu lugar, um misto de raiva e tristeza tomou conta, enquanto eu encarava, do outro lado do rio, o estrago feito por aqueles homens ao meu lar. A raiva ferveu meu sangue. Precisei lutar contra a intensa vontade de confrontá-los e expulsá-los dali, derrubar tudo aquilo que fizeram, deixar a floresta retomar o que era seu. Quis fazer o que eu e Jay não conseguimos na época em que nosso lar foi invadido. Mas eu não estava ali para isso. Eu precisava me concentrar na missão que faria para meu pai, não podia permitir que aquilo me abalasse e eu o decepcionasse. Mas eu voltaria… Ah, eu voltaria…

Porém, naquele momento, tive que continuar seguindo meu caminho, mesmo com o coração angustiado. A partir daquele ponto, eu conhecia o curso do rio como a palma da minha mão. Era o caminho que fazíamos todos os dias, até o mar. O sol já brilhava no céu, espalhando tons de rosa e laranja, quando as águas da bacia de Albemarle se revelaram diante de mim. Era uma visão tão familiar, porque era inclusive por volta daquele mesmo horário que costumávamos descer o rio até a praia. Mas meu olhar logo captou, novamente, algo de diferente. Pouco depois do encontro das águas, quando estas se acalmavam novamente, na região tão usada para a pescaria, e muito perto de onde eu costumava pegar mariscos, uma enorme rede de pesca se estendia, não daquelas que se joga de um barco e depois puxa de volta, como a que usávamos, mas uma rede de espera fixa. Era possível enxergar os flutuadores boiando na superfície da água. Meu tio não gostava daquele tipo de rede. Sempre que pescávamos, não era de forma indiscriminada. Não pegávamos qualquer espécie, qualquer tamanho, e não pegávamos peixes jovens, nada que pudesse atrapalhar as populações de peixes e a vida marinha. Fazíamos tudo de forma controlada, um número limitado, o mínimo suficiente para sobrevivermos, nada mais que isso. E ele costumava dizer que os pescadores que usavam aquele tipo de rede, naquela região, não tinham o mesmo cuidado. Deixavam-na lá por muito tempo, atrapalhando o ciclo de vida dos peixes, desrespeitando os limites.

Aquilo imediatamente me trouxe um pressentimento ruim, e foi quase no mesmo momento que eu reparei em uma movimentação estranha na água, ao longo da extensão da rede. Estreitei os olhos, e não refreei meu ímpeto de checar o que estava acontecendo. Pulei na água, deixando que esta me abraçasse, e nadei até estar mais perto. Assim que mergulhei para ter uma visão melhor, entendi qual era o problema. Meu coração ficou apertado, se encheu de compaixão, e uma urgência tomou conta de mim. Era uma tartaruga. Uma tartaruga se debatia, desesperada para se libertar, presa à rede. Eu não pensei duas vezes. Eu precisava tirá-la dali. Não sabia há quanto tempo ela estava presa, mas sabia que tartarugas precisam voltar à superfície, de tempos em tempos, para respirar, ou acabam se afogando. Eu tinha que ser rápida. Nadei até ela o mais rápido que podia, mas conforme me aproximava, fui tomando cuidado para não assustá-la e deixá-la ainda mais desesperada. Como eu já suspeitava, a rede provavelmente estava ali há tempo demais, muitos peixes capturados. Mas eu podia soltá-los depois, eles conseguiriam sobreviver por mais algum tempo. Um peixe não morreria afogado. Já a tartaruga, talvez estivesse com os minutos contados.

Com muito cuidado, cheguei ao seu lado, vendo que ela estava presa pelo pescoço, e ficar se debatendo só estava ferindo-a ainda mais. Da melhor forma possível, tentei acalmá-la, e felizmente, possivelmente pela nossa conexão com o mar, consegui que ela parasse de se mexer com tanto afinco. Precisei que ela ficasse mais quietinha para que eu pudesse desvendar uma forma de desembaraçá-la. Infelizmente, a própria rede tinha se danificado e arrebentado, formando nós que me atrapalhavam, eu precisaria cortá-la. Peguei uma das minhas flechas e, usando a parte cortante da ponta, fui dando o meu melhor até cortar as partes essenciais que, enfim, a liberariam. Demorou um pouco, uma corrida contra o tempo, mas enfim, eu consegui soltá-la. Assim que percebeu que, enfim, ela podia se mover livremente, ela nadou, de forma lenta, provavelmente devido ao ferimento em seu pescoço, e eu a segui, não queria perdê-la de vista, eu ainda precisava ajudá-la. Como eu pensara, ela foi direto para a superfície, precisava respirar. E foi lá que eu aproveitei para tentar conversar com ela, fazendo uso do colar que eu ganhara da Senhora Ártemis, que eu dificilmente tirava. “Hey menina…”. Eu a chamei com voz mansa, e ela se virou para mim, movendo o pescocinho com dificuldade. Rapidamente me coloquei à sua frente, para que ela não precisasse virá-lo. “Eu sei, menina, eu sei, está doendo, não é?”. Senti meu peito apertar de preocupação, e senti raiva de quem quer que tivesse colocado aquela rede ali sem tomar os devidos cuidados, por tempo indeterminado, em um local por onde frequentemente passavam tartarugas. “Vem comigo, vem, posso tentar te ajudar. Você confia em mim?”. Ela ficou me olhando por alguns segundos, e eu nadei devagar, incentivando-a a me seguir. Felizmente, ela o fez, e eu a guiei até a areia.

Somente ao chegarmos lá, eu reparei em um detalhe que não tinha visto até então, na urgência do momento. Fiquei paralisada, olhando para uma das suas patas, o desenho que ela tinha em uma delas, formado pelas próprias manchas marrons da placa grossa que protegia sua pele. Formava o espiral igualzinho ao das conchas. Meus olhos se encheram de lágrimas enquanto ela vinha até mim, sem hesitar, e eu me ajoelhei, esperando. “Esperança…?”. Sussurrei, deixando outra lembrança brincar em meus pensamentos.

Há muitos anos, eu devia ter cinco ou seis, na época, eu e Jay encontramos filhotinhos de tartaruga marinha na areia da praia, conhecendo o mundo pela primeira vez, seguindo seu caminho até o oceano. Meu tio orientou a nós dois que não interferíssemos, só ficássemos assistindo enquanto elas seguiam seu ciclo, e tentássemos espantar algum predador, alguma ave que pudesse tentar pegá-las. Mas uma das tartaruguinhas não conseguiu ser rápida como as outras, e teve dificuldade em se locomover. Uma de suas patinhas dianteiras era um pouco menor que a das outras, e após ouvir muita insistência minha e de Jay, meu tio permitiu que a ajudássemos. Nós fomos guiando-a, tocando-a somente quando necessário, quando ela se desviava muito do caminho, e em um determinado momento, Jay apontou para a manchinha diferente na patinha menor “Veja, Dani! Não parece uma conchinha?”. Sentimos vontade de tê-la para nós, mas meu tio nos explicou que não podíamos, ela pertencia à natureza, ela não seria feliz presa conosco, mas seguindo seu ciclo, sendo livre. Nós entendemos e concordamos, é claro. E assim que ela chegou ao mar, nós resolvemos dar a ela um nome, como costumávamos fazer com muitos animais que víamos. Eu sugeri “Concha”, mas “Esperança” foi o nome escolhido por Jay, e eu achei lindo. O nome perfeito para a tartaruguinha. No mesmo dia, meu tio nos explicou que, quando nós dois fôssemos adultos, ela ainda não seria… Ela só seria adulta quando já tivéssemos por volta de trinta anos. E aquela tartaruga ali, à minha frente, seguindo até mim, era a Esperança. Foi difícil identificar debaixo d’água enquanto tentava libertá-la, mas era ela.

Eu me emocionei por revê-la, mas ao mesmo tempo, fui tomada pela tristeza de ver seu pescocinho todo ferido “Ah, Esperança, o que fizeram com você?”. Falei com a voz embargada. Ela veio até mim, e eu acariciei muito levemente sua cabecinha, rasgando uma parte da minha blusa para limpar o ferimento e poder ter uma noção maior da gravidade. “Eu não vou te machucar, ta bom?”. Felizmente, não era tão profundo quanto parecia, e o corte era apenas na parte de baixo. Fiz um curativo temporário com o tecido rasgado da minha blusa e algumas folhas de palmeira, e a levei até um lugar seguro, em meio a algumas pedras. "Preciso que você fique paradinha aqui um pouquinho, ta bom? O seu machucado tem que parar de sangrar, e você tem que descansar, gastou muita energia enquanto estava presa lá".

Eu a deixei lá, e voltei até a rede de pesca. Precisava arrancá-la dali antes que outros animais acabassem feridos, e libertar todos os peixes capturados indiscriminadamente. Eu nadei, cortando-a em diversos pontos, por onde os peixes podiam passar, e ao voltar à superfície fui puxando-a até que não pudesse mais atrapalhar a passagem. Foi só então que me deparei com algo que fez novamente meu sangue ferver. Amarrado a um cais, lá estava… O barco que pertencia a meu tio. O barco que tanto usamos na minha infância. A raiva se fez presente outra vez. Aquilo muito provavelmente indicava que os responsáveis por aquela maldita rede talvez fossem os mesmos homens que invadiram nosso lar no brejo. E eu não os deixaria ficar com aquele barco. De jeito nenhum. No entanto, eu precisava voltar para checar Esperança e levar a ela um pouquinho de algas.

Antes que eu chegasse de volta a ela, porém, vi dois jovens, um casal, andando pelas pedras, apontando para algo interessante que tinham encontrado. "Não!". Imediatamente eu corri, sabendo que muito provavelmente era Esperança, e controlei meu ímpeto de já empunhar o arco. Talvez não fosse necessário "Não mexam nela! Deixem ela em paz!". Sem dar a mínima para o que pensariam de mim, eu gritei com uma autoridade que eu nem sabia possuir. Minhas palavras saíram com uma firmeza que surpreendeu até a mim mesma. Eles pararam no mesmo instante, virando-se para mim. O rapaz riu, com um deboche que me fez estremecer. Não de vergonha, como seria antigamente, mas de raiva "Ou então você vai fazer o quê?". Eu o fuzilei com meus olhos, sentindo minhas mãos se fecharem em punho "Eu vou te impedir". Respondi entre dentes, ameaçadoramente. Sabia que ele me subestimaria, já estava acostumada. Mas era minha vez de subestimá-lo. Eu nem me dei ao trabalho de pegar meu arco. Eu o impediria apenas no corpo a corpo. Corri assim que ele ameaçou avançar para a parte das pedras onde Esperança estava, e o puxei pela gola de trás da camisa, derrubando-o de costas na areia. Seu ombro resvalou em uma das rochas e ele gritou de dor, mas eu nem me importei. Posicionei-me de uma forma que, para tentar avançar de novo, ele teria que passar por mim. E ele não passaria. Porém, quando ele se levantou, pronto para vir pra cima de mim, enraivecido, a moça que estava com ele o impediu, pondo a mão em seu peito. Ela pediu que ele parasse, e justificou dizendo que normalmente ele não se comportava assim. Disse que eles não pretendiam machucar Esperança, mas todos andavam nervosos demais pela falta de água. Neste momento, eu desviei meu olhar dele para ela "Espera… Você disse… Falta de água?". Ela confirmou. Perguntou se minha família também não vinha sofrendo com isso. "Eu… Não moro tão perto daqui. Minha casa fica mais pra cima seguindo o rio". Ao menos, minha antiga casa ficava. Ela estreitou os olhos para mim, um pouco desconfiada "Você vive com aqueles pescadores nojentos?". As palavras me atingiram como se ela estivesse falando de mim, meu tio e Jay, e eu apertei os lábios. Mas depois me dei conta de que talvez ela estivesse se referindo aos reais pescadores nojentos da região "Não. Eu odeio eles". Eu disse com convicção. Aquilo pareceu ser o suficiente para convencê-la, e então, ela me explicou onde vivia, onde era sua aldeia. "Espero que a água volte logo". Senti que ela queria incrementar a conversa, mas eu não dei muita abertura. Nunca fui a melhor pessoa para conversar. Esperei até que eles se afastassem. Não saí do lugar até vê-los se distanciando, e minha expressão decidida deve ter sido um incentivo.

"Está tudo bem, Esperança, eu estou aqui. Eles já foram". Tirei do bolso um pouco de algas que conseguira pegar, e deixei para que ela comesse. Chequei o curativo. Felizmente, tinha parado de sangrar. "Coma. Não sei se você gosta muito dessas, mas foi o que melhor consegui". Eu a deixei ali novamente e, seguindo o que a moça dissera, fui para a região onde ficava sua aldeia.

A Nascente:

Procurei não me aproximar demais. Fiquei entre as árvores, e fui buscando por córregos, espelhos d'água, qualquer coisa que pudesse me guiar e dar um norte em minha busca pela nascente. Meu pai disse que eu poderia fazer uso dos meus poderes. Já há um certo tempo eu vinha reparando que minha conexão com a água parecia ter aumentado ainda mais a ponto de, como algumas vezes eu tentei, eu conseguir... Moldá-la, um pouco. Eu podia tentar senti-la. Ao encontrar um córregozinho, pequeno, mas que já indicava presença de água,  fui tentando seguir seu curso, e alguns metros de onde estava o primeiro, eu encontrei outro, e os dois pareciam poder se… Conectar, caso houvesse água suficiente. O caminho entre um e outro era úmido. Eu podia continuar me concentrando e deixando aquilo me guiar.

Não sei dizer exatatamente quanto mais andei, mas logo o solo não estava mais úmido. Só havia terra seca. Isso indicava que eu estava no caminho certo. Meu pai dissera que a nascente estaria sob a terra seca. Suspirei. Resolvi me abaixar, pondo uma mão no solo, e fechei os olhos. Tentei me concentrar, tentei sentir qualquer coisa que pudesse me guiar. Não sei explicar exatamente como aconteceu. Mas foi como se eu soubesse para onde ir. De olhos fechados, comecei a seguir meu instinto. A cada passo, a sensação de estar no caminho certo se intensificava. Eu podia sentir a presença da água logo abaixo, pulsando como uma energia subterrânea. Quando a pulsação ficou consideravelmente mais forte, eu parei, sorrindo para o solo. Com cuidado, comecei a cavar, fui cavando, retirando a terra com minhas mãos, até senti-la ficar mais úmida, e então, a água começar a brotar. Meu sorriso ficou ainda mais largo. Ali estava ela! Era a nascente, pequena e tranquila. Fechei os olhos e, me conectando a ela, deixando minha energia fluir, unindo-se a ela, fui fazendo a água cristalina ir subindo, subindo, até que ela começasse a fluir suavemente, formando um pequeno riacho que, com o tempo, certamente desceria e seguiria até os córregozinhos mais abaixo. A emoção que me invadiu foi, novamente, indescritível. Eu conseguira! Encontrara a nascente! Mas eu precisava voltar à aldeia. Eu precisava contar à moça onde a nascente estava.

Eu não demorei a encontrá-la. Ela e o rapaz que a acompanhava anteriormente, na praia, estavam em pé, juntos, perto de algumas árvores, e procurei não deixar meus passos muito silenciosos para não assustá-los. Eles se viraram para mim “Eu sei onde vocês podem conseguir água”. Informei, meio sem jeito. Eles se entreolharam, parecendo confusos sobre acreditar em mim. “Posso levá-los até lá. Tem uma nascente. Não é longe daqui. Vocês podem pegar água lá”. Dei as costas e comecei a caminhar, esperando que me seguissem, e eles o fizeram, mesmo ainda um pouco desconfiados. O olhar deles chegou a brilhar quando chegamos, e eu nem precisava dizer mais nada, mas as palavras saíram, e eu não tentei impedi-las “Vocês precisam cuidar da natureza, ou ela cobrará o preço”. Eles olharam para mim confusos outra vez “Vocês vivem com ela, dependem dela. A tartaruga, que vocês viram na praia, estava presa numa rede de pesca. Vocês não podem destruir tudo e deixar que aqueles pescadores também destruam. Devem prezar pela vida que cerca vocês, ou logo não vai ser apenas a água que vai faltar. Respeitem o mar e as criaturas que nele vivem. Vocês vivem ao lado dele”. Eu estava prestes a seguir meu caminho, mas a moça me interrompeu, perguntando quem eu era. Eu fiquei encarando-a por alguns segundos, apertei os lábios, pensei no que dizer, mas enfim, respondi “A garota do brejo”. Eu disse simplesmente, e segui meu caminho sem olhar para trás. Era como eles me conheciam, afinal.

Antes de ir, eu voltei até a praia, onde estava Esperança. “Hey menina… Você comeu?”. Perguntei com um sorriso satisfeito, vendo que as algas não estavam mais ali. “Você vai ficar bem. Você sempre foi uma guerreira, não é mesmo?”. Fiz uma breve carícia em sua cabecinha outra vez, e como se tivesse recobrado as forças, ela começou a se direcionar até o mar “Você… Tem certeza? Descanse mais um pouco”. Mas ela não parou. “Bom, tudo bem. Se vamos fazer isso de novo, como nos velhos tempos, eu serei sua companhia. De novo”. Eu sorri, e enquanto a acompanhava pela areia até as ondas, fiquei imaginando o que Jay diria se eu contasse do meu reencontro com Esperança. O que Jay diria se soubesse tudo…? A tristeza de sequer saber onde ele estava e se um dia iríamos nos reencontrar ameaçou me invadir, mas eu não permiti. Eu estava feliz. Eu chegara a tempo de salvá-la. Ela nem era uma adulta ainda. Ela não seria uma adulta até que eu chegasse aos trinta anos. Ela merecia continuar vivendo. Ela merecia continuar lutando por sua vida. E agora as pessoas da aldeia também poderiam lutar pelas suas. Entreguei meu corpo às ondas, ao lado de Esperança, e me despedi dela com um aceno e um sorriso largo. Ao voltar para a areia, encarei o mar e respirei fundo, abaixando-me para pôr um joelho no chão e levar uma mão ao coração. “Para sua honra, pai. Pode sempre contar comigo”. Fiz o símbolo do tridente com a mão e a ergui para o horizonte, mas ainda havia uma coisinha que eu precisava fazer.

De Volta ao Acampamento:

Retornando até onde a rede de pesca estava, vi o barco… O barco que pertencera a meu tio, ainda parado no mesmo lugar, amarrado. Ainda pertencia a nós, nós nunca nos desfizemos dele, fomos roubados. Eu só estava pegando de volta o que nos pertencia. Tomando o cuidado de não ser vista, eu subi no barco. Já sabia exatamente como controlá-lo, meu tio nos ensinara. Liguei o motor, torci para que ele tivesse combustível o suficiente, e saí com ele dali, indo em direção ao mar. Não queria voltar a bordo dele para o acampamento, mas queria levá-lo para bem longe do alcance daqueles homens, o máximo que o combustível permitisse. Eles nunca mais usariam o barco do meu tio para sua pesca indiscriminada. Nunca mais.

Felizmente, consegui seguir por boa parte do caminho com o barco. Quando o combustível acabou, eu respirei fundo, passando a ponta dos dedos superficialmente pelas iniciais, minha e de Jay, que fizéramos no barco quando éramos bem pequenos “Adeus, Pearl”. Minha voz saiu embargada. Perdi a conta de quantas vezes lágrimas escorreram por meus olhos desde o chamado de meu pai na praia. Talvez eu nunca mais visse o barco. Mas ao menos, ele nunca mais seria usado por aqueles homens horríveis, e isso já era o suficiente.

Pulei na água, e então, só restava voltar até o acampamento… Nadando, como uma filha de Poseidon.

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Re: Estados Unidos

Mensagem por Ariel Dominique Abernathy Qua Nov 15, 2023 3:56 am

Dia 3 - 09:12Em uma fazenda isoladaS08P03
Depois da primeira árvore, a segunda não enganou Ariel. Aquele era o terceiro dia desde que o semideus recebeu a missão. Depois de derrubar a primeira árvore e fugir do rancho com o cavalo alado, Ariel preferiu acampar e deixar as outras duas árvores para o dia seguinte, assim poderia derrubá-las durante o dia. Ele acampou ao relento, perto de uma das muitas estradas do Texas, usando seus gravetos e lona para improvisar uma tenda e seu saco de dormir para, obviamente, dormir. Sua mochila também tinha provisões para que ele não morresse de fome, então, no fim das contas, até que foi uma noite agradável ao ar livre. Na manhã do dia seguinte, o garoto partiu para a próxima fazenda, que era completamente isolada de qualquer tipo de civilização. Não havia uma cidade próxima, sequer uma estrada! O lugar por si só era suspeito, mas diferente do rancho, Ariel não encontrou cercados com outros animais mitológicos, nem um cão de duas cabeças perigoso… Ele encontrou apenas uma casa modesta e uma bela árvore ao seu lado. A árvore tinha flores rosadas, lembrava uma cerejeira. Era uma árvore bonita, tipicamente aquelas onde pessoas param embaixo para tirar fotos. Seus frutos também eram vistosos, pareciam maçãs lustrosas, vividas, convidativas. Porém, nada disso enganou Ariel dessa vez. O que ele mais prestou atenção foi a área ao redor da árvore onde nada crescia, onde tinha apenas uma terra morta, cheia de veneno, tal como na primeira árvore. Ariel aproximou-se com cautela do caule, temendo que ele também fosse começar a mexer seus galhos, mas isso não aconteceu. Com uma maior aproximação, ele também notou que aquela árvore não tinha os entalhes de animais capturados. Aquela árvore não parecia ser do tipo que se movia. Menos mal. Ariel pensou, sacando sua foice, preparando-se para dar o primeiro golpe, mas algo o fez parar. Melhor, uma voz.

- Eeei. Não derrube minha árvore! - Era uma voz feminina, Ariel girou a cabeça para olhar para a dona dela. Uma garota tinha acabado de sair da casa modesta. - Eu… Ah… - Como explicar para aquela garota que derrubar aquela árvore não era algo ruim? - Desculpe, mas é que a sua árvore está envenenada… Eu tenho que derrubar ela. - Ele tentou explicar, abaixando a foice. - Envenenada? Mas ela nunca fez mal a ninguém. - Disse a garota. Algo na voz dela dizia que ela não era totalmente inocente, havia uma força ali. Ela usava shorts curtos e uma camiseta xadrez com amarração na altura da cintura, o que mostrava parcialmente a sua barriga. Ela tinha cabelos ruivos ondulados que caiam suavemente aos seus ombros. Seu rosto era bonito, sua pele branca e seus olhos eram azuis. Ela… Era realmente muito bonita. - O que está acontecendo, Amy? - Uma segunda garota saiu de dentro da casa. Ela era muito diferente da primeira, mas igualmente bonita. Sua pele era negra, seus cabelos vinham trançados e caiam até abaixo da cintura. Seus olhos eram cor de mel, pareciam brilhantes, escaldantes como fogo. Ela estava usando calças jeans rasgadas e uma camiseta com estampa escrito “Show Me The Blood” com letras bem temáticas. Deveria ser alguma banda de Rock. - Este garoto quer derrubar nossa árvore! Disse que ela está envenenada! - Falou Amy, indicando Ariel com um dos braços. Ele, por sua vez, ficou sem reação. - Derrubar? Olha, se árvore está envenenada, porque não tentar curá-la ao invés de acabar com a vida dela? - A garota negra cruzou os braços, incomodada. Por algum motivo, deixá-la incomodada doeu bastante em Ariel. - Me desculpe… É que… Eu nem tinha pensado nisso. - Verdade, ele não tinha mesmo pensado naquilo. - É que a árvore é o próprio veneno, vê? - Ele apontou para o chão ao redor da árvore. - Nada cresce ao redor dela. - Ele não sabia porque queria provar-se para aquelas garotas, mas não queria decepcioná-las. - Muitos animais e plantas possuem venenos próprios e nem por isso devemos matá-las, você não acha? - A garota falou, se aproximando. - Essa árvore não causa mal algum. Porque você não entra? Nós podemos conversar melhor sobre isso lá dentro. - Ariel estava para recusar, mas sequer percebeu quando Amy aproximou-se dele, passando uma mão em suas costas. - Isso, venha para dentro, vamos comer alguma coisa. - Ambas as garotas tinham ficado lado a lado com ele, já começando a andar para a porta da casa, induzindo Ariel a entrar no local. - Meu nome é Érika. - Disse a garota negra. - Eu tenho certeza que vamos chegar num consenso. - Érika passou um dedo abaixo do queixo de Ariel. Instintivamente, ele olhou para o corpo dela. Ela tinha belas curvas. - Vamos nos divertir. - Amy falou ao pé de seu ouvido. Ela não ficava para trás mostrando boa parte de sua pele com aquelas roupas curtas. Ariel ainda não encontrava espaço para responder. - Venha, entre… - Ele olhou para os lábios de Érika falando. Como seria beijá-la? Érika abriu a porta da casa, Ariel entrou.

Quando chegou dentro da casa, Ariel percebeu o quanto foi um idiota. Que merda… Ele não completou o pensamento ao ver o que tinha no interior da casa. Era apenas um cômodo, como se fosse um galpão, com várias cordas penduradas nas paredes juntas de vários objetos cortantes. No centro da sala, uma mesa retangular cheia de sangue seco jazia. Não havia janelas ou qualquer outra saída, as janelas vistas do lado de fora eram apenas cenográficas. Ariel olhou para trás, Amy e Érika estavam na frente da porta… E elas tinham mudado completamente de aparência. Os cabelos delas estavam pegando fogo, seus olhos eram vermelhos, presas eram vistas em seus dentes num aberto sorriso. Na parte de baixo, uma das pernas de cada garota tinha virado uma espécie de prótese de bronze, enquanto as outras pernas agora pareciam a pata de um jumento. Duas empousas… E Ariel sequer conseguia se mexer ao vê-las. Porque ele ainda estava as achando bonitas mesmo assim? - Awn, que gracinha. Não vamos nem precisar amarrar ele na mesa. - Disse Amy, aproximando-se e passando seus dedos sobre o rosto do garoto, dedos estes que agora possuíam garras longas. Amy, inclusive, fez questão de fazer um corte na bochecha de Ariel, algo que não o incomodou. - Ele gostou do que viu. Vocês homens são tão fáceis. - Porque ele não queria lutar contra elas? - Não se preocupe semideus, seus últimos minutos serão prazerosos se você continuar assim. - Ariel se lembrava de já ter tido uma aula sobre empousas. Elas se alimentam do sangue de homens, seduzem eles com sua voz que carrega um charme parecido com as dos filhos de Afrodite. - Nós também vamos ter prazer com você. - Érika passou suas mãos no braço de Ariel. Ele se lembrava de ter aprendido que elas podem paralisar um homem só dele olhar para elas. - Você já é nosso… - Ariel sentiu os lábios de Amy em seu pescoço. A sensação foi boa, o arrepio foi prazeroso. Em seguida, veio uma certa dor, ela tinha o mordido. Ele podia sentir o sangue ser puxado para fora de seu corpo, a sensação não era boa, mas ao mesmo tempo era. Sua mente queria relaxar, mas o seu corpo não. Ele se lembrava que só tinha uma forma de quebrar este encanto que uma empousa pode causar em um homem. - Só nosso… - Outra dor. Érika mordeu o outro lado de seu pescoço. Aquela mistura de sensações estava sendo prazerosa. Só tinha uma forma de se livrar daquele encanto: força de vontade. Porém, como lutar contra seus desejos mais primitivos? Verdade, Ariel é um bobo, um cara gentil, engraçado, mas não deixa de ser um rapaz que acabou de passar pela puberdade. Ele queria aquele tipo de prazer. Sentir isso era o que estava sendo bom nessa experiência, era o que as empousas estavam usando contra ele e o fazia ser tão suscetível. Sua respiração começou a ficar rápida e descompassada. As empousas pouco notaram isso, acreditaram ser uma simples resposta do corpo com o sangue estar sendo retirado num fluxo alto.

Quanto mais Ariel pensava sobre isso, mais ele chegava em uma conclusão. Era essa conclusão que estava o tirando do transe. Essa conclusão estava se tornando a sua força de vontade. - Eu quero essas coisas… - Ele disse. Ele pode sentir um curvar nos lábios de Amy, um sorriso enquanto ela sugava o seu sangue. Também sentiu Érika explorar o seu corpo com suas mãos, como se quisesse o convencer ainda mais de que não deveria resistir. Mal ela sabia, porém, que Ariel já tinha sua resposta para resistir. Ele levou calmamente uma de suas mãos até a foice. - Mas não com nenhuma de vocês. - Ele puxou a foice, empunhou-a com as suas mãos e jogou a lâmina para trás, acertando a cintura de Amy, perfurando-a completamente, atravessando o seu corpo de um lado a outro. A empousa gritou, soltou o pescoço de Ariel e explodiu em pó dourado. A outra, Érika, rapidamente afastou-se. - AMY! - Ela gritou com raiva, mas Ariel não deu chances para ela atacar, ele girou a foice, tirando-a do corpo de Amy, e golpeou Érika no plano alto, arrancando a sua cabeça para fora do corpo. O corpo dela explodiu em pó dourado, mas sua cabeça ficou como espólio. Ariel olhou com desprezo para a cabeça, com amargura, mas, de verdade, ele estava amargurado com si mesmo por cair tão facilmente nessas artimanhas. Não tinha sido a primeira vez, foi assim quando ele sonhou com Afrodite também, ele só saiu do encanto da deusa depois de acordar. Ele percebeu que aquilo era uma de suas fraquezas… E detestou tê-la, sentiu raiva. Segurando a foice com força, ele caminhou para fora da casa (depois de chutar a cabeça de Érika para longe) e descontou parte de seus sentimentos negativos na árvore, golpeando-a até que caísse. Isso não abrandou seus sentimentos, na verdade, uma espécie de culpa surgiu dentro de si por ter derrubado aquela árvore com tanta raiva e amargura, mesmo que a árvore em si fosse um veneno para a terra.

Com a árvore no chão, o garoto pegou uma das maçãs lustrosas e não conseguiu deixar de pensar numa alusão sobre elas serem o “fruto proibido”. Ele respirou fundo, sua culpa começando a se transformar em tristeza. O que Maysilee diria se soubesse que ele era tão facilmente influenciável pelos seus desejos? Ele era… Um péssimo cara. Só isso. Caminhando cabisbaixo, Ariel retornou até seu cavalo, que alçou voo para a próxima fazenda. Ele não percebeu o momento em que desmaiou em cima do animal, exausto depois de tantos golpes na árvore e do sangue perdido.
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Re: Estados Unidos

Mensagem por Nex Lockheart Qua Nov 15, 2023 8:46 pm

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Trígono Envenenado
Part 02


O sátiro caminhou pela estrada até encontrar uma encruzilhada de terra, a fazenda Cornucópia estava próxima, então manteve o ritmo. Apesar do calor intenso, uma brisa suave carregava o cheiro da terra e das plantações de milho. Quando seus olhos se estreitaram, Nex sentiu o ar vibrar de forma diferente; a partir daquele ponto, parecia haver uma árvore em particular, frutífera e frondosa, mas de tronco magro e desajeitado. Não era alta, e seu tronco parecia ter vinte centímetros e meio, mas se o que Deméter havia falado fosse certo, suas raízes já estavam no solo, estendendo seu alcance a vinte metros, envenenando tudo ao redor.

Ao se aproximar da árvore, Nex notou imediatamente os sinais do veneno se espalhando pelo solo. As plantações ao redor exibiam um aspecto doentio, e o calor parecia mais intenso na presença da árvore venenosa. Qualquer um ali pareceu notar pelo comportamento de Nex, e já podiam se preparar para o pior. Afinal, era uma coisa ruim tal árvore ser plantada e ninguém estranhar o quão prejudicial ela estava sendo para os arredores.

Nex, com seu machado em mãos, esperou e observou os arredores. Quando não percebeu a presença de mais nenhuma criatura viva por perto, seguiu em frente contra a árvore frutífera. O tronco fino provou ser enganador, pois o golpe do machado foi refletido com facilidade, machucando as mãos do sátiro; era duro como um metal. E mesmo diante disso, mais nada aconteceu, então ficou entendido que o primeiro teste era sobre perseverança. Como cortar uma árvore doentia que não podia ser cortada, afinal. Era disso que se tratava. Cortar o mal pela raiz.

Ele permaneceu ali, golpeando no mesmo ponto até as mãos ganharem calo, os calos se transformaram em bolhas e após horas, o sangue escorria. Doía, ele chorou e pensou em desistir até quando as juntas de suas mãos estavam doloridas de tanto segurar e aguentar o choque. Mas o sátiro continuou, firme em sua determinação, mostrando que sua vontade de preservar a natureza era mais forte do que qualquer obstáculo. Cada golpe era um ato de resistência, uma demonstração do que um espírito da natureza podia fazer a diferença quando necessário. Então aos poucos ele foi conseguindo cortar o tronco.

Finalmente, a árvore cedeu, cortada completamente mais pelo espírito dele do que pelo equipamento ou poderes, apenas a boa e velha perseverança. Do centro do seu tronco havia um fruto, muito diferente dos demais, maior e mais nocivo. Então Nex lembrou, que Deméter havia pedido um fruto de cada, então esse era o primeiro deles.

Com a árvore venenosa derrubada e o fruto conquistado, Nex se recuperou e descansou, só então partiu para a próxima cidade, agora os próximos desafio não pareciam tão simples.

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Re: Estados Unidos

Mensagem por Nex Lockheart Qua Nov 15, 2023 8:54 pm

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Trígono Envenenado
Part 03


As mãos enfaixadas exibiam as marcas do esforço, e Nex precisou de um dia inteiro para se recuperar. Embora não fosse conhecido por sua capacidade de regeneração, ele podia sentir que logo conseguiria ao menos empunhar o machado mais uma vez. Assim, apenas esperava que segurar novamente a arma não se tornasse o maior obstáculo para a segunda árvore.

Ele ainda podia sentir que o primeiro desafio foi bem-sucedido devido à sua teimosia. Embora pudesse ter encontrado um método menos nocivo para lidar com a árvore, no final, tratava-se de algo natural ao empunhar um machado; você acaba tentando derrubar coisas. E ele acreditava que isso era a melhor maneira.

Próximo da localização da segunda árvore, Nex descobriu que a mesma estava em uma fazenda responsável por produzir mel para a região. Era certo que deveriam estar sofrendo com o envenenamento, mas isso não era sua maior preocupação no momento. Nex encontrou um decente marceneiro na cidade. Claramente, o sátiro teve que passar algumas horas para reparar o cabo do pequeno machado, mas com as palavras certas, ele obteve conselhos para consertar sua própria arma e seguir em frente com a busca.

— Olha, este machado tem história. Pode não ser dos melhores, mas está comigo desde o começo — disse o sátiro, sorrindo confiante enquanto terminava de ajeitar o machado nas costas com a ajuda do rapaz. A desculpa usada por nex era sobre ele ser um rapaz jovem que havia se tornado um lenhador, negócio de família, o sátiro disse.

— Bem, apenas se lembre de não exagerar. Pinheiros não costumam ser valiosos — acrescentou o homem, desejando sorte para o garoto com a profissão incomum, uma vez que uma serra elétrica poderia facilitar futuras empreitadas, decidiu não se intrometer ainda mais.

Com o machado consertado, Nex estava com sua confiança renovada. Embora as mãos ainda doessem, ele estava na melhor condição possível. Agradecendo ao marceneiro pela última vez, partiu em direção à próxima fazenda, onde o mel era a principal fonte de lucro. À medida que Nex se aproximava da fazenda, a doce fragrância do mel envolvia o ar, criando uma atmosfera irresistivelmente deliciosa. No entanto, o som característico das abelhas também estava presente, lembrando-o de quão obstinadas e irritantes elas poderiam se tornar. A visão das colmeias alinhadas no campo era incomum, mas bonita à sua maneira, uma paisagem bem construída que poderia encantar qualquer observador. Nex sabia que, por trás dessa aparente tranquilidade, uma árvore envenenava o solo. Enquanto observava entre as asas zumbindo freneticamente das pequenas abelhas, ele finalmente decidiu se aproximar.

Ao se aproximar das colmeias, Nex podia sentir a energia natural emanando delas, como se as próprias abelhas estivessem cientes da presença do espírito da natureza. Num sussurro suave, como se entendesse suas intenções com os insetos ao seu redor, Nex conversou com algumas delas: — Este ser da natureza, requer uma audiência com a sua rainha. Estou aqui para proteger a natureza.

O zumbido das asas pareceu diminuir gradativamente por um momento, como se as abelhas estivessem captando a mensagem de Nex. Não era raro o garoto abusar de sua habilidade de conversar com animais, embora até monstros poderiam ser ouvidos, havia muito mais entre os espíritos e a natureza para explicar em poucas palavras, então avançou no meio do local, mantendo uma comunicação em sussurros rápidos com as abelhas.

À medida que se aproximava da colmeia da rainha, Nex notou que nenhum funcionário da fazenda havia o impedido, enquanto outras abelhas permaneciam focadas em suas tarefas. Ele reconhecia a importância de respeitar o delicado equilíbrio entre a coleta de mel e a preservação das abelhas, fundamentais para o ecossistema da produção. O sátiro avançou com cuidado, ciente de que suas ações não deveriam perturbar a harmonia estabelecida entre os trabalhadores da fazenda e as abelhas. Afinal, ele estava ali para enfrentar a verdadeira ameaça à natureza, a árvore envenenada que estava em algum lugar da propriedade. Quando se encontrou com a pequena rainha, ele manteve o tom respeitoso.

— Não sou seu inimigo. Estou aqui para achar uma árvore, uma que envenena a terra. Sabe de algo? — perguntou Nex, buscando usar as informações das abelhas para acelerar sua busca.

A rainha parecia reconhecer a intenção do sátiro. Então, ela explicou que havia um monstro, um que havia roubado a fazenda dos donos anteriores, permitindo que dezenas de colmeias fossem envenenadas. Ela mesma liderou o sátiro até o local com centenas de abelhas a seguindo, criando um som arrepiante.

Conforme Nex percebia os distúrbios no local, encontrou um gigante de quase dois metros e meio. Embora não fosse dos maiores, em sua forma "disfarce", parecia um humano grande. Algumas colmeias estavam murchas, como se algo tivesse drenado sua vitalidade. O sátiro sabia que não podia permitir que tal malefício se espalhasse, comprometendo a integridade do lar das abelhas.

Com seu machado em mãos, Nex avançou contra o gigante, confiante nas informações das abelhas. O primeiro golpe não pegou o monstro de surpresa, mas a ajuda das centenas de abelhas que seguiam o sátiro tornou a luta mais fácil. As abelhas zuniam no ouvido, entravam no nariz e algumas até ousavam ferroar os olhos do gigante. O monstro, inicialmente confiante, logo se viu em apuros, sua arrogância desafiada pelas incessantes picadas minou rapidamente sua coragem.

Mais algumas trocas de golpes e o gigante, agora enxameado de abelhas furiosas, saiu correndo da área, arrependido por não ter usado proteção adicional naquele dia. A partir desse momento, lidar com a árvore venenosa se tornou muito mais simples. Embora o monstro fosse forte, não era uma luta justa enfrentar um ser da natureza com a ajuda incansável das abelhas.

Assim que o combate terminou, Nex deu cabo da árvore e recolheu seu fruto, consciente de que, embora não fosse possível recuperar imediatamente as colmeias envenenadas, elas iriam se recuperar com o passar do tempo, graças à intervenção do sátiro e a abelha rainha, haviam destruído mais uma árvore envenenada… Agora restava apenas mais uma árvore. Mas o satiro permaneceu na fazenda para avisar os antigos donos que o gigante não iria incomodar mais.

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Re: Estados Unidos

Mensagem por Nex Lockheart Qua Nov 15, 2023 8:58 pm

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Trígono Envenenado
Part 04


Enquanto Nex continuava sua busca pelo Texas em direção à próxima e ultima árvore venenosa, ele sabia que o problema não estava apenas na localização física, mas também em manter seu disfarce e discrição ao longo dos dias. O calor implacável do Texas não diminuía seu espírito, mas inevitavelmente o fazia sentir o cansaço mais rápido. Nex ficava irritado ao testemunhar a poluição nas áreas urbanas, percebendo como os humanos também contribuíam com seu próprio tipo de veneno para o mundo.

Ao se aproximar da última fazenda, Nex percebeu indícios de uma criatura sinistra. Uma empousa, estava claramente de guarda, destacando a seriedade do local. Ciente de que a empousa poderia ser astuta, Nex preparou-se para enfrentar não apenas a árvore venenosa, mas também as criaturas que a protegiam.

Nex avançou com cautela, mantendo-se alerta para cada movimento ao seu redor. Sua percepção aguçada, embora limitada pelo conhecimento, trazia uma diferença notável na simplificação do terreno que percorria. Diante dele, a empousa mostrava-se como uma adversária formidável, trocando golpes em movimentos ágeis que rapidamente se transformaram em um frenesi de violência.

A empousa tentava envolver Nex com suas garras, lançando olhares hipnóticos que, inicialmente, desafiavam a resistência do sátiro. No entanto, Nex fechou os olhos por um instante, e o ambiente ao seu redor vibrou. A força vital da criatura tornou-se um farol no meio da batalha, revelando uma eficiente maneira de combater às cegas.

Os ferimentos começavam a se acumular em ambos os lados, e a exaustão ao longo da semana tornava-se cada vez mais evidente. No entanto, a sinergia de Nex com a natureza revelou-se uma habilidade notável e eficaz, permitindo-lhe resistir aos encantos e estratagemas da empousa. Mesmo diante da adversidade, a conexão do sátiro com o ambiente ao seu redor mostrava-se uma ferramenta poderosa.

A batalha continuou, uma dança frenética entre o ser da natureza e o monstro. A paisagem ao redor testemunhava a intensidade do confronto, enquanto Nex buscava encontrar a vantagem necessária para superar a empousa. Ciente de que a verdadeira ameaça estava na árvore venenosa guardada por essas criaturas, o sátiro persistia na luta, não por confiança, mas pelo dever em terminar aquilo.

A empousa, percebendo a determinação do sátiro, mudou sua estratégia para fugir e chamar por ajuda. A tensão aumentava enquanto a empousa tentava uma brecha para escapar, apesar de ferida, persistia na ideia. Nex, percebeu que sem sua visão seria impossível finalizar, então ele arriscou enquanto sentia a conexão com a natureza, ele se permitiu a olhar nos olhos hipnóticos da criatura em um momento de astúcia, a empousa tentou criar ilusões para confundir Nex, mas o sátiro, confiante em sua conexão com a natureza, caiu na ilusão mas até mesmo dentro dela ele conseguiu desferir um golpe letal arremessando o machado nas costas da criatura a transformando em pó.

Cansado, mas vitorioso, ele seguiu para a última árvore e a destruiu, recuperando o último fruto necessário.

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Re: Estados Unidos

Mensagem por Kendall A. Sinclair Ter Abr 16, 2024 6:15 pm

stalking
Minhas pesquisas começaram pouco tempo depois da reunião com o conselho. A hiperatividade e o déficit de atenção não me deixaram focar nos estudos para a prova de álgebra que eu teria no dia seguinte, estava muito ansioso com a missão que o instrutor Theo havia me passado. Dessa forma, peguei o macbook do meu pai emprestado e comecei a escavar na internet.

Por simplesmente digitar o nome do barão e da baronesa de Fordingale na barra de pesquisas do Google, uma enxurrada de notícias foi exibida. Quase todas eram sobre o sequestro da criança, mas eu resisti em olhar essas notícias e decidi focar nas informações que Theo me pediu para encontrar. Cliquei no primeiro link para um site de fofoca que vi.

Jackpot! — comemorei, puxando um bloquinho de notas e um lápis. A matéria daquele site noticiava a chegada do casal de nobres a Nova York, listando uma agenda de supostos eventos dos quais eles iriam atender; incluindo o jantar com o governador. Havia listado, também, uma peça na Broadway na noite de terça-feira; um baile no Coachella, na sexta; e um café-da-manhã no MET bem no dia do sequestro.

Segui anotando a agenda, sem deixar de fora nem os mais improváveis eventos que aquela lista suspeita trazia. Depois, fui conferindo um por um dos eventos em outras pesquisas, para verificar a veracidade. Eu tinha dias, horários, locais, até alguns convidados mais ilustres que atenderam, fora o casal de barões. Logo, a agenda deles se esvaziou após o ocorrido e, segundo as notícias, o casal não foi mais visto atendendo a nenhum evento na cidade, embora seja confirmado que eles continuam hospedados na mesma suíte do Plaza Hotel. Algumas notícias afirmam que a baronesa se negou a ir embora da cidade até que a sua filha fosse encontrada.

Quando terminei de conferir todos os eventos, meus olhos estavam praticamente secos e doloridos. Meu relógio marcava pouco mais de 1h da madrugada e, através da janela, a noite estava pesada. Meu estômago resmungou, nem sequer tinha jantado. De toda forma, fechei o laptop do meu pai e desabei sobre a minha cama, dormindo quase que instantâneamente.

[...] No dia seguinte, voltei para casa logo após o ensaio do clube de teatro. Estava me sentindo mal por não ter ido muito bem na prova de álgebra, mas não me arrependi de ter feito aquela pesquisa. De fato, eu estava ansioso para retomar a escavação e tinha trazido algumas revistas de fofoca, moda e socialites para dar uma olhada.

Depois de horas folheando aquelas revistas, não pude achar nada relevante. Bufei, frustrado, e joguei a revista de lado. Papai chegou do trabalho e me encontrou no meio daquele monte de revistas fúteis; vendo o meu mau humor, perguntou se era algum trabalho da escola. Respondi que eram “coisas do acampamento”. Vi a sua sobrancelha erguer, ele estava confuso. Mas, então, ele me deixou e foi preparar o nosso jantar.

Durante o jantar, conversamos sobre os nossos dias. Papai não ficou nada satisfeito quando soube do exame de álgebra e pediu que hoje eu focasse em estudar para a prova de história do dia seguinte, ao invés de lidar com questões do acampamento. Depois de um breve sermão sobre como isso não poderia interferir na minha vida escolar, e que dias da semana eram para se dedicar aos estudos, eu concordei com ele e fui para o meu quarto.

Naquela noite, obedeci ao meu pai e estudei para a prova de história. Peguei no sono após ficar olhando para a mesma página por dez minutos, onde havia uma gravura retirada de um templo grego, no qual eu podia ler a inscrição fluentemente. Sonhei com aquelas gravações; o sonho inteiro parecia ter sido em grego antigo, que falava justamente de um sequestro e um plano para derrubar o Olimpo. Eu acordei e tudo virou um borrão imediatamente, mas ficou a sensação de que deveria pesquisar um pouco mais sobre os barões antes de contatar o instrutor Theo.

[...] Felizmente, a prova de história foi mais tranquila de fazer. As escrituras em grego antigo foram essenciais para algumas questões, nas quais exigiram dos alunos lembrarem dos seus mitos. Eu, por outro lado, somente li as gravações e consegui achar as respostas. Uma baita mão-na-roda ter essa predisposição para saber o grego.

Contudo, ao chegar em casa, peguei mais uma vez o macbook do meu pai e fui escavar mais um pouco sobre o barão e a baronesa. Procurei notícias que me dessem um pouco mais de background sobre o casal de nobres. Escândalos desse povo eram sempre noticiados. Mas não achei nada.

Não é possível… — resmunguei, frustrado. Parecia ser a única família de nobres que não possuía nenhum tipo de notícia pessoal, nem ao menos fofoca. — A não ser que tenham sido tiradas da rede. — Como ficamos sabendo na reunião, o barão parecia ser um homem com muitos motivos para esconder a sua vida pessoal, já que nem fazia tanta questão de ter a filha de volta. Fiquei imaginando o que mais ele poderia sacrificar para manter os seus segredos.

De toda forma, após ficar horas a mais escavando, dei-me por vencido. Fechei o notebook, peguei o meu bloquinho com todas as anotações que fiz e fui mandar uma mensagem de Íris para o instrutor Theo. Ele precisava saber de tudo que eu tinha descoberto, ainda que não seja muito.
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Re: Estados Unidos

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