Greenwich Village

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Minha risada veio de forma natural e espontânea. Era um alívio que Ryu também tivesse entrado na brincadeira da comparação. Não deixei de pensar que era possível de ele ter ouvido aquela piadinha diversas vezes antes; ainda assim, seu humor me deixou bem mais confortável. Quando ele alegou ser mais bonito que o personagem do jogo, sorri com o canto da boca e fiz um aceno de cabeça, concordando sutilmente.

Pelos seus relatos, soube que Ryu era um cliente já da casa. Sua experiência com os temperos de Enriqueta parecia ser bastante traumática, mas a forma que contou me arrancou mais risos sinceros.

— Parece que o apimentado japonês não é páreo para o mexicano… — falei, deixando um sorriso travesso. Olhei nos olhos puxados de Ryu (certamente o seu charme mais atraente), tentando descobrir o que ele tinha entendido daquilo. Confesso não ser alguém que conheça muito da cultura asiática e os costumes do Japão, mas aquela troca estava me deixando com vontade de saber mais.

Enquanto eu anotava o pedido dele, o ouvia contar da sua mudança e do apartamento que ele morava, ali no mesmo bairro. Terminei de escrever na caderneta e coloquei o lápis atrás da orelha novamente, debruçando-me sobre a mesa.

— Eu comecei há bem pouco tempo aqui — contei. — É uma extracurricular para ajudar na escola. Minha mãe conhece a Enriqueta e fez a ponte entre a gente. Eu to gostando de trabalhar aqui. Sempre gostei de andar por esses lados de Manhattan, embora eu more no Queens. O apartamento não é exatamente um cubículo, mas pra minha mãe e eu é suficiente. — Dei uma risada e me coloquei de pé. — Já volto com o seu pedido. — Abri um sorriso e me retirei para dentro da lanchonete.

Comuniquei a Enriqueta o pedido de Ryu e começamos a prepará-lo. Ela serviu a fatia de cheesecake japonês e começou a confeitá-lo, enquanto eu preparava o capuccino especial dele. Durante a preparação, Enriqueta me deu mais um sermão sobre me sentar nas mesas com os fregueses.

— ¡Cálmate, mujer! Él es un amigo de summer camp. No pasa nada. — expliquei. Ela pareceu entender e não criou caso, mas deixou bem claro que não era para eu ficar de conversa e esquecer dos demais clientes. Eu achei justo. Assim, quando terminamos o pedido de Ryu, eu o levei para ele numa bandeja.

— Aqui está! Um cheesecake japonês e um capuccino especial de chocolate. — Servi o pratinho com a fatia de cheesecake e o copo de capuccino na mesa dele. — Já peço desculpas adiantado se o capuccino não estiver do jeito que você está acostumado, eu ainda estou pegando as manhas do preparo; mas já melhorei bastante. — Soltei uma risada contida, um pouco nervoso, mas logo descontraí. — Bom apetite!

Interação com Ryu Mori.

Suguei a parte inferior do lábio de baixo quando Diego, mesmo que muito sutilmente, concordou comigo sobre a minha piadela em relação a minha aparência com a do personagem cujo tínhamos o mesmo nome, mas não pude deixar de rir um pouco mais solto quando ele brincou sobre os níveis de apimentado entre o mexicano e o japonês. Nossos olhos se encontraram brevemente e eu captei uma expressão travessa no rosto dele, movendo meu rosto para o lado tentando disfarçar os pensamentos que tive com as palavras.

Hm… confesso que a culinária mexicana é algo que explorei a pouco. - digo para ele observando o movimento do bairro, que aquela altura, estava calmo, mas parcialmente com uma movimentação de pessoas indo e voltando a todo o minuto. - Na verdade está nos meus planos de hoje… revê-la. - e então voltei a observá-lo, escutando o que dizia. Diego estava fazendo um trabalho extracurricular, e sua mãe foi a responsável para que ele conseguisse a vaga ali, na lanchonete de Enriqueta Gonzalez. Apesar de tudo, morava no Queens. Sorri, não era novidade que famílias latinas preferissem o Queens, e apesar do apartamento não ser um cubículo, dissera que era o suficiente para ele e sua mãe. De pé, acompanhei seus movimentos, ele dizia que retornaria em breve com o meu pedido. Acenei com a cabeça positivamente, observando Diego até que ele entrasse na parte interna da lanchonete. 

Sozinho, puxei minha mochila atrás das minhas costas e a coloco ao lado da cadeira, no chão. Dali retirei um currículo e um grande portfólio, escondendo-os debaixo do cardápio.

Em alguns minutos, Diego retornou com meu pedido, e quis deixar claro que talvez não estivesse da forma como eu costumava beber, mas já tinha melhorado bastante. Sem dizer nada, puxei a caneca gelada até mim e, segurando o canudo, tomei um pouco da bebida, deixando que um silêncio misterioso pairasse sobre nós dois, propositalmente. - Hm… - o café era realmente café. Nada daqueles cafés solúveis, eu gostava da lanchonete de Enriqueta por conta disto, e caramba… - Sore wa kanpekida… - murmurei entre dentes, antes de traduzir para ele. - Está perfeito. - digo, enquanto experimento um pedaço do cheesecake também. Era leve, sútil e menos doce do que o costumeiro, exatamente da forma como preparei para entrar no cardápio de Enriqueta. - Sinceramente não sei porque ela quer mudar algumas coisas do cardápio. Mas entendo… as outras lanchonetes estão começando a oferecer experiências diferentes. O diferente sempre atrai mais… - digo olhando para ele, vagarosamente. - Vai ser bom trabalhar com você, Diego. - digo para ele, que não parecia estar entendendo muita coisa da nossa conversa agora. Resolvi prosseguir.

Sou chef profissional. - digo experimentando mais um pouco do cheesecake. - Novo, eu sei. No verão passado, quando eu ainda não estava no Acampamento, trabalhei com Elena Reygadas. Conhece? - perguntei para ele, continuando. - Elena foi eleita a melhor chef do mundo este ano. E por acaso… ela é minha meio irmã. - sorri para Diego singelamente. - Enriqueta me pediu para ajudá-la a reformular o cardápio sem que perdêssemos a essência desse lugar. Eu estava cogitando se isso seria melhor do que eu imaginava… - comi o último pedaço, tomando o último gole do cappuccino. - Agora eu sei que sim. - olhei para ele mais uma vez, me levantando enquanto pegava o currículo debaixo do cardápio, juntamente a minha mochila. - Você pode me mostrar a cozinha? Acho que ela não percebeu que se tratava de mim aqui fora. - ajeitei a camisa branca de botões semi aberta, desvirando meu colar com pingente de caduceu.

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Sorri alegremente com o elogio que Ryu fez ao capuccino que eu havia preparado — muito diferente do comentário que eu recebera do primeiro cliente ao qual servira uma bebida.

Permaneci de pé ao lado da mesa, escutando seus comentários enquanto ele saboreava o cheesecake. Ryu estava demonstrando um conhecimento a respeito das lanchonetes que eu não esperava. Falava como um profissional na área. Em mim, cresceu um sentimento de surpresa e confusão; como se desconfiasse que tinha me enganado com ele.

— Trabalhar comigo? — repeti como se ele tivesse falado japonês de novo. Franzi as sobrancelhas e, sem que eu percebesse, a minha boca estava entreaberta. Meu queixo caiu ainda mais quando ele revelou ser um chef profissional. Meus olhos se arregalaram.

— Quantos anos você tem? — rebati, estupefato. Tive que me sentar novamente para ouvir a sua história. Enriqueta ia tirar o meu couro, mas isso não importava agora.

Por incrível que pareça, eu conhecia Elena Reygadas. Vi sua foto numa coluna do New York Times, reportando o título que ela recebeu de “Melhor Chef do Mundo”. Ryu não parava de me surpreender e eu era trouxa o bastante para pensar que ele não podia mais me confundir; embora ele estivesse tentando esclarecer as coisas. Eu simplesmente não conseguia conceber que os dois eram irmãos.

Por um momento, apenas fiquei quieto e deixei que ele terminasse de explicar o acordo que fizeram com Enriqueta. A boa notícia é que ela não poderia tirar o meu couro por estar sentado na mesa com um freguês, sendo que nem isso Ryu era mais.

— Claro… — balbuciei, levantando-me. — Por aqui! — Indiquei o caminho e fui na frente.

Dentro da lanchonete, apresentei Ryu como candidato a chef para Enriqueta (não que ela precisasse de uma apresentação). Em seguida, levei ele para trás do balcão, onde uma porta vai e vem separava o salão da cozinha.

Talvez fosse Enriqueta que devesse estar fazendo aquele tour com o rapaz, afinal, era ela quem cozinhava por ali. Eu sabia onde tudo ficava guardado porque ajudava na limpeza quando necessário. Imaginei que depois ele sentaria com ela para conversar sobre os detalhes do cardápio e as técnicas de culinária.

— Então… a Elena Reygadas também é uma… você sabe… como nós dois? — perguntei depois que terminei de mostrar tudo a ele. Ainda estava levando aquela história aos trancos e barrancos. Mas acho que não demoraria muito para me acostumar.

Interação com Ryu Mori.

Escondi, arduamente, a vontade de rir com a expressão de Diego. Eu imaginava que ele fosse ficar daquela forma, até porque, eu se quer deixei escapar esse pequeno detalhe: eu iria ser seu colega durante esse período, até que meu trabalho não fosse mais necessário por ali. É claro que isso demoraria alguns meses, afinal, fazer um rebranding de cardápio era algo que exigia habilidade e meticulosidade assim como qualquer mudança feita em um restaurante, por menor que ela fosse. Exigia estudo e técnica, além de calma. A pressa sempre foi, e ainda é, a inimiga da perfeição. 

Quantos anos eu tenho? - deslizei suavemente as mãos para dentro dos bolsos da minha calça de alfaiataria, já com a mochila e em meu ombro; aproveitei para por os papéis debaixo do braço direito. - O suficiente. - respondi, mas logo esclareci especificamente. - Tenho dezessete. Digamos que meus estudos foram um pouco mais… rápidos que o comum. Estudei em casa durante muito tempo. - isso fez com que eu pudesse começar uma especialização muito, mas muito novo. Há quem diga que não aproveitei minha infância, mas eu digo que isso é mentira. Cozinhar sempre foi minha maior diversão. Por um momento, Diego teve de se sentar para escutar o que eu contava para ele, e embora ele não fosse o único surpreso com Elena, eu ainda não tinha me acostumado também. 

Consequentemente, no mais tardar, fui levado ao interior da lanchonete de Enriqueta quando Diego me guiou pelo lado interno, e após cumprimentar Enriqueta, embora já tivesse a visto no começo da semana, fui levado até a parte da cozinha onde eu gostava de fazer a mágica acontecer. Brega dizer isso? Mas, sim. Costumo associar as coisas dessa forma, pelo menos no meu caso. A cozinha era bem estruturada, sua arquitetura industrial mostrava que, por menor que fosse a lanchonete, o ambiente de preparação era bastante aperfeiçoado. Cautelosamente analisei cada instrumento e deixei meus materiais em uma área onde haviam ganchos, prezando pela organização de não deixar que meus objetos pessoais ficassem espalhados por aí. 

E como imaginei, Diego estava surpreso por Elena, assim como nós, ser uma semideusa. - Sim, filha de Deméter também. - O respondi, vasculhando os bolsos da mochila enquanto eu retirava dali um pouco de álcool em gel, passando em minhas mãos cuidadosamente. - Também fiquei sem acreditar por um tempo, mas até que fez sentido. - sorri um pouco ao canto da boca, colocando um avental branco gelo de dentro de um dos compartimentos da bolsa, o amarrando ao redor da minha cintura. Com um rabicó, amarrei um pouco do meu cabelo em um coque, já que pela falta de tempo, não pude corta-lo. Eu costumava fazer isso sozinho. - Não sei se sabe… mas propus que a melhor entrevista, fosse a degustação de tudo o que eu fosse preparar para possivelmente reformular o cardápio. - digo a ele, caminhando até a dispensa, onde eu pelo menos imaginei que fosse. Ali, encontrei legumes, verduras, frutas, totalmente fresquinhas. - E você vai ser minha cobaia também. - observo Diego com um sorriso. Aquilo tudo tinha sido escolhido a dedo por mim; mandei entregarem pela manhã, antes mesmo que eu chegasse. Se está se perguntando se acordei quase de madrugada para escolher os melhores ingredientes, pode se dizer que a resposta é com certeza. - Não aceito um não como resposta. - e então, observei ao longe alguns fregueses chegarem. - Caso peçam, digam que... a melhor escolha hoje, é a surpresa do dia. - sorri para ele, começaria os trabalhos.

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Abri um sorriso animado ao saber que a “Melhor Chef do Mundo” também era uma meio-sangue. Realmente, estávamos espalhados pelo mundo inteiro; só não o dominamos porque os deuses já fizeram isso. E, pensando melhor, nada mais sensato do que filhos da deusa da agricultura se aventurarem a se tornarem chefs. Parecia até meio óbvio para falar a verdade. Como se também tivessem um pézinho na metereologia.

— Você deve ser o primeiro caso de semideus superdotado pra conseguir se especializar aos dezessete anos em algo que não seja combate ou sobrevivência — comentei, cruzando os braços ao me deixar encostar na bancada. — Eu preciso fazer um esforço sobrenatural só pra deixar a minha média em B +. — Era exatamente por isso que eu me colocava pra fazer o dever de casa no balcão, mesmo não tendo a menor condição.

Fiquei observando-o se preparar para o trabalho. Ainda estava um pouco difícil de acreditar, afinal, eu o tinha conhecido como um simples freguês. Se essa moda pega e os fregueses começassem a querer preparar as refeições da lanchonete também, o que isso se tornaria? E se esses fregueses tivessem dezessete anos de idade, que tipo de comida começaríamos a servir? E se… já deu pra entender, né! Mas uma coisa que é inegável (e eu já tinha reparado antes) era a beleza de Ryu. Não sei se são os olhos, o cabelo meio crescido e bagunçado, ou o seu jeito tão responsável e inteligente. Só sei que ele capturou os meus olhos de forma definitiva.

— Eu não vou dizer não para comida — respondi, decidido. Não era necessário nem que Ryu insistisse. A forma como ele manipulava os ingredientes já me deixava saber o tipo de artista que ele era na cozinha. — Eu amo conhecer coisas novas, e quando se trata do paladar, você me ganha fácil! — Dei uma risada boa. Mal podia esperar para experimentar o que quer que ele ousasse me servir.

De repente, ouvi o som do sininho acoplado na porta de entrada. Provavelmente, mais fregueses haviam chegado. Fiz um sinal com a cabeça pra Ryu, indicando que eu iria sair para tomar os pedidos, antes que Enriqueta viesse me colocar pra fazer isso aos berros espânicos. Dei uma última olhada para Ryu enquanto ele falava da “surpresa do dia”. Sorri e deixei a cozinha para o garoto trabalhar. Eu voltaria de tempos em tempos para verificar o que já tinha pronto.

Interação com Ryu Mori.